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Mesmo já verticalizada, São Paulo poderia se beneficiar de um maior adensamento | Henry Milleo/ Gazeta do Povo
Mesmo já verticalizada, São Paulo poderia se beneficiar de um maior adensamento| Foto: Henry Milleo/ Gazeta do Povo

Um bom planejamento urbano pode salvar vidas. Literalmente. Pesquisadores de dez universidades ao redor do mundo criaram um modelo matemático para estimar quantos anos de vida a população ganharia em cidades com um bom planejamento urbano e transporte público. Em São Paulo, seriam 420 anos a mais para cada 100 mil habitantes. Na mesma proporção, os habitantes de Boston, nos Estados Unidos, ganhariam 826 anos. A lógica é de que cidades mais compactas resultam em uma população mais ativa e, consequentemente, mais saudável. Publicado na revista Lancet, o artigo reúne pesquisadores de dez universidades ao redor do mundo.

O estudo comparou dados semelhantes em seis cidades ao redor do mundo. Além de São Paulo e Boston, foram analisadas Melbourne (Austrália), Nova Déli (Índia), Londres (Inglaterra) e Copenhagem (Dinamarca). O modelo estima os ganhos em saúde para a população se as cidades fossem mais compactas.

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Em números, seria 30% a mais em densidade (pessoas morando mais próximas); a distância média até transporte público, 30% menor; a diversidade de uso do sol, o 30% maior; e o número de pessoas que andam a pé ou de bicicleta poderia ser 10% maior.

Morando mais próximas, as pessoas tendem a caminhar mais e a andar mais de bicicleta, já que as distâncias “encurtam”. Uma cidade mais diversa também ajuda a resolver coisas a pé, já que a tendência é ter mais comércios e serviços próximos às casas e ao trabalho das pessoas. Isso tudo gera um aumento na prática de atividade física que pode chegar a 72,1% em Melbourne e a 55,7% em Boston.

Em São Paulo, o aumento de exercícios seria de 24,1%. Em Déli, de 18,5%. Índice alto, mas um pouco inferior ao das demais. Em parte porque as representantes do mundo em desenvolvimento são justamente as menos motorizadas entre as seis analisadas. Em um cálculo que leva em conta o total de quilômetros rodados, o carro representa pouco menos de um terço das viagens feitas em São Paulo. Na cidade indiana, é apenas um quinto. Em todas as outras cidades analisadas o automóvel representa mais da metade das viagens e chega a 85% em Melbourne.

“De fato os ganhos [em saúde] em São Paulo e Déli são proporcionalmente menores. São cidades com nível de atividade física maior, não é tão motorizado, e você ainda tem um contingente grande de pessoas que utilizam a força física para viver”, explica o pesquisador brasileiro Thiago Hérick de Sá, que integrou o estudo pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da Universidade de São Paulo (USP).

Outra mudança importante ocorre na emissão de poluentes. A quantidade de material particulado emitida pelos meios de transporte poderia reduzir 4,9% em São Paulo. A redução passa da casa dos 10% em Melbourne, Boston, Londres e Copenhagem. São partículas nocivas à saúde, que aumentam a incidência de diabetes tipo dois, doenças respiratórias e cardiovasculares. Além de afetar o meio ambiente (dados recentes indicam que o setor de transportes triplicou sua a emissão de gases do efeito estufa, nas últimas duas décadas, no Brasil).

O cálculo de “anos perdidos” é uma soma disso tudo. O Daly (do inglês “Disability-adjusted life-years”) é uma métrica que estima o tempo que a população perdeu porque morreu antes do que era esperado ou se incapacitou de alguma forma. Entra na conta tanto quem morre por uma doença cardiorrespiratória que seria evitável, com menos poluição, quanto um aposentado precoce por acidente de trânsito.

A conta mostra que a compactação das cidades é necessária tanto para aumentar a qualidade como a estimativa de vida das pessoas. Um bom planejamento urbano pode inclusive economizar dinheiro ao sistema de saúde.

Riscos

Mas a compactação também tem seus riscos. “Principalmente nos anos iniciais, quando tem mais gente na rua, mas ainda tem uma quantidade importante de carros” há riscos, explica Hérick de Sá.

Um dos principais são os acidentes de trânsito. Eles podem ser ainda mais graves se houver um aumento no número de pedestres e ciclistas sem que o investimento em infraestrutura acompanhe. A estrutura urbana faz diferença a ponto de um ciclista ter 43 vezes mais chance de morrer atropelado em São Paulo do que em Copenhagem.

Mesmo os recentes investimentos em ciclofaixas não são suficientes. “Do ponto de vista do que tinha antes é revolucionário. Mas é muito tímido perto do que precisa”, explica Thiago Hérick de Sá, que também é pesquisador convidado da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Ele faz questão de criticar a postura do prefeito eleito, João Dória (PSDB), que “vai na contramão do espírito do tempo, do que grandes cidades do mundo estão fazendo” ao apontar para a retirada de ciclofaixas e para o aumento na velocidade máxima das vias, defende.

Aplicabilidade

Mais do que fazer uma exercício de futurologia, o estudo pretende nortear o desenvolvimento das cidades nas próximas décadas. Principalmente porque a tendência mundial é de um avanço ainda maior da urbanização, com cada vez mais gente morando em cidades cada vez maiores. Daí a importância de pensar desde já se estas pessoas vão morar espraiadas ou compactadas.

“A gente não pode se dar ao luxo de errar. Se errar agora, nos próximos quatro anos, a população vai sofrer pelos próximos 30. Temos três problemas enormes [compactar, diversificar e mudar o transporte das cidades] e precisamos encontrar soluções para atacar todos mesmo tempo, porque o recurso é finito”, explica Hérick de Sá.

Uma vantagem do estudo é que o modelo matemático está pronto, e para aplicá-lo a outras cidades basta reunir as variáveis. E um instrumento que pode ser usado, por exemplo, por cidades que vão atualizar seus planos diretores, e que querem estimar o impacto de uma maior densificação.

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