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Indígenas protestam na Esplanada dos Ministérios com o Congresso ao fundo: índios não são inimputáveis como o senso comum prega e podem ser responsabilizados por crimes.| Foto: Lula Marques/PT na Câmara

O indígena José Acácio Serere Xavante teve a prisão temporária decretada na última segunda-feira (12), depois que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes acolheu um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). A prisão do indígena desencadeou atos de vandalismo e uma tentativa de invasão da sede da Polícia Federal, em Brasília, por supostos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) - representantes da direita atribuem a violência a infiltrados de esquerda vestidos de verde e amarelo para tentar criminalizar os movimentos em frente aos quartéis.

Acusado dos crimes de ameaça, perseguição e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, Serere Xavante é um dos manifestantes que protestam contra a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Como o processo contra o índio é sigiloso, não se sabe se existem provas concretas contra ele ou se a decisão da detenção tem o mesmo teor de medidas arbitrárias de Moraes ao prender empresários que deram sua opinião em grupo de WhatsApp ou estão em frente aos quartéis.

“Segundo a PGR, Serere Xavante vem se utilizando da sua posição de cacique para arregimentar indígenas e não indígenas para cometer crimes, mediante ameaça de agressão e perseguição do presidente eleito e de ministros do STF”, informou o Supremo, em nota. “A prisão se fundamentou na necessidade de garantia da ordem pública, diante da suposta prática dos crimes de ameaça, perseguição e abolição violenta do Estado Democrático de Direito”. A ordem de prisão foi cumprida pela Polícia Federal na noite de segunda.

Outro questionamento (sem resposta enquanto o processo continuar em segredo) é se Moraes seria o juiz natural previsto na Constituição para julgar o índio - aparentemente não, já que o índio não tem foro privilegiado e os inquéritos abertos no STF, teoricamente, não teriam essa abrangência. Sem contar que, normalmente, índios não têm sido presos quando invadem prédios públicos para defender bandeiras de esquerda.

Mas, independemente desses fatos, indígenas podem ser presos? Segundo a legislação, a resposta é sim. O Estatuto do Índio, de 1973, afirma no artigo 56 que “no caso de condenação de índio por infração penal, a pena deverá ser atenuada e na sua aplicação o Juiz atenderá também ao grau de integração do silvícola”. E acrescenta: “As penas de reclusão e de detenção serão cumpridas, se possível, em regime especial de semiliberdade, no local de funcionamento do órgão federal de assistência aos índios mais próximos da habitação do condenado”.

A lei também autoriza, no artigo seguinte, que as próprias tribos estabeleçam punições a seus integrantes, “desde que não revistam caráter cruel ou infamante, proibida em qualquer caso a pena de morte”.

O estatuto dialoga com a Constituição de 1988, como explica Alessandro Chiarottino, professor de Direito Constitucional. “A Constituição coloca os indígenas não mais na situação de serem tutelados e declara que o índio é capaz de adquirir direitos na vida civil. Por isso, para o nosso Direito Penal, em princípio, o indígena não é inimputável, ainda que o juiz deva prestar atenção a seu grau de aculturação”.

No caso de Xavante, analisa Chiarottino, “o fato de que ele estava longe da tribo, circulando por ambiente urbano com desenvoltura, indica que ele estava ciente de seus atos e deve responder por eles”.

42% dos indígenas vivem em ambiente urbano

De acordo com dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 42,3% dos indígenas viviam em ambientes urbanos, o equivalente a quase 380 mil pessoas. Estes respondem ao Código Penal caso cometam crimes.

Os demais podem estar isolados, com contatos apenas esporádicos com a sociedade, ou estar em vias de integração, um estado que o Estatuto do Índio descreve da seguinte forma: “Quando, em contato intermitente ou permanente com grupos estranhos, conservem menor ou maior parte das condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas práticas e modos de existência comuns aos demais setores da comunhão nacional, da qual vão necessitando cada vez mais para o próprio sustento”.

É nessas situações que a pena pode ser atenuada, de acordo com a interpretação do juiz responsável pelo caso – que, se sentir necessidade, pode solicitar o apoio de sociólogos, antropólogos ou psicólogos. “O magistrado pode até mesmo decidir por não aplicar uma pena, caso considere que aquele cidadão não tinha como conhecer o caráter ilícito do fato que cometeu”, avalia o professor Chiarottino.

Outra opção é condenar o acusado, mas solicitar que ele seja mantido em regime especial de semi-liberdade, na sede da Fundação Nacional do Índio (Funai) mais próxima de onde o condenado vive.

Caso um indígena já tenha sido condenado por sua tribo, o Estado não pode mais puni-lo, segundo um entendimento do Tribunal de Justiça de Roraima, que em 2016 solicitou apoio da Advocacia-Geral da União para o caso de um homicídio praticado por um indígena contra outro de uma tribo vizinha, na reserva Raposa Serra da Lua.

Neste caso específico, o homicida foi condenado por seus pares a se ausentar de sua comunidade por cinco anos, além de construir uma casa para a esposa da vítima. “Essa decisão é coerente com o teor da legislação brasileira”, opinou Chiarottino.

Serere Xavante foi preso em 2008 por tráfico de drogas

A prisão do indígena José Acácio Serere Xavante é temporária por dez dias. Ele passou por uma audiência de custódia nesta terça-feira e foi transferido para o Complexo Penitenciário da Papuda.

O indígena tem nos seus antecedentes uma condenação por tráfico de drogas. Ele foi preso por policiais civis, em 2007, portando cocaína e sentenciado a quatro anos e oitos meses de prisão em regime fechado pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso.

Em abril de 2009, a defesa de Serere Xavante recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, que decidiu tirá-lo do regime fechado com base no Estatuto do Índio.

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