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O que avançou na segurança pública após ingresso recorde de policiais e militares no Congresso
Apesar da eleição maciça de parlamentares oriundos da segurança pública para o Congresso em 2018, tema avançou pouco na atual legislatura| Foto: Michel Jesus

Nas eleições de 2018, um ano após o Brasil bater o recorde de homicídios em um mesmo ano, com 65,6 mil ocorrências, o eleitorado brasileiro apostou em aumentar o número de parlamentares oriundos das forças de segurança no Congresso Nacional. Enquanto nas eleições de 2014 foram eleitos apenas 18 policiais e militares na soma do Legislativo federal e estadual, em 2018 esse número passou a 44 somente no âmbito federal.

São integrantes de diferentes corporações – polícias militares e civis, Polícia Federal (PF) e Polícia Rodoviária Federal (PRF) – e militares das forças armadas; muitos deles eleitos sob a bandeira da segurança pública, em especial do endurecimento das leis penais e do fortalecimento do combate ao crime e à corrupção.

De acordo com levantamento feito pela Gazeta do Povo, há 40 deputados federais e quatro senadores procedentes das forças de segurança. O alto volume desses representantes fez com que a Frente Parlamentar da Segurança Pública, da Câmara dos Deputados, alcançasse o maior número de integrantes da história, com 306 parlamentares.

No entanto, no Legislativo federal, passados pouco mais de três anos da nova legislatura, o ingresso significativo de representantes da bandeira da segurança não gerou avanços na mesma proporção. De acordo com parlamentares ouvidos pela reportagem, a resistência de deputados e senadores progressistas a leis que endureçam aspectos do combate ao crime, o foco em discussões e proposições relacionadas à pandemia e a falta de empenho do governo federal são alguns dos motivos apontados como limitadores do andamento do tema no Congresso.

Principais projetos que avançaram

Parte dos parlamentares ouvidos pela reportagem aponta a aprovação do pacote anticrime como a principal conquista da atual legislatura no âmbito da segurança pública. A medida, que foi aprovada em dezembro de 2019 e entrou em vigor no início de 2020, tinha como objetivo aperfeiçoar a legislação penal e processual penal do país.

O texto original da proposta, apresentado por Sergio Moro quando era ministro da Justiça, foi desidratado no Congresso, e vários pontos considerados importantes por Moro ficaram de fora, como a prisão após condenação em segunda instância e o excludente de ilicitude, que possibilitaria redução ou nulidade de pena a policiais que agissem de forma letal em legítima defesa ou no exercício de sua função “se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

O pacote anticrime também teve trechos adicionados por parlamentares durante a fase de discussão no Congresso e recebeu parte de outra proposta elaborada por uma comissão de juristas, coordenada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Na lei aprovada, entraram em vigor medidas como aumento da pena máxima no país, de 30 para 40 anos; proibição das saídas temporárias em datas festivas para condenados por crime hediondo com morte; mudanças nas regras sobre delação premiada; permissão para que estados construam presídios de segurança máxima e aumento de penas para alguns crimes, dentre outras medidas.

“O pacote anticrime foi o maior pacote desde a constituinte há mais de 30 anos. Isso reflete a força da bancada nesse mandato”, diz o deputado federal Capitão Augusto (PL-SP), presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública.

Essa opinião não é unânime entre os parlamentares de direita. O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), que foi crítico às mudanças feitas no pacote original, acredita que a medida não representou grandes progressos no âmbito da segurança. “De fato, o que tivemos de mais relevante foi o pacote anticrime, que no final das contas acabou, na minha avaliação, não representando uma grande melhoria. Sem diálogo com o Ministério Público e com o Judiciário, muito menos com as forças policiais, teve a criação do juiz de garantias, que é tão inviável que o próprio Supremo teve que suspender sua vigência”, aponta o parlamentar.

Um avanço apontado é a tramitação do Novo Código de Processo Penal (CPP). A criação de um novo código é objeto de debate no Congresso desde 2009, ano em que o primeiro texto com propostas de amplas mudanças foi apresentado no Senado. Aprovada nessa casa legislativa no ano seguinte, a proposição foi encaminhada para a Câmara dos Deputados e lá ficou parada por anos.

Em abril do ano passado, o deputado João Campos (Republicanos-GO), relator da comissão especial sobre o tema, divulgou o texto substitutivo para o novo CPP. O texto, no entanto, foi alvo de diversas críticas por parte de representantes do Ministério Público e do Poder Judiciário, além de juristas, sobretudo por conter dispositivos que enfraqueceriam o combate à impunidade. Com o término do prazo para o funcionamento da comissão, em junho foi instalado um grupo de trabalho para fazer modificações na proposta. Há expectativas por parte dos parlamentares de que um novo texto seja votado no primeiro semestre deste ano.

Houve também alguns avanços na questão da posse e do porte de armas. Uma das mais significativas foi a aprovação, em 2019, no Senado e na Câmara, de uma mudança na lei nacional de controle de armas que passou a permitir que produtores rurais portem armas de fogo em toda a extensão de suas propriedades; antigamente só podiam estar munidos do armamento dentro de suas casas.

“Isso reduziu muito a invasão a zonas rurais. O criminoso percebeu que o cidadão de bem estava mais preparado para o enfrentamento e não dependia mais única e exclusivamente das forças de segurança”, diz o deputado Delegado Waldir (PSL-GO).

Na Câmara, o PL 6438/19, que trata da posse e do porte de armas para profissionais de segurança pública, aguarda entrada em plenário. A matéria é resultado de uma divisão dos termos relacionados à flexibilização da posse e do porte de armas e faz parte de um acordo entre os congressistas que permitiu a aprovação do PL 3723/19 – proposição que regulamenta o porte de armas para caçadores, atiradores e colecionadores e aguarda votação no Senado.

O senador Marcos do Val (Podemos-ES), relator da proposta, afirma que o projeto deve entrar em pauta no início de fevereiro, logo após o retorno do recesso no Congresso. Segundo o parlamentar, há maioria favorável à aprovação da medida. “O projeto é pior do que os decretos sobre armamento do governo, porém é essencial para não ficar dependendo desses decretos, que podem cair a qualquer momento por decisão do STF”.

Pautas importantes não tiveram andamento

Temas importantes para a segurança pública, a exemplo do estabelecimento do ciclo completo de polícia, reformas mais rígidas na legislação penal e algumas medidas de fortalecimento do combate ao crime organizado e à corrupção não tiveram avanços concretos desde 2019.

A discussão sobre a ausência do ciclo completo de polícias – que, na prática, permite que todas as corporações policiais possam executar o trabalho ostensivo e a investigação criminal – se arrasta no Congresso há mais de uma década e teve pouco andamento nessa legislatura. De acordo com especialistas em segurança pública ouvidos pela Gazeta do Povo, a ausência do ciclo completo é um dos grandes problemas da segurança pública brasileira.

Para aprofundar na discussão sobre o ciclo completo, em setembro de 2019 foi criada uma comissão especial na Câmara dos Deputados com o objetivo de avaliar propostas que autorizam as diferentes corporações a cuidarem de todas as etapas do combate ao crime. Com a suspensão das comissões no início da pandemia, os trabalhos do grupo também foram interrompidos. Apesar de diversas comissões da casa legislativa já terem sido retomadas, esta ainda permanece interrompida.

Para Kataguiri, apesar de o ciclo completo ser a prioridade, outras pautas relevantes também permaneceram estacionadas. “Outros temas importantes não andaram, como a reforma na Lei de Execuções Penais para rever questões como a saída temporária e progressões de penas; instrumentos de gestão penitenciária para combater o crime organizado dentro dos próprios presídios, que não está avançando nas comissões de mérito; e endurecimento de questões sobre interceptação e contrabando”, afirma o parlamentar.

Para ele, faltou vontade política por parte do governo federal em fazer os temas andarem no Congresso. “Se não tem interesse por parte do Executivo, dificilmente avançam temas como esses de segurança pública, que costumam ser mais polêmicos. E sem essa iniciativa do governo, a maior parte dos parlamentares da base ligados à segurança também não se preocupou em ter uma agenda própria do parlamento sobre o tema. No final das contas, a maior parte das coisas não caminhou”, diz o deputado.

Também não houve nenhum progresso quanto ao projeto de lei que prevê redução da maioridade penal de 18 para 16 anos nos casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte – medida aprovada pela Câmara em 2015 e parada na casa legislativa vizinha desde então. Segundo fontes consultadas pela reportagem, o tema é sensível e sequer foi abordado na atual legislatura.

Pautas relacionadas à agenda anticorrupção, que normalmente são apoiadas pela bancada da segurança pública, também tiveram pouco progresso na atual legislatura. Propostas importantes como a PEC da prisão em segunda instância e a que acaba com o foro privilegiado também ficaram estacionadas – esta última foi aprovada em 2018 no Senado e está parada na Câmara desde então.

Em contrapartida, houve propostas que afrouxam o combate à corrupção que progrediram desde 2019. Um dos exemplos mais significativos foi a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do novo Código Eleitoral, ainda pendente de apreciação pelo Senado. A medida pode reduzir drasticamente o poder do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de fiscalizar candidatos e partidos políticos.

Já a chamada “PEC da Vingança”, que altera a composição e as competências do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e é apontada como uma ameaça à independência do Ministério Público, foi freada em novembro por uma pequena margem de votos. No placar, o resultado foi de 297 contra 182 votos, além de quatro abstenções — faltaram 11 votos para aprovação.

Resistência de parlamentares à esquerda

Na avaliação do deputado Capitão Augusto, a resistência de grande parte do Congresso quanto a temas como endurecimento da legislação criminal e fortalecimento do combate à criminalidade é um dos elementos que limita o andamento das propostas.

“Nós temos três focos de resistência: um é o pessoal da esquerda que é contra encarceramento. Toda vez que se fala em endurecer legislação penal ou aumentar pena, a esquerda inteira é contrária. A parcela dos deputados garantistas é outro. Sabemos que o excesso de garantismo acaba favorecendo a marginalidade”, diz o deputado. “Temos também outra parcela, que são os representantes da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], que também dificultam demais o nosso trabalho”, prossegue.

Para o deputado Delegado Waldir, parte das campanhas de obstrução ao andamento de pautas caras à segurança pública vêm de parlamentares envolvidos em denúncias de corrupção. “Você encontra uma grande obstrução principalmente daqueles que têm medo da aprovação da prisão após segunda instância e do fim do foro privilegiado, por exemplo. Esses parlamentes acabam sempre votando pela fragilização da legislação”, pontua.

Outro fator apontado como prejudicial ao progresso dessas pautas está relacionado a falas polêmicas ou mais exaltadas do presidente Jair Bolsonaro sobre o assunto. Para Marcos do Val, devido à sensibilidade dos temas, o tratamento mais ponderado deve ser regra para o convencimento dos parlamentares. “Todas as vezes que o presidente tocava no assunto virava uma polêmica e isso prejudicava, criava mais resistência até de quem era favorável”, diz o senador.

Pautas corporativistas

Apesar de temas estruturantes para a segurança pública não terem tido grandes avanços, parlamentares ligados à segurança pública têm obtido sucesso na defesa de suas corporações. “Conseguimos manter direitos e garantias na reforma da Previdência, conseguimos mudar a PEC emergencial que vinha com prejuízo para os policiais, como de promoções, gratificações e de aumento salarial. Conseguimos também tirar os policiais da reforma administrativa”, diz Capitão Augusto.

A última conquista dos parlamentares oriundos da polícia militar é a aprovação, em dezembro do ano passado, de um requerimento de urgência para votar a Lei Orgânica de Polícias Militares e Bombeiros, que agora deve ser votada até março deste ano. O projeto de lei foi enviado pelo Executivo em 2001 e ficou quase vinte anos parado. Em 2019, após pressão da Frente Parlamentar da Segurança Pública, a medida voltou à tramitação.

O projeto versa sobre ingresso e permanência nas corporações, armamento e garantias dos policiais; determina exigência de nível superior para entrada na corporação; estabelece novas patentes hierárquicas, dentre outras medidas. Um dos dispositivos autoriza que policiais militares que ocuparam cargos eletivos retornem às corporações ao abandonar a vida pública.

De acordo com parlamentares ouvidos pela reportagem, há expectativa para que ainda nesta legislatura também sejam apreciados projetos sobre a lei orgânica das polícias civis, da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal.

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