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Quando o herói grego Ulisses naufragou em sua longa jornada de volta ao lar, após vencer a Guerra de Troia, quis o destino que aportasse na deslumbrante ilha de Ogígia. Lá encontrou a bela ninfa Calipso, que logo se apaixonou pelo náufrago. Ulisses, contudo, guardava em seu coração a saudade de sua amada esposa, Penélope, que o esperava paciente em Ítaca. A deusa Calipso, então, o aprisionou com a sedutora promessa de imortalidade, juventude eterna e prazeres incontáveis. Tudo se aceitasse ficar com ela para sempre.

Era uma oferta tentadora, sem dúvida: trocar as incertezas e atribulações de uma vida efêmera pela eternidade do paraíso terreno. Mas a proposta escondia um ardil. Ao homem inexoravelmente estão reservados sofrimento, frustrações, perdas. Tentar fugir das contingências humanas, lançando-se de cabeça no desfrute dos prazeres e na crença da felicidade absoluta, não é somente um inútil engano. É ocultar a verdadeira natureza da vida.

Mas a sedutora ninfa de Ulisses era mestre na arte de lançar um véu sobre a realidade. Por sinal, no grego clássico a palavra "calipso" significa "esconder", "encobrir", "ocultar". É o oposto de "apocalipse" – a "revelação". Este termo, aliás, virou sinônimo de fim do mundo com o livro bíblico de João, no qual o profeta antecipa os momentos derradeiros da humanidade. A revelação trazida pelo armageddon da Bíblia vem na forma dos quatro cavaleiros: a peste, a guerra, a fome e a morte – as tragédias humanas, enfim. Mas o livro do Apocalipse também é o anúncio da redenção dos homens bons.

Nestes dias em que se fala do calendário maia, ainda que num tom jocoso, é possível tirar algumas reflexões sérias sobre a discussão do término dos tempos. Porque o mundo moderno vive como se não houvesse fim, seduzido pela ânsia de encontrar o paraíso na terra. Consumismo, hedonismo, sucesso, dinheiro. Chamem do que quiserem. Mas são a Calipso contemporânea.

Ulisses permaneceu um longo tempo – sete anos – gozando da plácida felicidade de Ogígia e dos encantos da sedutora ninfa. Mas havia algo que o incomodava: a lembrança de Penélope. E, mesmo sem saber se sua mulher ainda o amava, lançou-se ao incerto. Deixou Calipso e voltou à humanidade. Libertou-se. E continuou sua odisseia para lutar por algo que valia a pena: o amor verdadeiro – aquele que não é só prazer, mas também sofrimento. Foi recompensado. Penélope ainda o aguardava em Ítaca.

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