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Zeny Belmonte, 60 anos, e seus “sebosos”: rotina de produção de texto faz parte das tarefas diárias. Rascunhos são companheiros inseparáveis para organizar ideias | Hedeson Alves/Gazeta do Povo
Zeny Belmonte, 60 anos, e seus “sebosos”: rotina de produção de texto faz parte das tarefas diárias. Rascunhos são companheiros inseparáveis para organizar ideias| Foto: Hedeson Alves/Gazeta do Povo

Candidato rejuvenescido muda perfil

A análise do perfil dos 11.150 candidatos inscritos na 11.ª edição do concurso Talentos da Maturidade, promovido pelo Banco Santander, mostrou um participante rejuvenescido. A média de idade baixou, comparada aos primeiros anos do concurso. "Quando a premiação foi lançada, tínhamos concorrentes de 80 a 90 anos Hoje em dia, por causa do reconhecimento e do estímulo ao protagonismo através da arte e da produção intelectual, os participantes estão mais jovens. Fazem suas inscrições assim que completam os 60 anos", avalia a psicóloga e gerontóloga Laura Machado, consultora do banco e uma das mentoras do Talentos da Maturidade.

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Dança das sombras

É o terceiro dia que não vem. Deveria sentir-se aliviado por estar sozinho, comemorar a reconquista da liberdade ainda que provisória. A ausência torna-o mais presente ainda. Não consegue pensar em outra coisa a não ser nele. Nunca faltou uma tarde sequer. O que terá acontecido? Espia pela janela a todo instante. Já passam das duas. Costuma chegar antes, nunca depois. Isso significa que não virá hoje também.

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Zeny Belmonte e Darcy Mar­­chiavelli têm mais em comum do que os nomes rimados. Ela tem 60 anos e está comemorando o prêmio da categoria Lite­­ratura do concurso Talentos da Maturidade, promovido pelo Banco Santander. Ele, aos 81 anos, encontrou na produção de texto uma forma de superar a depressão da aposentadoria e da viuvez. Para ambos, escrever é meio de vida, ainda que de maneiras distintas.

A jornalista gaúcha mora em Curitiba há cerca de 30 anos. E há dois anos investiu pesado no aprimoramento de um talento desenvolvido ainda na juventude, quando se formou em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. "Sou muito observadora. Mas texto jornalístico é diferente de literatura. Quis aprender outros estilos", explica.

Nos últimos dois anos Zeny frequentou diversas oficinas de textos da Fundação Cultural de Curitiba. Resgatar o hábito de escrever e torná-lo parte da rotina como atividade produtiva foi uma forma de canalizar a energia em algo que lhe dava prazer. "Escrever ajudou a me encontrar. Pena que a atividade intelectual seja tão pouco incentivada, não só na terceira idade. Acaba sendo marginalizada, tida como algo de desocupados", diz.

O "ócio" criativo de Zeny rendeu muito mais frutos do que a satisfação pessoal de aperfeiçoar um talento. Assim que completou a idade mínima (60 anos), garantiu sua inscrição no concurso Talentos da Maturidade, promovido há 11 anos pelo Banco Santander, na categoria Literatura, a mais concorrida entre as modalidades artísticas, com 55% das mais de 11 mil inscrições neste ano (veja texto nesta página).

A notícia da classificação foi um presente de Natal antecipado para a escritora. "Estava numa fase de balanço de realizações do ano. Seria muito triste porque não tinha conquistado muitas coisas. Vencer o concurso foi um presente divino", conta. Zeny apostou alto: mandou um conto sobre assédio e pedofilia e conquistou os jurados, apesar do tema espinhoso.

O presidente do júri do concurso, o crítico literário Manuel da Costa Pinto, colunista da Folha de São Paulo, lembra que o material de Zeny chamou a atenção ainda na primeira peneirada dos trabalhos. "Ela tem um estilo que chama a atenção. Cria as situações de maneira elegante, que envolvem o leitor", explica.

A qualidade do texto de Zeny, no entanto, não surpreende Pinto, veterano na análise dos textos do concurso. "Escritores experientes chegam à maturidade por volta dos 60 anos, quando a experiência de vida e suas reflexões ajudam na produção. Surpreendente é começar a escrever com essa idade." E o concurso proporciona essa realização. "Os idosos têm a oportunidade de expor suas produções e submetê-las a julgamento. São dois passos corajosos", observa.

O aposentado Darcy Mar­­chiavelli também inscreveu seus escritos no concurso deste ano. Foi a segunda vez que ele participou, mas agora a tentativa teve um significado diferente. "Da primeira vez, minha esposa era viva, eu não valorizava nem me dedicava tanto à escrita. Agora, eu vejo a atividade como uma redenção", explica.

Há cinco anos, Darcy quase sucumbiu à depressão. A aposentadoria e a morte da esposa, com quem foi casado por 45 anos, o levaram a uma peregrinação por consultórios médicos. Recusou medicamento e internação em uma clínica de repouso e decidiu recuperar-se. Depois da insistência dos filhos e de amigos, aprendeu a usar o computador e dedicou-se a escrever. Estava com 76 anos. Colecionou 500 frases e pensamentos, tema do primeiro livro, publicado com recursos próprios. A partir de uma das sentenças sobre o envelhecimento, fez um livro sobre a experiência de vida acumulada entre as atividades de administrador de empresas, pai de família e esposo dedicado. "Escrever foi o meu remédio. Ocupei minha cabeça e meus pensamentos. Salvou a minha vida", diz. Hoje, 24 contos escritos depois, Darcy busca novos horizontes. Quer encontrar uma editora para publicar suas produções. E está empenhado na nova atividade produtiva.

A dedicação é tarefa comum aos escritores maduros. Darcy despende as tardes no computador. Pesquisa temas e martela o teclado todos os dias. E ensaia fazer cursos de aprimoramento da técnica. Zeny tem uma coleção de cadernos de rascunho, os quais chama carinhosamente de "sebosos". Anota suas ideias, as situações que chamaram sua atenção ou alguma observação que possa render um novo texto. Quer produzir uma peça de teatro e já começou um livro infantil. "É preciso técnica, imaginação e criatividade. Uma história maravilhosa pode perder o impacto se não for bem contada. Ou um fato corriqueiro acaba se transformando em uma linda história. Esse é o desafio."

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