Em seu pedido de prisão, Marcelo Lemos de Oliveira, delegado titular da Delegacia de Homicídios de Maior Complexidade, unidade da Divisão de Homicídios de Proteção à Pessoa de Curitiba (DHPP), afirmou que os policiais militares e ex-policiais militares detidos durante a operação Mosaico, nesta quinta-feira (22), usaram de todo seu treinamento e recursos materiais proporcionados pelo Estado para cometer os assassinatos até então atribuídos a Jorge Luiz Thais Martins, coronel Corpo de Bombeiros do Paraná e ex-comandante da instituição. As alegações constam nos pedidos de prisão aos quais a reportagem teve acesso.
Veja o histórico dos assassinatos incorporados pela investigação
“Aliás, os investigados eram todos policiais militares à época dos fatos, profissionais de segurança pública, com larga experiência, um deles integrante do oficialato, que utilizaram todo o treinamento e recursos materiais proporcionados pelo Estado, para se voltarem contra a própria sociedade, perpetrando uma série de crimes contra as vítimas, que em razão de estarem em uma situação de vulnerabilidade social, foram dizimadas e “arremessadas” em uma espécie de esgoto social”, escreveu o delegado.
Além disso, Oliveira mencionou que os suspeitos usaram táticas de contrainteligência para criar álibis consistentes. Para o delegado, o nome do coronel Martins pode ter sido plantado na localidade da favela da Rocinha, no bairro Boqueirão, para que testemunhas pudessem mencionar depois dos ataques, que, ao todo, exterminaram nove supostos usuários de drogas,entre agosto de 2010 e novembro de 2011.
“É evidente que os investigados utilizaram os seus conhecimentos na área de inteligência policial, uma vez que dois deles, integravam a 2ª seção – P2 - 17º BPM, para circularem informes da autoria das mortes, com o nítido desiderato de desviar a linha de investigação”, escreveu o delegado. A segunda seção da PM é conhecida por policiais que trabalham no setor de inteligência da corporação.
Outra referência às táticas de contrainteligência supostamente usadas pelos suspeitos apareceu durante a apuração. A equipe da delegacia descobriu que houve uma suposta criação de atendimentos de ocorrência durante a madrugada do primeiro ataque aos usuários, no dia 8 de agosto de 2010.
Um boletim de ocorrência daquela data e hora mostra que dois dos policiais detidos nesta quinta-feira estariam no bairro Tatuquara, a quilômetros do Boqueirão, atendendo uma denúncia. De acordo com a investigação, é possível que o atendimento tenha sido apenas uma tentativa de criar um álibi consistente para despistar e atrapalhar a investigação.
A conclusão do relatório do boletim, resgatado pela equipe da delegacia, mostra que a dupla de policiais na época registrou o atendimento como denúncia infundada, como se tivessem ido checar, de fato.
O que desmente o boletim de ocorrência é exame de balística. Segundo o delegado Lemos de Oliveira, as cápsulas da arma de um dos PMs estava na cena do crime do primeiro e terceiro ataques aos usuários.
Defesa
A reportagem também teve acesso à decisão do juiz da 2.ª Vara do Júri de Curitiba, Daniel Ribeiro Surdi de Avelar, que traz os nomes dos suspeitos presos - preservados pela Polícia Civil durante entrevista na manhã da quinta-feira (23).
Segundo a decisão do magistrado, os suspeitos detidos na operação Mosaico são capitão da reserva Vilson Reginaldo, o soldado Eloir de Melo Metz, o cabo Alexandre Muller , e os ex-soldados Leandro Veloso e Lori Ribeiro Júnior - que foram absolvidos em janeiro de 2020 (leia atualização abaixo). Este último teve um parente próximo assassinado em 2010, fato que teria motivado os ataques aos usuários de drogas na Favela da Rocinha, no bairro Boqueirão.
Na manhã desta quinta-feira, os advogados de defesa dos policiais militares e ex-policiais militares insinuaram que a Polícia Civil pode ter levantado acusações de forma equivocada no caso. Os dois mencionaram que, no começo das apurações, em 2011, já houve, em tese, um erro ao acusar o coronel Jorge Luiz Thais Martins. O equívoco poderia estar se repetindo, de acordo com eles.
“Prendem para investigar, averiguar e apurar. A partir do que eles estiverem levantando, vamos ver se tem plausibilidade. E um rescaldo de uma série de homicídios. Já deram um bote errado e pelo visto não estão andando bem agora”, afirmou o advogado do capitão detido, Cláudio Dalledone Júnior.
O defensor dos demais suspeitos, Gustavo Hassumi, afirmou que os advogados estudarão as provas técnicas, como o confronto balístico que coloca duas das armas dos acusados em cenas dois ataques aos usuários.
“Vamos analisar os confrontos. O Instituto de Criminalística tem errado em muitos confrontos. Já teve armas que deu positivo e não foram realmente. Não há um grau alto de confiabilidade grande. Acredito que não eram eles. Vamos ter que analisar os laudos e toda prova que há na investigação. Diante destas provas, vamos fazer contraprova para rechaçar essas acusações. Temos certeza da inocência deles”, ressaltou.
Em janeiro de 2020, o juiz Daniel Ribeiro Surdi de Avelar absolveu os réus Irineu Lori Ribeiro Junior, Vilson Reginaldo dos Anjos, Leandro Veloso, Alexandre Müller e Eloir de Mello Metz de crimes dolosos contra a vida no processo considerando a "preclusão da decisão de impronúncia" proferida pelo Tribunal de Justiça. O impronunciamento é uma decisão que rejeita a responsabilização para o julgamento no Tribunal do Júri, porque o juiz não se convenceu da existência do fato ou de indícios suficientes de autoria ou de participação dos réus no caso.
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