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Dispositivo intrauterino (DIU) – método contraceptivo usado por mulheres.
Dispositivo intrauterino (DIU) – método contraceptivo usado por mulheres.| Foto: Reprodução/Shutterstock Images

Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1.328 de 2022, que estende o fornecimento gratuito de dispositivos intrauterinos (DIU) hormonais a adolescentes de 15 a 18 anos e a mulheres em situação de vulnerabilidade. A proposta, que tenta prevenir a gravidez indesejada, tem sido criticada por especialistas principalmente pelo fato de ignorar que nem sempre o DIU é eficaz, o que traz risco de aborto e para a saúde da mulher.

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O projeto é de autoria do deputado federal José Nelto (PP-GO) e está em análise na Comissão de Direitos da Mulher. A relatora da proposta, a deputada federal Chris Tonietto (PL-RJ), ainda não apresentou seu parecer, mas já se posicionou contrária à proposta.

"Sou contra esse tipo de proposta, uma vez que incentiva o controle populacional na medida em que o Estado passa a decidir quem pode gerar filhos ou não", disse a relatora.

Especialistas em medicina e políticas públicas, por outro lado, veem a medida como perigosa e desnecessária. "É uma proposta precipitada que não avalia os riscos e benefícios, pois já existe a colocação do DIU na rede pública nos casos recomendados", disse Elisabeth Kipman, médica ginecologista e obstetra.

A introdução do DIU já faz parte das políticas públicas de planejamento familiar que são coordenadas pelo Ministério da Saúde. O acesso pelas mulheres ao DIU de cobre no Sistema Único de Saúde (SUS) foi garantido por uma portaria do Ministério publicada em 2018, em casos de "anticoncepção pós-parto ou pós-abortamento". A mulher que opta por fazer uso do método contraceptivo pelo SUS passa por uma série de exames e avaliação médica para evitar riscos e complicações.

Dados preliminares do Ministério da Saúde apontam que foram realizados, em 2021, mais de 31 mil procedimentos de implantação de DIU em mulheres em idade fértil pelo SUS.

Adolescentes e moradoras de rua

O projeto prevê que a vontade de usar o DIU deve ser manifestada pela mulher, sem a necessidade de aprovação do cônjuge ou companheiro para a realização do procedimento. Pelo texto, os dispositivos fornecidos serão os DIUs Myrena e Kyleena, fabricados pela Sol Medicamentos.

De acordo com o projeto, caberá ao SUS designar um ginecologista para ser o responsável por informar à mulher a respeito dos riscos, dos cuidados e do tratamento necessário.

Na proposta, consta que serão consideradas mulheres em situações vulneráveis, independente de terem ou não filhos:

  • Adolescentes de 15 a 18 anos com ou sem gestação anterior, em situação de pobreza, desde que já tenha menstruado, e sejam representadas pelos responsáveis legais e manifestem vontade própria;
  • Moradoras de ruas; Dependentes químicas ou usuária de drogas; presidiárias; Puérperas de alto risco ou comorbidades, mediante apresentação de laudo médico; entre outras.

Segundo o autor da proposta, a medida beneficia a saúde da mulher, além de ter impactos socioeconômicos. Na justificativa, Nelto citou dados do IBGE, pelos quais as maiores taxas de gravidez na adolescência ocorrem entre jovens de 10 a 19 anos mais pobres e com menor escolaridade.

"Tal política de proteção preventiva se faz totalmente necessária e de extrema relevância, além de resguardar a saúde de diversas mulheres e de muitas crianças, tanto como da economia do país e das taxas de desemprego", afirma o texto que tramita no Congresso.

Críticas ao projeto

O fornecimento de DIU sem consentimento do cônjuge é um dos pontos questionados pelo especialista em Bioética, Marlon Derosa. "Tal exigência foi estabelecida na lei sobre planejamento familiar. Fala-se tanto neste termo, mas agora quem decide é só um dos cônjuges? Então não é mais planejamento familiar, é individual. Isso institucionaliza a divisão familiar", explica.

Derosa ainda reforça que não cabe argumentar que a lei visa apenas "dar conta de excessos", quando um dos cônjuges tem conduta abusiva. "Para esses casos, há leis protetivas e o cônjuge que se sentir constrangido deve buscar seus direitos caso sofra abusos".

Na avaliação de Kipman, como o DIU necessita de acompanhamento frequente, é muito arriscado colocar o dispositivo em pessoas com o perfil descrito no projeto.

"O DIU exige consultas regulares com o ginecologista para controlar infecções, ainda mais se existe promiscuidade na variação de parceiros. E quando a proposta ressalta moradores de rua e dependentes químicos, ou baixo nível de entendimento, tudo isso só complica se for aplicado de forma aleatória. Inclusive presidiários: como será possível evitar casos de infecção e outros problemas ocasionados pelo dispositivo?", critica.

Elisabeth também menciona o risco da medida em menores em idade fértil. “O próprio autor diz que tem que ter o desejo manifestado pela mulher entre 10 e 19 anos; como ela sabe o que é o DIU e o desejo manifestado? A própria condição de manter o desejo é um problema e a ansiedade para não engravidar pode motivar um pedido até forçado pelo companheiro”, disse.

Riscos do DIU

Apesar de ser considerado um dos métodos contraceptivos mais eficazes, com 99% de segurança apontado pelos laboratórios, o DIU pode apresentar várias complicações e não deve ser utilizado em certas condições. O Conselho Federal de Medicina já se manifestou sobre o caráter invasivo do procedimento, o que o torna recomendável para execução apenas por médicos.

Em uma cartilha sobre o dispositivo, o Ministério da Saúde informou que o uso do DIU pode ocasionar inflamação nos órgãos genitais e anemia por aumento de sangramento menstrual. Nos casos em que a mulher engravida com a contracepção, o risco de gravidez nas trompas e abortamento é maior.

"É sabido que o DIU pode causar problemas de diversas ordens no corpo da mulher. No caso do DIU de cobre, muitas mulheres podem sofrer com hemorragias após sua implantação. Quanto ao DIU 'hormonal', pode provocar o nascimento de colônias de bactérias, e até mesmo levar a graves infecções abdominais", diz a deputada Chris.

A ideia de que o DIU pode ocasionar o aborto é negada por alguns médicos e pelas próprias indústrias. Porém, a ginecologista alerta sobre o risco do abortamento.

"O DIU ocasiona aborto, sim, porque um meio de ação do dispositivo é a alteração do endométrio, todo ginecologista sabe que vai ocasionar alteração do endométrio que é o local onde o embrião se implanta - assim aumenta o número de abortos, principalmente no primeiro trimestre", explica Kipman.

Em 2019, os Conselhos Nacional e Regional de Enfermagem (Coren/AL e Cofen) emitiram nota sobre o caso de uma mulher que estava grávida quando teve um Dispositvo Intrauterino (DIU) inserido por um profissional de enfermagem. A paciente, que estava com aproximadamente 15 semanas de gestação, sofreu um aborto espontâneo. Na nota, os conselhos ainda explicaram que o aborto é uma das possíveis complicações ocasionadas pela gestação com DIU, além de prematuridade, sangramento vaginal e descolamento da placenta.

"Há um grande problema de falta de consentimento informado, onde parte dos agentes de saúde prestam pouco ou nenhum esclarecimento sobre efeitos do dispositivo. Isso já é um problema aos que não são considerados vulneráveis e que têm boa escolaridade; pior ainda, quando se trata de população vulnerável", critica Derosa.

Relatos de gravidez pós-implantação do DIU

Na internet, são muitos os relatos de mulheres que engravidaram fazendo uso do DIU, apesar desse resultado ser apontado como raro. Na maioria das situações, as mulheres relataram cólicas e enjoos fora do normal e, quando iam ao médico, ficavam surpresas com a notícia da gravidez.

Entre os relatos, há o de uma mulher da Flórida, Evellyn Crouse que optou por usar o DIU após o nascimento do seu quinto filho. O que ela não imaginava é que depois de três anos da implantação do dispositivo, ela estava esperando a Ava, sua sexta filha. A bebê nasceu prematura com 23 semanas, quando o dispositivo furou a bolsa e o parto precisou ser adiantado.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) garante que o DIU está entre os métodos conceptivos mais eficazes, ficando atrás apenas dos métodos definitivos como vasectomia e laqueadura.

"A bula diz que existe a falha de no máximo 1%, mas se for colocado em milhares de pessoas essas porcentagens são representativas, ainda mais caso esse projeto seja aprovado. Vai haver um maior número de gestações indesejadas, porque a pessoa vai ter relação achando que está super protegida e não está", alerta a ginecologista.

Documento da Food and Drug Administration (órgão nos Estados Unidos equivalente à Anvisa no Brasil) relata casos de gravidez ectópica em uma em cada mil usuárias do Mirena, o chamado DIU hormonal, sendo que, nesses casos, o aborto é necessário e as mulheres ficam estéreis. O paper cita também casos de gravidez intrauterina e a possibilidade de abortos espontâneos.

A própria Bayer, em um de seus comunicados para o mercado, fala que, só em 2019, até outubro, 2.700 usuárias do Mirena entraram com ações contra a empresa alegando terem sofrido lesões pessoais com o produto, como perfuração de útero, gravidez ectópica, etc. No balanço consolidado de 2019, a empresa afirma ter feito um acordo de US$ 12 milhões com mulheres que alegaram perfuração e que outros processos ainda estão em andamento.

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