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O Studium Theologicum se manteve em atividade durante os grandes embates ideológicos do século 20 | Hedeson Alves/Gazeta do Povo
O Studium Theologicum se manteve em atividade durante os grandes embates ideológicos do século 20| Foto: Hedeson Alves/Gazeta do Povo

Pombal, Marx e a era da bioética

Adriano Zaranski, 26 anos, figura entre os 110 alunos da safra 2009 do Studium. Ele é um retrato da nova geração: está antenado com os atuais grandes temas da Teologia – como a bioética e a secularização – e sente uma pontinha de saudades dos tempos em que os seminaristas passaram a trocar a novena por um comício.

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Linha do tempo

Em 75 anos de história, o Studium testemunhou grandes acontecimentos da Igreja e do mundo.

1934

- Hitler se torna presidente da Alemanha. Mao Tsé-Tung lidera a Grande Marcha da China.

- Getúlio Vargas é eleito presidente do Brasil por Assembleia Constituinte.

- Missionários claretianos abrem seminário maior de Filosofia e Teologia em Curitiba. Alunos são instalados ao lado da Paróquia do Coração de Maria, na antiga Avenida Ivaí (Getúlio Vargas), no Rebouças.

1962

- Em 11 de outubro, tem início o Concílio Vaticano II. Primeira transmissão de televisão via satélite dos EUA.

- Governo brasileiro institui 13º salário. Criação do Comando Geral de Trabalhadores (CGT) e do Conselho Nacional da Reforma Agrária.

- União dos diversos cursos de Teolo­gia de Curitiba dá origem ao Stu­dium Theologicum, sob coorde­nação dos missionários claretianos. Instituição é afiliada à Pontifícia Universidade Lateranense de Roma.

1965

- Termina o Concílio Vaticano II.

- O Studium começa a enfrentar inde­finições e crise de vocações pós-concílio.

1971

- Leonardo Boff lança o livro Jesus Cristo Libertador.

1975

- O jornalista Vladimir Herzog morre nas dependências do DOI-Codi, em São Paulo. Dez mil pessoas participam de culto ecumêmico em sua memória.

- O Studium Theologicum é agregado à Universidade Católica do Paraná. Acirram-se debates em torno da Teologia da Libertação e há pressão para que a faculdade adote essa corrente teológica.

1995

- Fernando Henrique Cardoso assume a Presidência.

- O Studium Theologicum volta a ser afiliado à Lateranense de Roma.

2005

- Morre João Paulo II. O cardeal Ratzinger se torna Bento XVI.

- O curso de Teologia é reconhecido pelo MEC. O Studium inicia processo de validação.

2008

- Raúl Castro é empossado novo pre­sidente de Cuba. Tibetanos protes­tam contra dominação chinesa. Ingrid Bettancourt é resgatada das Farc. Fernando Lugo, ex-bispo ligado à Teologia da Libertação, assume a presidência do Paraguai.

- O Studium é reformado, sob supervisão do Ippuc, e passa a fazer parte da rede de ensino Educlar – Ação Educacional Claretiana.

2009

- O Studium completa 75 anos.

  • O seminarista Adriano Zaranski: interesse em comunicação
  • A comunidade dos claretianos em 1934, ano da abertura da Faculdade de Teologia
  • Aula dos 75 anos, na sexta-feira, pontificada por frei Eduardo (em pé, à direita)

O catalão Jaime Sánchez Bosch, 66 anos, é um homem de saber notável. Além de falar sete línguas vivas, domina o aramaico, o hebraico, o grego, o latim e o cirílico. Também se vira com o ugarítico. Não é tudo. Pes­­quisador formado pelo Instituto Bíblico e pela Universidade Lateranense, ambos em Roma, discorre sobre temas tão complexos que fariam um cientista da Nasa pedir para voltar ao grupo escolar.

Jaime, claro, é um teólogo. E faz parte de uma linhagem de estudiosos que trabalham por trás do imponente "prédio amarelo" da Avenida Getúlio Vargas. São vidas em segredo. Quem passa pode não saber: fica na esquina da Rua 24 de Maio, ao lado da Paróquia do Cora­ção de Maria, e guarda um naco da história do estado.

Oficialmente, o local se chama Studium Theologicum, nome que parece saído dos livros de Dan Brown, junto de anjos e demônios. Mas, para os vizinhos do Rebouças e da Água Verde, é apenas o "colégio dos padres". E faz tempo. Em 2009, o Studium comemora 75 anos, período em que se tornou referência nacional em Teologia. É fato. Basta passar os olhos pela linha do tempo do século 20 para confirmar que a instituição figura entre os grandes fatos da vida intelectual paranaense. Em 1934, quando o colégio foi inaugurado pelos missionários claretianos, Curitiba tinha pouco mais de 100 mil habitantes, mas ainda respirava o fausto do ciclo da erva-mate – e era a cidade mais anticlerical do país, herança dos ventos do positivismo e do simbolismo, férteis por aqui tanto quanto araucárias. O Campo da Cruz – como os rincões da Avenida Ivaí, hoje Ge­túlio, costumavam ser chamados – parecia ideal para abrigar uma sucursal do Templo das Musas, nunca uma escola de Teologia.

Tudo indica que as condições desfavoráveis para o clero na década de 30 tenham levado o Studium a se fortalecer, montando uma biblioteca bárbara – hoje com 35 mil volumes, incluindo um acervo de obras raras do século 17 – e formando uma galeria de professores tão admiráveis que Curitiba, por pouco, já não se sentiu um jardim do Vaticano. A lista de sumidades é gorda. É o caso do biblista Fran­cisco Van der Watter e do mariólogo João de Castro Engler, morto em 1992 e uma espécie de unanimidade entre todas as facções do clero local nas quase cinco décadas em que ali lecionou.

Mas, acima de tudo, falar do professorado do Studium é bater continência para o compositor erudito José Penalva, morto em 2002. Vanguardista na música, Penalva era tido como teólogo inflexível, temido pelas provas que equivaliam a mil penitências e pela paixão com que se entregava a um confronto com os menos ortodoxos, que em determinada época eram a maioria. Se a sobrancelha do maestro levantasse, aproximava-se o Juízo Final.

Reza a lenda que um aluno, hoje bispo, reprovou com Penalva na cadeira de Teologia Dogmática, o que serviu, anos a fio, de consolo para muitos estudantes pouco alinhados com a hierarquia. As anedotas de corredor, contudo, não fazem jus à lenha queimada pelo Studium Theologicum para se manter de portas abertas.

Crise

Em 1962, a escola deixou de ser pri­vativa dos claretianos e passou a receber seminaristas de outras con­gregações e dioceses. Em poucos meses, viria o Con­­cílio Vaticano II, cujo saldo, além de uma profunda revisão no catolicismo, levou os padres a se virarem, literalmente, para os fiéis, celebrando a missa não mais em latim, mas nos idiomas nacionais. O gesto, tão simples, quase mexeu com o eixo da Terra.

Na esteira da reviravolta litúrgica veio um abandono em série das batinas, fazendo do Studium uma espécie de purgatório onde a crise da Igreja ficou a nervos expostos. A má fase durou de 1965 a meados da década de 70, quando outro conflito já estava armado no hall da velha escola. Com o avanço da Teologia da Li­­ber­­tação, corrente que aproxima o marxismo da doutrina cristã, a faculdade se viu pressionada a adotar a novidade como regra. Seria mais fácil um positivista beijar a mão do vigário do Cam­po da Cruz. A direção do Stu­­dium se manteve firme às orientações de Roma. Nada, contudo, impediu que o nome do frei Leonardo Boff, expoente da Teologia da Libertação no Brasil, fosse tão ou mais falado ali do que o do papa, ainda que a figura barbuda do franciscano ja­­mais tenha sido vista nos altíssimos corredores da instituição.

Para surpresa de quem acha que no prédio amarelo da Getúlio só se aprende a rezar missa, vale dizer que o local permanece, em 2009, palco de conversas que bradam aos céus, inclusive em redes virtuais, como nas melhores escolas. Numa estante da biblioteca, inclusive, dá para ver um DVD da vida de Marx ao lado de um da vida de Cristo. Podem ser assistidos em casa – mas nada que desabone o velho Studium: aos 75 anos ele se mantém, a seu modo, uma arena do conhecimento. Em caso de dúvida, na altura da Ouvidor Pardinho, pergunte sobre o "colégio dos padres". A vizinhança nunca se engana.

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