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O presidente Lula comparou a ofensiva israelense em Gaza ao Holocausto. Os evangélicos se somaram ao coro de repúdio.| Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Durante as eleições de 2022, o então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva e outras figuras proeminentes do Partido dos Trabalhadores (PT), respaldadas pelos conselhos de intelectuais de esquerda, estabeleceram uma meta: aproximar-se do crescente público de evangélicos do país, que representa quase um terço da população, para arrebatar eleitores da direita.

As recentes declarações sobre Israel praticamente sepultaram aquele projeto eleitoreiro do petismo. A comparação feita por Lula entre os ataques de Israel ao Hamas na Faixa de Gaza e o Holocausto nazista, apoiada por outros membros do governo e petistas importantes, é, para especialistas consultados pela Gazeta do Povo, a pá de cal na tentativa de cortejar o público evangélico.

Guilherme de Carvalho, teólogo público e cientista da religião, ressalta que as falas recentes de petistas colocam em xeque de forma praticamente definitiva a possibilidade de diálogo que se vislumbrava em 2022. "Um novo ponto de fricção foi aberto oficialmente pelo Lula. E a probabilidade dos evangélicos reverterem dessa posição, na minha opinião, é perto de zero, é quase nula. Quem pensa que, se houver boa negociação de Lula com lideranças evangélicas, isso pode suavizar… Não, não vai acontecer. Essa posição não é baseada em manipulação de lideranças de megaigrejas, de lideranças nacionais, não é isso", observa.

A ligação com os judeus, destaca Carvalho, está entranhada no imaginário do povo evangélico, e independe do que digam até mesmo os líderes das igrejas. "O sonho do crente comum é ir passear em Israel. O povo fica dizendo que os pastores estão levando os crentes no bolso. Não é isso. É uma questão de imaginário. É isso o que tem que ser entendido. Não é uma questão de política, denominacional, de liderança de igreja… É uma questão de imaginário", explica o teólogo.

Thiago Vieira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), ressalta que, para muitos evangélicos, "Israel desempenha um papel central nos eventos proféticos do fim dos tempos". "Eles veem o retorno dos judeus à Terra Santa como um cumprimento das promessas e alianças bíblicas e uma preparação para a segunda vinda de Cristo", afirma.

Além disso, há uma ligação histórica e cultural entre Israel, o povo judeu e a fé cristã. "Eles [evangélicos] valorizam a preservação da herança judaica e reconhecem Israel como o lar espiritual e histórico do povo judeu", esclarece Vieira. Sobre esse mesmo ponto, Carvalho acrescenta: "Jesus é judeu, acabou. É simples assim."

Quanto ao atual Estado de Israel, Vieira recorda que cristãos em geral tendem a valorizar o fato de que se trata da única democracia do Oriente Médio e único lugar da região onde há liberdade religiosa. "Existe uma admiração com o compromisso de Israel para com os valores democráticos e a proteção da liberdade religiosa, especialmente em contraste com muitos de seus vizinhos", diz.

O vínculo dos evangélicos com Israel é reforçado por uma visão compartilhada de enfrentamento ao terrorismo e à intolerância religiosa em certos países. "Muitos evangélicos veem Israel como um aliado em uma luta compartilhada contra o terrorismo e o extremismo islâmico, especialmente vivenciados pelos cristãos na Janela 10/40", afirma Vieira. ("Janela 10/40" é uma expressão usada no contexto de missões cristãs para descrever uma área geográfica do mapa mundial que se estende do grau 10 ao grau 40 de latitude norte, abrangendo partes da África, do Oriente Médio e da Ásia. Esta região é considerada estratégica para as missões cristãs porque abriga alguns dos países com maiores populações não alcançadas pelo cristianismo.)

Outros gestos do governo Lula ajudam a sepultar a relação com evangélicos

Não só a declaração recente, mas diversos gestos ao longo do atual governo têm feito o petismo afugentar os evangélicos que ainda lhe podiam dar crédito, a começar pelo posicionamento em questões como ideologia de gênero e aborto.

Em janeiro deste ano, a mudança na legislação sobre cobrança de tributos de pastores também causou polêmica com grupos evangélicos e foi mais um elemento de separação.

A recente decisão de Lula de aumentar os aportes para a Agência das Nações Unidas para Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA), mesmo após o órgão ser acusado de colaborar com o Hamas, e a promessa de defender na ONU a criação de um Estado palestino, só serviram para ampliar a percepção de antagonismo com Israel e, por extensão, com os evangélicos brasileiros.

Para Carvalho, a questão de Israel "não chega a ser do mesmo nível que os costumes, mas chega perto, porque está na estrutura do imaginário social evangélico". "Há outras questões que não são assim. Por exemplo, essa questão que movimenta pastores sobre impostos e renúncia fiscal mexe com igrejas grandes, mas não tanto com as massas cristãs. Agora, a questão de Israel é de um outro nível", observa.

"Na visão típica evangélica, mesmo de igrejas que não são neopentecostais e que não adotam o sincretismo de misturar coisas do cristianismo protestante com o judaísmo, a salvação de Israel ainda precisa acontecer, e os cristãos têm que orar pelos judeus; mesmo não crendo em Jesus, eles ainda são, de alguma forma, como Paulo fala em Romanos, o povo de Deus. Isso está na corrente sanguínea [dos evangélicos]", complementa.

Por isso, Carvalho acredita que aquele projeto imaginado pela esquerda de criar pontes com evangélicos para arrebatar eleitores da direita, inclusive apelando à promoção pública de pastores com viés esquerdista, já pode ser sepultado.

"Essa elite mais secularizada que está representada na grande imprensa, que chamo de 'elite GNT', tinha, até as eleições, a ilusão de mostrar um pastor de esquerda, um cara de esquerda que falasse que era pastor evangélico, porque isso mexeria com os sentimentos dos evangélicos. Mas eu acho que, a esta altura, todo mundo sabe que isso é uma farsa. Quem curte esses evangélicos são geralmente pessoas de esquerda não evangélicas. Eles são mais uma caixa de ressonância da própria elite. Fazem diferença quase zero", comenta.

Sobre o motivo pelo qual Lula e o PT teriam decidido abandonar de vez a tentativa de aliciamento político de evangélicos, Carvalho ainda não tem uma resposta. "Estou tentando entender o governo ainda, mas suspeito que eles tenham ficado desanimados com a ideia de construir uma aproximação com os evangélicos, ou estejam desenhando alguma estratégia que não foi revelada ainda. E, do lado evangélico, eu acho que agora os crentes vão levantar o antissemitismo do governo até Jesus voltar. Agora já era."

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