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Escola ocupada em Goiás, estado que propôs terceirizar a gestão das escolas públicas. | Valter Campanato/Agência Brasil/
Escola ocupada em Goiás, estado que propôs terceirizar a gestão das escolas públicas.| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil/

Desde o ano passado, o Brasil assiste a uma espécie de “levante” de secundaristas. Inspirados pelos estudantes de São Paulo que, em 2015, lançaram o movimento “Não feche minha escola” contra a política de reorganização escolar proposta pelo governo estadual, estudantes de outros estados – como Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Goiás e Ceará – já ocuparam dezenas de escolas em protesto contra o sucateamento, a terceirização e o fechamento de unidades e em defesa de um modelo de ensino menos amarrado ao currículo mínimo praticado hoje. No Paraná, a falta de merenda levou alunos a ocuparem uma escola em Maringá. (Leia mais abaixo.)

Estudantes acenderam uma chama

Seja porque as ocupações se revelaram um espaço organizado de interação, debates e atividades – e não um local de depredação ou vandalismo –, seja porque as carências da escola pública são amplamente conhecidas, a mobilização de garotos e garotas entre 14 e 18 anos acabou sendo legitimada por parte da sociedade e as ocupações conquistaram a adesão de pais, professores e artistas.

Criaram-se movimentos paralelos em apoio aos estudantes, como o “Doe uma aula” ou o “Observatório das Escolas Ocupadas”, em que voluntários ministravam aulas nas escolas ocupadas. Do mesmo modo, personalidades fizeram sua contribuição – a chef Paola Carosella, jurada do Masterchef, preparou refeições para alunos de São Paulo; a cantora Marisa Monte esteve em ocupações no Rio de Janeiro; Gregório Duvivier, do Porta dos Fundos, também visitou ocupações.

“É como se a juventude tivesse acendido uma chama à qual as pessoas reagiram”, diz a educadora Maria Rita Cesar, professora da UFPR.

Sem tradição de protestos como os universitários, os estudantes secundaristas inauguraram uma nova dinâmica de relacionamento com a educação pública e com o processo de construção de políticas para o setor. Especialistas avaliam que, por meio das ocupações, eles fizeram crescer o movimento de defesa da educação, antes restrito aos professores e universitários. Acostumados às margens da discussão política, adolescentes de não mais que 18 anos passaram a reivindicar protagonismo. E conseguiram.

A movimentação dos secundaristas é um divisor de águas, explica Maria Rita Cesar, doutora em Educação e docente da UFPR, tanto porque faz surgir novos agentes políticos quanto porque aponta para a necessidade de transformação do modelo de educação existente.

“A grande lição desse movimento é que nossa concepção de juventude estava errada. Achava-se que essa moçada estava alienada, que apenas reagia a estímulos – mas não é isso que se vê agora. As ocupações nos mostram que talvez os estudantes não estejam interessados no que tem sido oferecido como escola e como educação, mas que eles estão, sim, muito interessados na escola e na educação.”

Para a educadora, a tarefa de casa quem tem são gestores públicos e professores: é preciso pensar a educação a partir do protagonismo dos jovens. “Eles não vão aceitar retornar para a mesma escola. A mudança reivindicada não é mais apenas estrutural – não é mais suficiente fornecer merenda e reformar a escola –, a mudança agora é subjetiva”, afirma.

Governos negociam

O esforço empreendido pelos estudantes secundaristas surtiu efeito: em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin viu sua popularidade cair e o secretário estadual de Educação, Herman Voolward, pediu para sair do cargo após a suspensão da reorganização escolar.

Em Goiás, o governo adiou o projeto de transferir a gestão das escolas para organizações sociais.

No Ceará, um pacote de investimentos foi anunciado em resposta a parte das reivindicações dos estudantes e, no Rio de Janeiro, um projeto de lei prevendo a eleição de diretores das escolas foi aprovado e o movimento “Ocupa” conseguiu uma reunião com a secretaria estadual de Educação.

No Paraná, em 2015, o governador Beto Richa desistiu de fechar escolas. A ideia do estado era economizar o valor gasto com o aluguel dos imóveis.

Motivos e nova política

A mobilização secundarista não é exatamente recente – já acontecia em grêmios, congressos e no apoio às pautas dos professores. No entanto, as ocupações se tornaram símbolo porque lançam mão de um jeito não tradicional de fazer política, sem ligação direta com partidos e por meio da criação de espaços de ação e discurso político onde antes não existia.

Além disso, a ocupação do espaço público fez surgir outras pautas: o que antes era indignação pelo fechamento de escolas, transformou-se em crítica a uma série de limitações estruturais, pedagógicas e orçamentárias que, segundo os estudantes, precariza o ensino público. Por isso, o movimento se pulverizou por outros estados além de São Paulo.

Hermes Leão, presidente da APP Sindicato, entidade representante dos professores estaduais do Paraná, avalia o movimento de estudantes secundaristas de vários estados como uma resposta a um longo período de denúncias que já vinham sendo feitas pelos professores: corpo docente deficiente; infraestrutura precária e, mais recentemente, a proposta de projetos de lei que proíbem opiniões em sala de aula.

“Acredito que se chegou a um limite quando o fechamento de escolas foi anunciado. Fechar escolas é a linha divisória.” A ameaça aos locais de ensino, acrescenta, fez surgir uma relação afetiva com esses espaços. “A compreensão sobre a escola foi sendo construída. Se antes a ausência de professores era comemorada, agora é razão para protesto. Greve não é mais vista como férias. Os alunos estão atentos.”

A ampliação do acesso à universidade verificada nos últimos anos também é apontada por Hermes como determinante do envolvimento dos jovens estudantes com a escola. “Hoje eles sabem que têm chance de entrar na universidade e que o caminho possível para acessá-la é a escola.”

Colégio no Paraná é ocupado por estudantes por falta de merenda

No Paraná, cerca de 120 estudantes secundaristas ocuparam nesta quarta-feira (18) o Colégio Estadual Gerardo Braga, o mais antigo de Maringá, no Noroeste do estado. De acordo com a União Paranaense dos Estudantes Secundaristas (Upes), os alunos decidiram ocupar o prédio para denunciar a precariedade da alimentação oferecida na rede estadual.

“Há mais de 30 dias as escolas estão praticamente sem receber merenda. Na última semana, o governo distribuiu um pouco de merenda, mas não recebemos saladas, legumes nem feijão”, explicou Matheus dos Santos, presidente da Upes.

Leia também: O que os estudantes secundaristas podem ensinar sobre política

Após a ocupação, os estudantes se reuniram com a direção do colégio, com a Polícia Militar e com o Núcleo Regional de Educação de Maringá. Segundo Santos, a ação foi considerada legítima. Agora, os secundaristas aguardam um posicionamento da Secretaria de Estado da Educação (Seed).

A desocupação da escola não tem data prevista e, segundo a Upes, está condicionada à implantação de uma “CPI da Merenda” para investigar possíveis desvios na compra e distribuição da merenda escolar, a exemplo do que acontece em São Paulo. Os estudantes também querem impulsionar a Operação Quadro Negro, que investiga o desvio de verba destinada a obras em escolas estaduais no Paraná.

Segundo a Seed, as escolas de Maringá e região já haviam recebido as remessas de alimentos não-perecíveis e de congelados e que, a partir do fim do mês, deve começar a chegar mais um lote e também os produtos da Agricultura Familiar, cuja entrega estava atrasada por causa da licitação.

Em relação à ocupação, a pasta informou ter registrado boletim de ocorrência e acionado o Ministério Público do Paraná e o Conselho Tutelar – medidas de praxe tanto porque envolvem adolescentes como porque o local ocupado é um prédio público.

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