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Jane tomou o antigripal de sempre, mas os sintomas só pioraram: descobriu, mais tarde, que estava com pneumonia | Henry Milleo/Gazeta do Povo
Jane tomou o antigripal de sempre, mas os sintomas só pioraram: descobriu, mais tarde, que estava com pneumonia| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

A automedicação ou o mau uso de remédios intoxica três pessoas por hora no Brasil. A cada ano, 27 mil brasileiros passam mal ao ingerir remédios de forma errada e, na média, 73 acabam morrendo. O país registrou 138.376 intoxicações e 365 mortes causadas por medicamentos entre 2008 e 2012, seja por acidente, tentativa de suicídio, uso terapêutico ou erro de administração.

18,4%

declararam consumir antibióticos, nos últimos 12 meses, sem antes consultar o médico. O controle de venda desses remédios é mais recente. A tendência é de que o consumo caia mediante controle, como vem ocorrendo com os medicamentos tarja preta.

Esses são os dados mais recentes do Sistema Nacional de Informações Tóxico Farmacológicas, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Os fármacos respondem por 27% das intoxicações, à frente dos agrotóxicos e animais peçonhentos, por exemplo. O cenário é preocupante, dado um mau hábito do brasileiro.

RANKING

As classes terapêuticas mais consumidas no Brasil são analgésicos (18%), anti-hipertensivos (15%), anticoncepcionais (7%), anti-inflamatórios (6%), vitaminas (6%), remédio para colesterol (5%) e antidepressivo (5%).

O uso indevido de remédios tornou-se um problema de saúde pública decorrente da medicação por conta própria. Sete entre dez brasileiros costumam ingerir remédios sem orientação médica, confiando antes na própria avaliação ou na opinião de parentes e amigos. Após entrevistar 1.480 pessoas em 12 capitais, o Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico (ICTQ) traçou o mapa da automedicação no país.

Em Salvador, 96% dos habitantes se automedicam. A menor taxa está em Belo Horizonte, com 35%. Curitiba tem um índice de 66%, pouco abaixo da média nacional (76,4%).

Um analgésico que custou o emprego

Era gripe, com certeza: febre e dores no corpo. Como estava em período de experiência no call center de um banco e não queria faltar ao trabalho, Jane Dornelas, 55 anos, tomou o antigripal de sempre. Não adiantou e os sintomas pioraram. Quando foi ao médico, descobriu que estava com pneumonia, e teve de ficar 11 dias de repouso. “Essa automedicação me custou um preço muito alto”, desabafa Jane, que acabou não sendo efetivada no emprego.

O mais alarmante é que, para potencializar os efeitos terapêuticos, 32% dos brasileiros declaram aumentar por conta própria a dose do medicamento prescrita pelo médico, odontólogo ou farmacêutico. A liderança desse ranking é de Curitiba, onde 65% dos habitantes aumentam a dose.

No grupo dos que tomam remédio por conta própria, 72% afirmaram confiar na indicação de medicamentos feita pela família, 42,4% acreditam na recomendação de amigos, 17,5% se fiam no conselho de colegas de trabalho ou estudo e 13,7% confiam na opinião de vizinhos (cada entrevistado podia indicar mais de uma opção). Apenas 23,6% declararam consumir medicamentos só quando prescrito pelo médico, odontólogo ou farmacêutico. Em Curitiba, esse índice é de 34%.

Risco

O estudo afirma ainda que 61,4% das pessoas que se automedicam estão conscientes sobre os riscos. Segundo os dados coletados pelo ICTQ, existe uma tendência de diminuição do consumo irregular de medicamentos controlados desde que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) passou a exigir a retenção da segunda via da receita dessa categoria de remédios.

Farmacêutico aponta causas da automedicação

Embora a automedicação não seja problema exclusivo do Brasil, três fatores contribuem para que os índices sejam mais altos no país, na avaliação do farmacêutico Dirceu Raposo de Mello.

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Nos últimos dois anos, houve redução de 60% no autoconsumo de remédios controlados pela Anvisa. Em 2014, apenas 8,2% declararam consumir medicamentos tarja preta ou tarja vermelha – aqueles com retenção de receita – sem consultar o médico. Em 2012, este índice era de 20%.

Costume dos pais põe crianças em perigo

Crianças são parte significativa das vítimas da automedicação, não por vontade própria. Presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná, o pediatra Maurício Marcondes Ribas trabalha no Hospital Evangélico, em Curitiba, e com frequência se depara com uma intoxicação do gênero. A causa nem sempre é o remédio ao alcance dos pequenos. Muitas vezes a razão é um hábito de quem pensa estar fazendo o bem para o filho, quando na verdade está fazendo mal.

Ribas adverte que não há medicamento que não tenha algum potencial efeito colateral. E quanto mais imaturo for o organismo, pior pode ser a automedicação. A literatura médica recomenda não medicar alguém com febre abaixo de 38,5 °C, muito menos criança. Não é o que acontece. Ao notarem o filho um pouco febril, muitos pais dão por conta própria algumas gotas de antitérmico para ele dormir melhor.

Gotinhas do mal

Ao deduzir que meia dúzia de gotinhas não farão mal, os pais desconhecem que esse tipo de medicamento pode reduzir a produção de células de defesa para infecções ou causar reações alérgicas, para citar apenas dois exemplos. Cada pessoa responde de maneira diferente a determinado medicamento e, dependendo da dose, no caso do paracetamol ele pode afetar, por exemplo, as funções hepáticas.

Segundo Ribas, é comum o quadro se agravar quando a criança tem vários cuidadores, já que nem sempre o pai, a mãe ou os avós podem ficar o tempo todo com ela. Quando está febril, ela pode ficar parte do tempo com a mãe, outra hora com o pai, ou com o avô ou a avó. Um deles dá uma aspirina, outro dá um paracetamol, outro oferece um AAS. Quando alguém se dá conta – se uma hora alguém se der conta –, a criança já tomou muito mais remédio do que deveria. (MK)

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