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A doação de gametas e embriões tem sido uma prática adotada em vários tratamentos de reprodução assistida.
A doação de gametas e embriões tem sido uma prática adotada em vários tratamentos de reprodução assistida.| Foto: BigsStock

Casais que encontram dificuldades para engravidar recorrem a reprodução assistida (RA) como uma oportunidade de gerar um filho. No Brasil, apesar de não ter uma lei que rege o procedimento, são as resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM) que regulam a utilização das técnicas. Em 2020 e 2021, foram realizadas no país mais de 36 mil gestações clínicas, segundo dados da Anvisa.

No último dia 20 de setembro, o CFM publicou a Resolução nº 2.320/2022 com novas regras para a utilização das técnicas de reprodução assistida no Brasil. Entre os novos critérios, estão a revisão do número de embriões gerados em laboratórios, a idade mínima para doação de gametas (óvulos ou espermatozoides) e a possibilidade de mulheres sem parentesco com o casal cederem o útero para gestação.

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Algumas das mudanças propostas pelo CFM foram criticadas por especialistas, por aumentar o risco de abuso e descarte da vida humana. Uma delas é a retirada de limitação para o número total de embriões gerados em laboratório, aumentando os excedentes viáveis criopreservados (vidas humanas congeladas). Na resolução anterior, o número de embriões gerados não podia exceder a oito. Pela nova norma, foi mantida a possibilidade de doação apenas a partir dos 18 anos, sendo que para as mulheres a idade limite será de 37 anos e do homem, 45 anos.

“Em relação à normativa de 2021, acho muito negativo que tenha sido eliminado o limite de embriões a serem produzidos e congelados”, disse Lenise Garcia, doutora em Microbiologia e Imunologia e presidente do Movimento Brasil sem Aborto. Além do dilema de aumentar o número de embriões congelados, nada impede que os médicos tentem implantar vários e, obtido o sucesso, elevem a quantidade de abortos de alguns deles, chamados pelos cirurgiões de reprodução assistida de "redução embrionária".

Gravidez de aluguel?

Outro ponto polêmico na resolução é a facilitação da gestação de substituição, mais conhecida como “gravidez de aluguel”, apesar de não poder ser remunerada. Agora, não é preciso mais que a “mãe de aluguel” tenha relação de parentesco para gerar a criança: basta uma autorização de excepcionalidade dada pelo Conselho Regional de Medicina.

“Embora a resolução continue proibindo a comercialização da chamada 'barriga de aluguel', é evidente que abre uma janela para que isso aconteça ao abrir a possibilidade do não parentesco”, explica Lenise.

Na verdade, a cessão de útero sem parentesco já acontecia na prática com a autorização dos CRMs. No entanto, especialistas destacam a importância de uma fiscalização para evitar a "barriga de aluguel" de forma remunerada.

"É preciso fiscalizar; essa flexibilização do CFM de permitir a gestação de substituição tem sido evitada no mundo todo para impedir o intuito lucrativo e as implicações do ponto de vista psicológicos e jurídicos para toda família", diz Claudia Brandao de Barros Correia Ferraz, Presidente da Comissão Nacional de Biodireito da ADFAS, juíza e pós-doutora em biodireito pela universidade de Salamanca.

Pela resolução, os contratantes dos serviços de reprodução assistida, tanto no serviço público quanto no privado, continuam tendo a responsabilidade de garantir, até o puerpério, tratamento e acompanhamento médico e/ou multidisciplinar à mulher cedente do útero. E, para que a gestação de substituição ocorra, é necessário que relatório médico atestando a adequação da saúde física e mental de todos os envolvidos componha o prontuário da paciente no serviço de RA.

Reprodução assistida post mortem

A nova resolução do CFM estabelece que "é permitida a reprodução assistida post mortem desde que haja autorização específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico crio preservado, de acordo com a legislação vigente".

Apesar de não ter uma lei específica, as resoluções do CFM foram usadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em junho do ano passado, quando foi negado o pedido de uma viúva que gostaria de implantar dois embriões deixados pelo marido.

Conforme a decisão do STJ, o pedido foi negado porque não havia uma manifestação direta e formal do falecido. Naquele momento, os embriões estavam congelados há quatro anos. Segundo a ação, após a morte do esposo, em 2017, a mulher manifestou o interesse de continuar com o processo de fertilização iniciado pelo casal. Mas os filhos do primeiro casamento dele recorreram à Justiça e argumentaram que não havia regulamentação sobre a utilização dos embriões após a morte de um dos cônjuges.

A possibilidade de um dos cônjuges fazer uso de embriões para gerar uma criança quando o parceiro já tiver morrido é tema de um projeto em tramitação no Senado, o projeto de lei 1.851/2022, de autoria da senadora Mara Gabrilli (PSDB/SP). A proposta pretende alterar "o art. 1.597 do Código Civil para dispor sobre o consentimento presumido de implantação, pelo cônjuge ou companheiro sobrevivente, de embriões do casal que se submeteu conjuntamente a técnica de reprodução assistida".

De acordo com Ana Cláudia, a falta de uma lei sobre o uso de embriões post mortem cria uma série de interpretações equivocadas que podem trazer problemas futuros. "Precisamos de uma legislação que diga como deve ser a autorização post mortem. Estabelece um consentimento presumido? Imagina se o casal está separado de fato, aí vai presumir que um cônjuge autorizou? Ser pai após a morte gera um herdeiro e isso traz complicações sucessórias", explica a juíza.

Falta de legislação cria insegurança jurídica

As resoluções do CFM tentam preencher a lacuna legal, mas em regra não poderiam servir como embasamento jurídico. “As resoluções são normas médicas e não são aplicáveis às questões jurídicas, por isso a insegurança jurídica está reinando. Vários países do mundo têm lei sobre isso e a ausência da legislação com as mudanças que o CFM vem fazendo a cada dois anos gera uma insegurança jurídica nas famílias”, diz Brandão.

Há 23 anos, tramita no Congresso Nacional, um projeto de lei que trata sobre reprodução assistida, apresentado pelo então senador Lúcio Alcântara (CE). O PLS 90/1999 foi aprovado no Senado em 2003, mas aguarda até hoje análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na Câmara dos Deputados. Como a proposta é muito antiga e já está desatualizada, em setembro do ano passado foi aprovado um requerimento de audiência pública para debater as normas para a realização desse procedimento.

Sistema de Embriões no Brasil

No Brasil, há mais 200 mil embriões congelados, segundo dados do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio). O último levantamento do SisEmbrio foi divulgado no dia 26 de agosto deste ano, com dados de 2021. O relatório traz informações sobre congelamento de embriões, doação de material para pesquisa e ciclos de fertilização in vitro.

O Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio) é administrado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitaria (Anvisa). Ele reúne informações sobre a produção dos Centros de Reprodução Humana Assistida (BCTGs), também conhecidos como clínicas de fertilização ou Bancos de Células e Tecidos Germinativo.

O estado com maior número de embriões congelados é São Paulo com mais de 106 mil, na sequência aparecem Rio de Janeiro (16.113) e Minas Gerais (15.674). O Brasil conta atualmente com 181 Centros de Reprodução Assistida. Em 2021, foram congelados 114.372 embriões.

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