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Respostas comentadas do simuladinho de Matemática| Foto:

Araucárias sobrevivem nas roças

Nos últimos 30 anos, as colheitadeiras paranaenses têm passado a lâmina nos campos, mas também nos faxinais, uma forma de organização tão típica quanto a gralha azul, as araucárias e as Sete Quedas de Guaíra – para bons entendedores. Em miúdos, a morte e vida severina dos faxinalenses se deve à própria estrutura agrária do estado: o Paraná que se tornou um entusiasta da mecanização e mercantilização da lavoura.

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O que você precisa saber

- Pelo decreto estadual 3446/97, faxinais se tornaram legalmente Áreas Especiais de Uso Regulamentado (Aresur). O documento entende se tratarem de zonas rurais em que se faz uso coletivo da terra para produção animal e conservação ambiental.

- O governo federal criou, em 2004, a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais. Estima-se que as comunidades tradicionais ocupem um quarto do território brasileiro, mas os grupos – sejam indígenas, faxinalenses ou quilombolas – padecem de pouca visibilidade.

- A reivindicação dos faxinalenses é que as comunidades sejam reconhecidas como patrimônio cultural imaterial do estado, ampliando os reconhecimentos anteriores – como Aresur e comunidade tradicional. Para tanto, pede-se que sejam desenvolvidas políticas públicas adequadas, conforme projeto de lei da bancada do PT, capitaneado pelo deputado estadual Pedro Ivo (PT-PR).

Para saber o que significa a palavra faxinal, basta vasculhar o arquivo de memória. Em alguma lembrança descansa um campo com animais pastando e uma leva de gente na lavoura. Ao fundo – um vale e nenhuma cerca à vista. Eis um legítimo faxinal. Quem nunca visitou algo parecido, certamente já se deparou com cenário semelhante numa matinê. A ficção se alimenta de locais como esse – são ideais para narrar o encontro entre a civilização e a selva.

Pelo andar da carruagem, porém, modestas fazendas comunitárias, onde se trabalha em regime de mutirão, tendem a desaparecer na poeira da História. Os números não mentem. Estima-se que o Paraná já teve um quinto de sua área – o equivalente a 39,8 mil Km2 – dominada por faxinais. É a mesma medida de um país como a Holanda (41,5 mil Km2). Hoje, com base em dados do coletivo de agricultores Articulação Puxirão, apenas 0,13% do estado ainda conserva esse tipo de ocupação. Os dados são imprecisos, mas o suficiente para revelar que se assiste ao desaparecimento de uma cultura. Merecia um apitaço.

O governo reconhece pelo decreto estadual 3.446/97 a existência de 19 comunidades, às quais estende os benefícios das Áreas de Proteção Ambiental (APAs). Os faxinalenses relativizam o levantamento, pois calculam existir pelo menos 50 faxinais – a maioria à mercê do agronegócio, que invade com soja, eucalipto, fumo e pínus os criadouros dos roceiros. É preciso agir rápido – insistem.

A cada ano, três ou quatro comunidades que fazem uso social da terra simplesmente viram conto da carochinha. Calcula-se que cerca de 150 faxinais sumiram do mapa apenas na última década, devorados por uma prática predatória que pode ter colocado na rua da amargura nada menos do que 10 mil faxinalenses – parte deles hoje hospedada em favelas das regiões metropolitanas.

"As políticas atuais são genéricas, não atendem à especificidade de um faxinal. Sem uma linha mais agressiva, o agronegócio vai continuar a invadir as roças e perpeturar o deslocamento: 70% dos faxinalenses estão fora de seu território, o que é uma violência. Os faxinalenses têm uma existência coletiva", argumenta o pesquisador Roberto Martins, para quem os faxinais deveriam virar uma reserva legal. "Do contrário, vão continuar sendo vistos como um resíduo e seu desaparecimento encarado como um processo natural."

Conta de menos

O que acontece é simples de entender. Com poucos ganhos na agricultura de subsistência e levando cantada o tempo todo dos grandes produtores, muitos faxinalenses vendem suas propriedades para grupos que não comungam com aquela que é a maior originalidade de um faxinal – cada um é dono de seu pedaço, mas o trabalho, o plantio e a colheita são feitos em comum. O primeiro sinal de que alguma coisa está fora de ordem é a porteira dividindo propriedades. "A mudança dos costumes é um dos nossos problemas. É por aí que o faxinal começa a desaparecer", decreta o faxinalense Hamílton da Silva, líder do Articulação Puxirão.

O conflito entre recém-chegados ao mundo agrário e campesinos de tradição se torna inevitável. Com desvantagem para o segundo. Novamente, os números não mentem. Restaram cerca de 3,5 mil famílias nos extra-oficiais 50 faxinais paranaenses – o equivalente a 15 mil pessoas – espremidas em 26 mil hectares. "Espremidas" é a palavra. Faxinais atualmente mais se parecem a quitinetes na roça. Dividindo área por número de cabeças, é como se cada faxinalense do Paraná tivesse menos de dois campinhos de futebol para plantar e colher, área cinco vezes menor do que as que o Incra repassa para uma família assentada.

É aí que mora o perigo: além de um conflito agrário e de um genocídio cultural, o drama faxinalense é um atentado aos direitos humanos. O agravante é que os participantes do movimento não sabem muito bem como se defender. Afinal, desde o final do século 19, eles fazem tudo sempre igual: agricultura do dia-a-dia, para consumo familiar e uns vinténs no final do mês. É um modelo pé-no-chão. Agora, literalmente.

Segundo o faxinalenses Ricardo Perek, 35 anos, morador do faxinal Marmeleiro de Cima, em Rebouças – Centro-Sul do estado – ali, 40 famílias dividem 25 alqueires, sendo a maioria arrendatária. É um exemplo – exemplo de penúria. "Só podemos mudar isso se os novos compradores entenderem que o uso é comum. A gente toca no assunto e muitos dos nossos sofrem ameaças", comenta, sobre as 15 lideranças faxinalenses às voltas com perseguição.

Num faxinal da região metropolitana, o Salso, em Quitandinha, a situação parece mais confortável – são 35 famílias em 250 alqueires. Mas já há 12 não-faxinalenses na área, alterando costumes que muitos calculam beirar 200 anos. À primeira vista, é uma vila rural, cujo cartão-de-visitas é um soberbo pinheiro de 32 metros de altura. Mas, logo se nota a placa exposta num dos caminhos de vaca: "Propriedade particular".

O fio desencapado em que se tornou o Salso fez com que um ex-morador, Ivan Colaço Santos, 36 anos, voltasse de um exílio de 15 anos para a casa da família. Ali, tenta fazer o que uma dezena de outras lideranças paranaenses leva uma suadeira para conseguir: convencer a população de que ainda dá tempo de frear o desaparecimento dos faxinais. Vai bem. Das 35 famílias da comunidade, apenas três não aderiram ao estatuto do Salso, cujas palavras de ordem são a afirmação do puxirão – ou mutirão – como um legado à sociedade.

"O problema é a falta de recursos", comenta Ivan. As famílias vivem apertadas com R$ 200 mensais, quando as empreitadas em terra alheia – e cercada – podem render até R$ 380. Tem quem não resista e se mande com a enxada para as infames plantações de pínus – a poucos quilômetros do verdíssimo Salso – onde ventos terríveis fazem a curva e varrem do mapa os faxinais.

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