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Filhos de famílias desestruturadas tendem a deixar a escola e a se envolver em crimes
| Foto: Reprodução / Unsplash

O assassinato da jovem Ingrid Oliveira Bueno da Silva, conhecida como “Sol” no mundo dos jogos eletrônicos, chocou mesmo um país acostumado à violência como o Brasil. O autor do crime foi um rapaz de 18 anos: Guilherme Costa, que deixou um longo texto tentando justificar o crime. Um dos trechos da confusa carta se queixa: “Algo que eu tenho ódio é um pai fazer um filho, e depois simplesmente abandoná-lo.” Há sinais de que Costa têm distúrbios psiquiátricos, e a Justiça pediu que ele seja submetido a um exame de insanidade mental. Mas algo o une a boa parte dos demais criminosos brasileiros: a ausência da figura paterna.

São muitas as evidências de que a desestruturação familiar aumenta a incidência de crimes. Um estudo feito pelo Ministério Público de São Paulo em 2018, por exemplo, concluiu que apenas 17% dos adolescentes autores de atos infracionais internados na Fundação Casa moravam com ambos os pais antes de serem colocados nas instituições em que cumpriram medidas socioeducativas. Aproximadamente 14% dos jovens internados viviam com a mãe e o padrasto.

Na grande maioria dos casos, portanto, não havia referência masculina estável. Em 2006, ao fazer uma análise semelhante, uma tese de doutorado da Universidade de São Paulo concluiu que apenas 30% dos adolescentes que cometeram atos infracionais foram criados pelos pais. “Fica evidenciado que a ausência paterna tem potencial para gerar conflitos no desenvolvimento psicológico da criança”, concluíram dois psiquiatras do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, em um estudo que compilou as conclusões de outros artigos sobre o tema.

Fora do Brasil, estudiosos do assunto identificaram a mesma correlação: uma revisão de 47 estudos, publicada em 2014 e feita por professores das universidades de Princeton, Cornell e Berkeley, concluiu: “Nós encontramos forte evidência de que a ausência paterna afeta negativamente o desenvolvimento socioemocional das crianças”. Segundo os pesquisadores, “os efeitos sobre o desenvolvimento socioemocional continuam na adolescência”, com “forte evidência de que a ausência paterna aumenta o comportamento de risco em adolescentes.”

“A ausência paterna apresentou efeitos intensos e significativos na variação das taxas de violências masculina e feminina independentemente do contexto do ambiente”, afirmou outro estudo, feito por uma pesquisadora da Universidade do Estado da Pensilvânia e financiado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos. A pesquisadora atestou que os efeitos da desestruturação familiar oscilam pouco com a situação socioeconômica. Ou seja: mesmo entre as famílias com renda mais alta, o efeito da ausência paterna é perceptível.

Esse fenômeno é observado na prática por quem lida diretamente com o crime. O major Olavo Mendonça, da Polícia Militar do Distrito Federal, diz que essa correlação “é um fato constatado dentro da criminologia.” “A restauração da sociedade começa principalmente pela base familiar, e isso vai gerar um reflexo direto nos índices criminais. Seria muito importante que as políticas públicas valorizassem e amparassem a família para mantê-la estruturada”, afirma Mendonça.

Ambiente doméstico deixa marcas duradouras nos filhos

Não necessariamente a ausência paterna gera um caminho direto para a criminalidade. Mas é comum que esse elemento gere um efeito-cascata: sem o pai, o garoto fica mais suscetível às más-influências de amigos, tende a deixar a escola mais cedo e entra numa espiral que pode levá-lo a entrar no mundo do crime.

Especialista em políticas de família, Lígia Badauy afirma que os efeitos do ambiente doméstico são duradouros. “O impacto da ausência da figura paterna é real, porque o comportamento humano é todo aprendido. Quando há a desestruturação da família há irritabilidade, violência. E a criança tende a reproduzir esse comportamento mais agressivo”, explica.

Apesar da dimensão do problema, o tema ainda aparece de forma tímida nas políticas públicas. De um lado, grupos mais à esquerda atribuem uma causa puramente econômica ao crime, culpando a desigualdade social. De outro, por vezes a ênfase não ultrapassa a necessária, mas insuficiente, intervenção das forças policiais para combater o crime.

Atualmente, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos mantém o programa Família Fortes, que propõe o diálogo mediado entre os membros de uma mesma família. “Além do Famílias Fortes, que é provavelmente o programa de prevenção de comportamentos de risco a partir do fortalecimento dos vínculos familiares mais difundido e bem avaliado em todo o mundo, a Secretaria Nacional da Família instituiu o Programa de Equilíbrio Trabalho-Família e está trabalhando em outros dois projetos focados na promoção dos vínculos familiares: o Reconecte e o Família na Escola”, explica Marcelo Couto Dias, diretor de Formação, Desenvolvimento e Fortalecimento da Família do Ministério.

Mas, para Lígia Badauy, ainda não é suficiente: para ela, nos últimos anos, o assunto ganhou espaço no debate público, mas diz que ainda faltam políticas de Estado para o tema. “É um tema que está sempre na agenda. Mas, no final das contas, o que é proposto de ação concreta e eficaz é muito pouco. Faltam políticas públicas que trabalhem a questão a fundo”, afirma.

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