Funerária realiza trabalho em Curitiba: rodízio foi instituído em 1987 e o Serviço Funerário Municipal passou a distribuir os serviços de maneira equitativa, mediante sorteio| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

"Quer a funerária tal, vai e pega"

A reportagem da Gazeta do Povo esteve há duas semanas no Cemitério Jardim da Saudade, no bairro Portão. Lá, informou que queria alugar uma capela no local, mas que o corpo seria enterrado no Rio de Janeiro. A funcionária do cemitério perguntou se a família já havia contratado uma funerária. Disse então que disponibilizaria um "assistente social". Pelo telefone, o agente orienta a procurar uma pessoa chamada Maurício, na Central de Luto, que reúne sete empresas funerárias.

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Funcionário do IML aciona agente funerário

Um dia depois de ser alvo de uma tentativa de agenciamento por um funcionário da Central de Luto, a reportagem da Gazeta do Povo esteve no Instituto Médico Legal (IML) de Curitiba. Lá, disse que precisava saber a qual órgão se dirigir para enviar um corpo a Maringá, no Norte do estado. O funcionário de plantão no IML fez algumas perguntas: onde estava o corpo, se a família já estava com atestado de óbito e se alguma funerária já havia sido contratada. Diante da negativa, fez uma ligação e passou o telefone. O agente fez as mesmas perguntas e disse que passaria no Instituto em poucos minutos.

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Empresas vão à Justiça contra o "controle"

Duas funerárias de Curitiba estão lutando na Justiça para tentar derrubar as Ordens de Serviço assinadas pelo ex-diretor do Departamento de Serviços Especiais da prefeitura de Curitiba, Walmor Trentini, que liberaram as funerárias da capital da obrigatoriedade de passar pelo sorteio para realizar funerais fora da cidade. As funerárias Müller e Bom Jesus também pedem o fim da modalidade conhecida como "vez forçada" e querem o ressarcimento de valores referentes aos últimos quatro anos, quando outras empresas fizeram um número maior de serviços na modalidade chamada "controle".

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Uma prática que havia sumido há quase duas décadas vem sendo novamente observada em hospitais, cemitérios e até no Instituto Médico Legal (IML) de Curitiba: o agenciamento de serviços funerários. Banidas em 1987, por um decreto que instituiu um rodízio entre as 21 funerárias da capital, as disputas por serviços de sepultamento e a abordagem a familiares voltaram a ser comuns na capital, devido a brigas judiciais e a decisões internas do Departamento de Serviços Especiais da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, a quem está subordinada a Divisão de Serviço Funerário.

Nas últimas duas semanas, a reportagem da Gazeta do Povo percorreu cemitérios, hospitais e o IML da capital. Foi alvo de duas tentativas de agenciamento, no Cemitério Jardim da Saudade, no bairro Portão, e no IML. Nos dois casos, os funcionários do cemitério e do IML telefonaram para um "agente", que busca familiares de falecidos e os leva até a funerária. Dentro da empresa, funcionários das funerárias disseram que não há necessidade de passar pelo Serviço Funerário Municipal da prefeitura de Curitiba quando o enterro é fora da capital. No caso de o enterro ser realizado na cidade, disseram que poderiam fazer o serviço usando a "vez forçada" – quando as empresas "pulam a vez" no rodízio.

Na sexta-feira da semana passada, depois que a reportagem entrou em contato com a assessoria da Secretaria de Estado da Segurança Pública, um dia antes, para questionar o agenciamento feito dentro do IML, o interventor do Instituto, o coronel da Polícia Militar Almir Porcides, afastou dois funcionários suspeitos de envolvimento com um esquema de corrupção com funerárias. Na quinta-feira, a assessoria havia informado que desde o início da intervenção no órgão, em fevereiro do ano passado, "as práticas ilegais vêm sendo descobertas e punidas."

Ainda segundo a assessoria, um inquérito aberto pelo Núcleo de Repressão contra Crimes Econômicos (Nurce), em abril do ano passado, vinha apurando o caso. Já ontem, o coordenador estadual do Nurce, delegado Robson Barreto, disse que hoje deverá instaurar inquérito para investigar a denúncia. O nome dos funcionários não será revelado até que fique comprovada a participação deles no esquema de corrupção.

Confusão

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O rodízio de funerárias foi instituído em 1987, por um decreto do então prefeito Roberto Requião. O Serviço Funerário Municipal passou a distribuir os serviços de maneira equitativa, mediante sorteio, entre as 21 empresas permissionárias da capital. Segundo funcionários de funerárias ouvidos pela reportagem, o sistema de rodízio funcionou a contento até 2005, sem disputas por corpos ou agenciamentos. Mas, em setembro daquele ano, o então diretor do Departamento de Serviços Especiais da prefeitura de Curitiba Walmor Trentini publicou a Ordem de Serviço 002/ 2005, que liberou as 21 funerárias da capital da obrigatoriedade de participarem do sistema de rodízio quando realizassem enterros fora da cidade. A medida foi ratificada em outra Ordem de Serviço, a 001/ 2006. A prefeitura alega que as Ordens de Serviços foram publicadas devido a ações movidas pela Associação das Empresas Funerárias da Região Metropolitana de Curitiba.

Agenciamento

Sem a obrigatoriedade de passar pelo rodízio para enterros realizados fora de Curitiba, funerárias da capital passaram a agenciar serviços em hospitais, cemitérios, no IML e em frente do Cemitério Municipal, a poucos metros da fiscalização da prefeitura. O resultado está em um levantamento interno da Divisão de Serviço Funerário da prefeitura de Curitiba. Os documentos foram anexados à ação movida pelas funerárias Müller e Bom Jesus, que se sentiram prejudicadas pelas duas Ordens de Serviço assinadas por Walmor Trentini.

O agenciamento pode ser visto por quem passa a qualquer hora na frente do Cemitério Municipal. Na Rua João Manoel, agentes da Central de Luto e da funerária Vaticano disputam serviços lado a lado. As funerárias que compõem a Central de Luto são: Zancan, Santa Felicidade, Stephan, Pinheirinho, Bonfim, Nossa Senhora Aparecida e Hescke.

A prática também pode ser presenciada dentro de hospitais, como relata o radialista José Augusto Soavinski. Em agosto de 2006, Soavinski foi abordado por um agente funerário dentro do hospital em que seu pai, de 73 anos, estava internado. "Chegou um rapaz de terno e gravata dizendo que estava acostumado a fazer isso. Mas meu pai estava vivo", relata. Soavinski processou a funerária.

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Na semana passada, a funcionária de uma corretora de seguros, Kelly Ogoshi, 24 anos, passou por um constrangimento ao procurar um serviço funerário para seu sogro, que havia falecido. Ao fazer um orçamento na Central de Luto, ela ficou sabendo que o serviço custaria R$ 3,3 mil. Logo depois, um empresa de planos funerais baixou o valor para R$ 2,8 mil. Ela acabou entrando no rodízio da prefeitura e foi parar em outra funerária. "Acabei pagando R$ 1,7 mil pelo mesmo serviço", conta.