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Geisy e o vestido da intolerância: ameaça de agressão por parte dos colegas | FolhaImagem
Geisy e o vestido da intolerância: ameaça de agressão por parte dos colegas| Foto: FolhaImagem

Na medida

A roupa certa para cada ocasião

"Uma mulher de bom gosto e educação sabe escolher a roupa adequada para a hora e o local em que se encontra". A frase foi eleita, por 65% dos entrevistados pela empresa Paraná Pesquisas, como a que parece ser a mais correta em relação à vestimenta. A consultora de imagem Adriana Izumi concorda que é preciso ter bom-senso, mas que também é necessário saber tolerar. "A Geisy poderia ir para uma balada depois da universidade, isso é comum aco ntecer. Além disso, usar minissaia no verão é normal, inclusive nas universidades", diz.

É claro que, em um ambiente mais formal, principalmente no trabalho, existem regras que precisam ser seguidas. Há empresas que não permitem o uso de regatas, bermudas, chinelos. "A minissaia deve ser descartada neste local. Saia só na altura do joelho ou, no máximo, quatro dedos acima. A mulher precisa ver, principalmente quando senta, se a saia ou o vestido não apelam para a sensualidade", diz Adriana.

opinião

Mais curta é a educação

Por Danielle Brito, editora do suplemento Viver Bem

Será que se fosse fora do Brasil ou até numa universidade da zona sul de São Paulo, o episódio Geisy teria acontecido? Quanto menor a educação e a cultura, menor o bom senso no trato entre as pessoas.

A minissaia foi criada há 40 anos pela estilista inglesa Mary Quant e foi uma das representantes de uma nova ordem na moda: os jovens pararam de se vestir como seus pais e passaram a ter indumentária própria.

E se a gente voltar no tempo, olhar nos álbuns de fotos de família dos anos 60, vamos nos lembrar de nossas mães e tias com decotes pudicos e minissaias que mal cobriam o derrière. Era a moda.

Digo que a questão é cultural pelo seguinte: aqui, parte das mulheres usa a roupa como arma de sedução. É aí que a coisa se relativiza. Há algumas estações, desfiles das coleções internacionais vêm resgatando os microcomprimentos, a ponto de celebridades e cantoras pop serem fotografadas com o que parece ser só a peça de cima da roupa. Nas ruas de cidades como Paris e Berlim a minissaia também é vista do calor ao frio de zero grau.

A brasileira é cheia de curvas, tem bumbum grande, coxa grossa e cintura fina. Essa silhueta se torna explosiva com uma minissaia. Além de o contexto ser outro – e de que não há trogloditas soltos nas ruas por lá – a diferença é que a europeia, para ficar no exemplo, tem o corpo mais reto, quase andrógino, cultivado as vezes por dietas malucas de emagrecimento.

A relação do brasileiro com o corpo é diferente e paradoxal. Se podemos andar seminus nas cidades de veraneio sem sermos incomodados, por que uma simples minissaia pode provocar um quase linchamento?

Uma minissaia não tem apelo sexual por si só. Depende do contexto, de quem usa e de quem olha. No Brasil, homens e mulheres cultivam o efeito construção – é permitido assoviar, fazer piadinha, soltar um "gostosa". O problema não está no vestido ordinário de Geisy, mas sim na naturalidade com que se rompe a barreira da privacidade com o endosso de um machismo chauvinista.

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Em poucas ocasiões, uma peça de roupa causou tantos comentários entre brasileiros, como no episódio do vestido da estudante de Turismo Geisy Villa Nova Arruda, 20 anos, da Uniban, São Paulo. Nas últimas duas semanas, o minivestido de Geisy agitou organizações pró-mulheres, foi destaque em na imprensa nacional e ainda fez com que os alunos da Uni­versidade de Brasília (UNB) tirassem a roupa em protesto ao que aconteceu com a universitária – ela foi ameaçada de agressão e estupro pelos colegas e chegou a ser expulsa da Uniban (a faculdade voltou atrás).

Afinal, um vestido deveria causar tanto alvoroço? A resposta é não, na opinião de especialistas entrevistados. Isto porque, as pessoas deveriam ser livres para escolher o tipo de roupa que vão usar, sem dar explicações a ninguém sobre isso. Uma pesquisa encomendada pela Gazeta do Povo mostra, porém, que, na prática, as pessoas ainda são bastante conservadoras em relação à vestimenta.

Dos 505 moradores de Curitiba entrevistados pelo Instituto Pa­­raná Pesquisas, nos dias 10 e 11 de no­­vembro, 63% dizem que a estudante exagerou no modelito. E o porcentual de rejeição aumenta quando a pergunta é mais genérica: 71% falam que é inadequado usar uma minissaia no trabalho, na escola ou na faculdade. Já quanto às blusas decotadas ou transparentes, 75% afirmam que não é aconselhável ir a esses locais com roupas deste tipo.

"Não deveríamos nem entrar em discussão se ela exagerou ou não na roupa, principalmente se a faculdade não dispõe de um código de vestimenta, que é mais comum nas escolas", afirma a doutora em educação Maria Rita de Assis César, pesquisadora do Núcleo de Estudos do Gênero da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Maria Rita lembra que a universidade deve ser um local de produção de conhecimento e não um ambiente para se ensinar códigos de vestimenta. "É moralizante a ideia de pensar que a faculdade vai ensinar as pessoas a se comportar. Deve ser, antes de tudo, um ambiente de pluralidade", diz.

O Brasil é um país de contradições, conforme aponta Maria Rita. É difícil explicar – sem um tom mais filosófico – o que leva os brasileiros a admitir o carnaval com mulheres e homens nus e não se importar em ver mulheres na praia com minibiquinis, mas hostilizar uma jovem que foi com um vestido mais curto à universidade. "É como se tudo tivesse um local autorizado para acontecer." O filósofo e professor Carlos Rama­lhete afirmou, em artigo publicado esta semana na Gazeta, que o corpo exposto da universitária suscita o desejo desordenado de muitos: é o instinto humano "incontrolável". Os jovens da Uniban, então, estariam "desprovidos de autocontrole e introjeção das regras sociais e respeito ao próximo."

Para a Maria Rita, o estopim do problema não deve ter sido o vestido, mas o fato de Geisy ser mulher. "Isso faz parte de uma sociedade machista." A socióloga Marisol Recaman, que pesquisa a situação da mulher no Brasil, afirma que a primeira impressão que se tem é de que a universitária sofreu violência de gênero duas vezes. "A primeira aconteceu quando não aceitaram a roupa dela e a segunda quando decidiram linchá-la", diz.

A pesquisa mostra ainda que 59% dos entrevistados acreditam que decotes e saias curtas, em situações corriqueiras, põem em risco a credibilidade da mulher. "Se a credibilidade é associada à roupa, é outra prova de que a sociedade continua machista", afirma Maria Rita. A titular da Delegacia da Mulher, Daniela Antunes Andra-de, lembra que ainda hoje aparecem homens na delegacia dizendo que estupraram determinada mulher porque ela estava de minissaia. "É um absurdo. Eles tentam transformar a vítima em criminosa, mas isso nunca é levado em conta no processo. E, por incrível que pareça, tem mulheres que chegam a pensar da mesma maneira", comenta Daniela.

A opinião dos entrevistados é quase unânime em relação às atitudes tomadas pelos colegas de Geisy: 95% acreditam que a agressão por parte deles não pode ser justificada em decorrência do vestido da aluna. As ideias se dividem, contudo, sobre a atitude da Uniban: 31% acreditam que todos (incluindo Geisy) deveriam ser suspensos, 30% acham que a universidade errou e 28% concordam que os agressores deveriam ser expulsos. "Expulsão só em casos graves, talvez coubesse um tipo de advertência à aluna, até porque, acredito que além do vestido, outro tipo de contratempo deve ter ocorrido. Também penso que o ambiente acadêmico não é para ser um espaço de exibicionismo", afirma o advogado constitucionalista Fernando Knoer.

O reitor da Uniban foi procurado para uma entrevista, mas, por meio da assessoria de imprensa, disse que a universidade não vai, por enquanto, se pronunciar mais sobre o caso.

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