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“Censura”: Humoristas contestam decisão judicial que proibiu show e piadas de Léo Lins
Decisão de juíza de Sâo Paulo derrubou especial de comédia de Léo Lins, que somava 3,3 milhões de acessos, e impôs censura prévia, proibindo novas piadas| Foto: Reprodução

Horas após um especial de comédia do humorista Léo Lins ser derrubado por ordem judicial, alguns dos principais comediantes do país, de diferentes alinhamentos políticos, posicionaram-se publicamente contra a censura e apontaram graves riscos da decisão à atividade humorística e à liberdade de expressão.

Léo Lins foi obrigado a apagar do YouTube, na tarde desta terça-feira (16), um especial de comédia que havia sido publicado no final de 2022 e contava com 3,3 milhões de acessos. Na decisão, a juíza Gina Fonseca Correa também ordenou que o humorista apagasse todos os vídeos, imagens e textos que contivessem “conteúdo depreciativo ou humilhante” em relação a “qualquer categoria considerada como minoria ou vulnerável” sob pena de R$ 10 mil diários por descumprimento.

A magistrada impôs, ainda, censura prévia ao proibir o humorista de fazer qualquer tipo de piada contra grupos considerados minoritários ou vulneráveis em seus shows, com o mesmo valor de multa por descumprimento a cada evento ocorrido.

Veja abaixo algumas manifestações de comediantes contrários à medida:

“Esse é o maior absurdo que eu vejo na comédia desde que o CQC [programa de televisão que fazia cobertura crítico e humorística da política em Brasília] foi impedido de entrar no Congresso e da proibição de piadas com políticos.
Oscar Filho - Humorista e ex-integrante do CQC

“Quem foi lá assistir ao Léo Lins [no show censurado] adorou. Riram muito. Quem não gostou das piadas são os que não foram. Pronto, assim que tem que ser. Ah, mas faz piada com minorias… E qual o problema legal? Nenhum. Dentro da lei pode-se fazer piada com tudo tudo tudo. Não gostar de uma piada não dá o direito de impedir ela de existir. Ainda mais previamente. Impedir o comediante de pensar uma piada é loucura. Não existe censura do bem”.
Fábio Porchat - Humorista, apresentador de TV e um dos criadores do canal Porta dos Fundos

“Um absurdo! Não cabe à Justiça – e nem a ninguém – aprovar ou censurar piadas alheias. Pode-se gostar, detestar ou criticar a comédia ou o comediante, mas piadas são só piadas. Piadas não matam mais que dramas, jornalismo, publicidade ou a realidade”.
Antonio Tabet - Humorista e um dos criadores do canal Porta dos Fundos

“Estamos em 2023 e mais uma vez os poderosos vencem. Só que nunca antes na história do Brasil a população esteve tão ao lado dos poderosos. Porque eles fazem todo um artifício para você endossar atitudes autoritárias achando que você está fazendo um bem para a noção”.
Mauricio Meireles - Comediante e ex-membro do CQC

“O que fizeram com o Léo Lins foi um absurdo. Tirar do ar o trabalho do cara que leva alegria para milhares de pessoas, inclusive minorias, é no mínimo autoritário. Arte é subjetiva. Isso é censura. Alguns comediantes são especialistas nessas piadas [de humor negro/ácido]. Não quer dizer que sejam nazistas, racistas, homofóbicos … apenas abordam esses assuntos, inclusive fazendo pensar”.
Fábio Rabin - Humorista

“Estamos vivendo tempos difíceis e perigosos para a comédia. Nesse caso do Léo Lins há justificativas muito superficiais para excluir um show que ele dedicou tempo, dinheiro e energia. São indícios de decisões de ditadores”.
Bruno Lambert - Humorista recentemente denunciado pela deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) por ter feito uma piada envolvendo uma mulher cadeirante

Outros comediantes de stand-up, como Thiago Ventura, Rogério Morgado, Murilo couto, Diego Serafim, Marcus Cirilo e Diogo Portugal também se manifestaram contra a censura a Léo Lins.

Decisão configura censura e inviabiliza atividade humorística, diz especialista

Na avaliação de André Marsiglia, advogado constitucionalista especializado em liberdades de expressão e de imprensa e membro da Comissão de Liberdade de Imprensa da OAB-SP, a decisão judicial é inteiramente censória. O jurista afirma que impedir o humorista de se manifestar futuramente, nos próximos shows, configura censura prévia, o que é vedado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por meio da ADPF 130.

“Qualquer restrição mínima ao exercício da liberdade de expressão precisa ser temporária, justificável e específica. No entanto, as vedações da decisão são genéricas e abstratas. Se cumpridas à risca, inviabilizam a atividade profissional do humorista. Ou seja, além de censurar sua expressão, também censura a liberdade de exercer sua atividade econômica”, explica Marsiglia. “Não há qualquer suporte constitucional para a decisão tal como lançada. É grave para todos que se expressam se não for revertida de imediato e com contundência pelo Tribunal”, reforça.

Entenda a decisão contra Léo Lins

A decisão da juíza atendeu a pedido do Ministério Público de São Paulo, que alegou que o comediante estaria “reproduzindo discursos e posicionamentos que hoje são repudiados”, ao mencionar em suas piadas temas como escravidão, perseguição religiosa, minorias e pessoas idosas e com deficiências.

No pedido apresentado à Justiça, o promotor do Ministério Público Richard Gantus Encinas chegou a mencionar urgência para uma ampla censura ao humorista. Para o promotor, seria “imprescindível a adoção de medidas eficazes para pôr fim a essas ações criminosas” a fim de que Léo Lins, segundo o promotor, “deixe de produzir e distribuir esse tipo de conteúdo em plataformas virtuais e redes sociais”, diz trecho da peça enviada à Justiça.

No pedido, Gantus mencionou, ainda, a chamada “lei antipiadas”, sancionada pelo presidente Lula (PT) em janeiro que, dentre outras medidas, enquadra como crime de racismo a contação de piadas sobre grupos que possam ser considerados minoritários. As novas regras preveem que a pena máxima para piadas com esses grupos seja maior do que para crimes como furto e sequestro.

Além da censura imposta ao humorista, na decisão judicial a magistrada também proibiu Léo Lins de deixar a cidade de São Paulo por mais de dez dias sem autorização judicial e ordenou que o comediante compareça mensalmente em juízo para informar e justificar suas atividades.

À reportagem, a defesa do humorista afirmou que a medida configura censura prévia e que recorrerá da decisão.

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