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Alunos no campus da Universidade de Brasília (UnB)
Alunos no campus da Universidade de Brasília (UnB)| Foto: Beto Monte/UnB

A cena foi registrada em vídeo: alguém de barba, biotipo masculino e voz grave discute com uma jovem e a ameaça após ser tratado com um pronome masculino. "Não tem nada que me impeça de meter a mão na tua cara", diz a pessoa de barba. O motivo da discussão, registrada na semana passada: o protagonista da cena, que se identifica como transgênero, queria usar o banheiro feminino no Restaurante Universitário da UnB (Universidade de Brasília).

Na semana passada, grupos de esquerda organizaram uma manifestação em apoio ao estudante que se identifica como transexual.

Como em boa parte dos casos em que uma pauta progressista radical foi implementada no país, a mudança que pode explicar o embate descrito acima não foi feita pelos representantes eleitos da população, mas facilitada por uma série de decisões dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Ponta-de-lança da agenda trans

Em 2018, na RE 670.422, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que, para mudar seus documentos e assumir a identidade do sexo oposto, não é preciso nem de cirurgia de mudança de sexo, nem de tratamento com hormônios, nem de laudo médico atestando disforia de gênero (a identificação com o sexo oposto). Basta uma mera declaração da pessoa. O único ministro a votar diretamente contra o pedido foi Marco Aurélio Mello. Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes discordaram parcialmente.

No acórdão do julgamento, o STF afirma "reconhecer aos transgêneros que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, o direito à substituição de prenome e sexo diretamente no registro civil". Ou seja: a transição de gênero é automática e imediata. É simplesmente um ato de vontade individual.

Assim, sem que houvesse uma mudança sequer na legislação, o STF decidiu que, para que alguém seja oficialmente reconhecido como transexual (ou seja: para que alguém registrado como homem passe a ser identificado como mulher, e vice-versa), basta querer. A biologia passou a ter zero importância. Justamente por isso é que uma pessoa de barba e que porventura tenha a genitália masculina pode reivindicar o direito de usar o banheiro feminino.

A decisão de 2018 do STF rendeu desdobramentos. Em 2019, a corte passou a tratar como crime aquilo que definiu como "homofobia" e "transfobia". Em 2021, o STF decidiu que transexuais podem cumprir pena em presídios femininos. E, em breve, a corte pode eliminar qualquer possibilidade de que entidades públicas ou privadas façam a separação dos banheiros com base no sexo biológico.

Novo julgamento sobre uso de banheiros

Em 2015, o tribunal começou a julgar uma ação movida por uma pessoa que se identifica como transexual contra um shopping de Santa Catarina. O estabelecimento pediu ao autor da ação que usasse o banheiro correspondente ao seu sexo biológico e foi obrigado, na Justiça comum, a indenizá-lo em R$ 15 mil.  O caso foi paralisado depois de um pedido de vista do ministro Luiz Fux. Até então, os ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin haviam votado a favor do pedido — ou seja, a favor de que estabelecimentos públicos e privados sejam obrigados a permitir que qualquer pessoa utilize o banheiro do sexo com o qual se identificar.

Em seu voto, Barroso passou a maior parte do tempo argumentando que os transexuais são marginalizados, e citou dados questionáveis ao dizer que o Brasil é o país que mais comete violência contra essa população. Barroso falou pouco da Constituição e muito sobre sua opinião pessoal a respeito de como a sociedade deveria ser. "Ninguém escolhe se vai ser heterossexual, homossexual ou transgênero. É um fato da natureza. E não respeitar essas pessoas é não respeitar a natureza", disse. Já Fachin disse que defender soluções intermediárias, como um banheiro neutro, “feriria o senso de inclusão.”

Mais recentemente, ongs que promovem a causa dos transexuais têm pressionado o STF para que retome o julgamento da ação.

Radicalização progressiva

Para Eugenia Rodrigues, porta-voz da campanha No Corpo Certo, o episódio da UnB pode, sim, ser atribuído à postura ativista do Supremo. “O STF é um braço do 'trans-ativismo'. O ativismo judicial é um mal, porque elimina uma etapa fundamental da democracia, que é o processo de elaboração das leis por pessoas que foram eleitas”, afirma ela, que tenta chamar atenção para os malefícios da ideologia de gênero.

Para Eugenia, episódio envolvendo a pessoa transgênero no banheiro da UnB é fruto de uma radicalização gradual de uma ideia fundamentalmente incoerente: a de que existem homens "presos" em corpos femininos e vice-versa. Embora a decisão de 2019 do STF trate especificamente da documentação para pessoas que se identificam como transexual, a discussão é mais profunda. "A solução não é exigir que esses homens modifiquem seus corpos, façam cirurgias ou raspem a barba. Nenhum homem, com barba ou sem barba, com pênis ou castrado, com ou sem aplicações de sintéticos, tem o direito de invadir nossos espaços", diz Eugenia.

Feminista critica agenda transgênero

"As mulheres não são um escudo humano", diz Maisa Carvalho, integrante do WDI, uma entidade criada por mulheres e que atua contra a presença de homens biológicos em espaços reservados a elas. Ela complementa: "Homens que estejam com algum sofrimento mental ou que se sintam vulneráveis e possam por exemplo apanhar de outros homens no banheiro masculino devem resolver isso entre homens, com seus pares", diz.

Para Maisa, a militância pelos chamados direitos dos transgêneros se baseia em uma farsa. "Eles não deixam de ser homens porque deixam de se parecer (a maioria sequer deixa) com o sexo masculino. Não existe uma quantidade de modificações corporais que vá mudar o sexo de uma pessoa. Legitimar isso é legitimar a fraude", afirma ela, que também critica a atuação do STF neste tema: "Os Estados não devem promover nem legitimar fraudes", diz.

A WDI Brasil é a sucursal brasileira da Women's Declaration International, que tem sede no Reino Unido e atua na defesa dos direitos das mulheres.

UnB responde

Procurada pela Gazeta do Povo, a assessoria de imprensa da UnB afirmou que apoia o estudante transgênero que exige acesso ao banheiro feminino. "O uso de banheiros pela população, conforme o sexo de nascimento ou identidade de gênero, diz respeito a direitos fundamentais definidos pela Constituição Federal brasileira", diz a nota emitida pela universidade.

Por outro lado, a UnB afirma que o tema é "complexo" e lembra da ação pendente no STF.  "Não cabe à Universidade de Brasília (UnB) legislar sobre o assunto", diz o texto, acrescentando que a UnB já aprovou a instalação de dois banheiros neutros para atender à população transexual. O banheiro neutro, embora também controverso, costuma gerar menos protestos porque não implica a necessidade de que mulheres dividam o espaço com homens biológicos.

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