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Juristas consideram inconstitucionais as decisões do ministro Alexandre de Moraes.
Juristas consideram inconstitucionais as decisões do ministro Alexandre de Moraes.| Foto: STF

Condenado há oito anos e nove meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na última quarta-feira (20), o deputado Daniel Silveira tem sido alvo de diversas decisões questionáveis da Corte desde o ano passado. Juristas e analistas apontam exageros, manobras jurídicas e mesmo ações inconstitucionais na trajetória da Corte, que culminou na condenação de Silveira. Foi justamente esse argumento – o de que o Supremo agiu de forma contrária à Constituição – que o presidente usou para conceder a Daniel Silveira perdão pelas penas impostas pelo STF.

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Silveira foi condenado por 10 dos ministros do Supremo - André Mendonça também votou pela condenação, mas a uma pena menor, de 2 anos e 4 meses no regime aberto, com multa de R$ 91 mil. Apenas o ministro Kassio Nunes Marques voltou pela absolvição. O deputado foi considerado culpado por dois crimes: coação no curso do processo, ou seja, “usar de violência ou grave ameaça contra alguma autoridade, a fim de favorecer a interesse próprio num processo judicial ou policial”; e também por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”.

O que deu início à série de ações do STF foi um conjunto de vídeos publicados por Silveira em suas redes sociais entre o fim de 2020 e início de 2021. Em um deles – que acabou levando o deputado à cadeia por ordem direta do ministro Alexandre de Moraes – Silveira disse que várias vezes imaginou Edson Fachin levando uma “surra” na rua. O parlamentar chamou o ministro de “moleque”, “menino mimado”, “mau caráter”, “marginal da lei” pelo fato de Fachin ter protestado contra uma postagem do ex-comandante do Exército, Eduardo Villas Boas, em 2018, a favor da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em vídeos posteriores, o deputado usou palavras de baixo calão para se referir aos integrantes do STF, faz acusações de que eles venderiam sentenças, acusou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de fraudar as eleições, entre outras afirmações. Mesmo questionáveis, segundo juristas, essas declarações são protegidas pela imunidade parlamentar, prevista no artigo 53 da Constituição, pelo fato de Silveira ser deputado federal.

Veja a seguir esse e outros pontos que indicam ilegalidade no processo do STF contra Silveira.

Imunidade parlamentar

De acordo com o artigo 53 da Constituição, “os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Isso significa que, independentemente do que expressem por meio de palavras ou de votos, os parlamentares não podem ser criminalizados durante o exercício de seus mandatos.

O artigo constitucional não especifica em quais cenários essa imputabilidade se dá. Com a palavra “quaisquer” indica-se qualquer situação, seja a de discursos proferidos dentro do ambiente legislativo quanto ao ambiente privado e, por extensão, nos meios de comunicação e redes sociais. No caso de Silveira, seriam os próprios deputados a abrir um processo contra ele, se entendessem que ele quebrou o chamado “decoro parlamentar”.

A Câmara dos Deputados, assim como outras casas legislativas, possui um código de ética específico que deve ser seguido pelos parlamentares. Casos de omissão ou descumprimento são julgados pela Comissão de Ética da Câmara e podem culminar na cassação de mandato. Por causa dos vídeos, Daniel Silveira foi alvo de uma representação no Conselho de Ética que em 7 de julho do ano passado recomendou a suspensão do mandato de Silveira por seis meses.

“Prisão de ofício”

Outro ponto controverso foi a prisão de Silveira por ordem direta do ministro Alexandre de Moraes. Segundo o mesmo artigo 53 da Constituição, “os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”.

Em 16 de fevereiro do ano passado, Silveira foi preso por ordem do ministro Alexandre de Moraes, que justificou sua decisão afirmando que o parlamentar estaria em "infração permanente" ao ter disponibilizado o vídeo em suas redes sociais, e que, por isso, poderia ser preso em flagrante. O Código de Processo Penal prevê em seu artigo 303 que há "infrações permanentes", isto é, que não se dão só em um dado momento, mas se perpetuam no tempo. Moraes utilizou esse dispositivo para usar a expressão “flagrante permanente” para vídeos publicados na internet.

Na época, o jurista Ives Gandra da Silva Martins, que participou das audiências públicas da Assembleia Nacional Constituinte em 1987 e 1988, disse em diversas entrevistas que a interpretação de que se poderia fazer a prisão antes da comunicação à Câmara era equivocada. “O ministro teria que pedir autorização para a Câmara dos Deputados para prender o deputado, como a Constituição determina. Sem autorização do Congresso, insisto, ele não poderia mandar prender, por manifestação, um deputado, que é inviolado em suas manifestações. Isso, a meu ver, pode representar cerceamento da livre expressão dos deputados”, afirmou ao O Antagonista.

Outro ponto importante foi o que o pedido de prisão foi uma iniciativa do próprio Moraes. Não houve provocação de órgãos como a Procuradoria-Geral da República (PGR) ou da Polícia Federal, como ocorre normalmente. A prisão feita dessa forma – por iniciativa direta de um magistrado – costuma-se chamar de “prisão de ofício”. Apenas depois disso é que a PGR apresentou uma denúncia ao STF contra Silveira.

Lei revogada

Também na tentativa de configurar um crime inafiançável, Moraes citou artigos da Lei de Segurança Nacional, da época da ditadura militar. Os itens da lei usados falavam em “tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito” e “de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social”. Como explicou o professor de Direito Constitucional André Borges Uliano à Gazeta do Povo, Moraes fez uma interpretação forçada da lei.

“Em primeiro lugar, houve um enquadramento forçado em delitos contra a Segurança Nacional a fim de contornar o fato de que o Código de Processo Penal só admite as medidas cautelares mais severas a delitos graves. Em segundo lugar, houve a ficção de flagrante e um contorcionismo jurídico para enquadrá-lo inafiançável, visto que esse é o único caso em que cabe prisão em flagrante contra parlamentares”, afirma Uliano.

A Lei de Segurança Nacional acabou revogada  em setembro do ano passado, mas as acusações contra Silveira foram mantidas. Na sentença proferida pelo STF, Silveira acabou condenado com base na lei 14.197, promulgada em 1 de setembro de 2021 em substituição à legislação da época da ditadura.

Ampla defesa

Um dia antes do julgamento de Silveira, Alexandre de Moraes negou seis pedidos feitos pela defesa do deputado. Além disso,  Moraes classificou de má-fé as requisições do advogado de Silveira, Paulo Faria, e aplicou multas que chegam a R$ 10 mil reais. "Considerada a interposição de sucessivos recursos manifestamente inadmissíveis, improcedentes, ou meramente protelatórios, com objetivo de postergar o julgamento de mérito desta Ação Penal, fixo multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) em desfavor do advogado", diz em mais de uma das decisões.

Moraes negou pedidos de extinção da pena de Silveira, da possibilidade de o investigado dar entrevistas, de participar de eventos sociais e usar redes sociais. Em publicação no Twitter o advogado lembrou que a defesa do ex-presidente Lula chegou a enviar 400 recursos em uma ação. "O que os advogados do Lula têm que eu não tenho? Eles fizeram mais de 400 recursos, e não soube que tomaram qualquer multa. Alguém poderia explicar?", perguntou.

Já no dia do julgamento, o advogado chegou a ser impedido de entrar por não apresentar o comprovante de vacinação contra Covid-19. Ele acabou liberado após fazer um teste rápido e comprovar estar sem a doença. Já o réu, Daniel Silveira, foi barrado do tribunal devido a uma resolução da corte que permite a entrada no plenário apenas de advogados, ministros e seus auxiliares e procurador-geral da República. Todo réu possui o direito constitucional de acompanhar o próprio julgamento, mas isso não foi aplicado ao caso de Silveira.

Vítima, promotor, juiz e executor

Outra ilegalidade patente no caso de Silveira é o fato de o STF ter assumido diferentes papeis ao mesmo tempo. A Corte foi responsável tanto pelo julgamento, com pela acusação de Silveira. E até por investigá-lo, se se levar em conta que o chamado inquérito das fake News, foi aberto pelo próprio STF em 2019 para investigar supostos ataques aos ministros, inclusive os vídeos de Silveira.

Além disso, os vídeos do deputado tinham como alvo direto os ministros e o próprio STF, tornando a Corte também a vítima dos supostos crimes. A separação entre essas instâncias, investigação, acusação e julgamento é necessária para que a sentença seja feita com base em fatos, sempre obedecendo o que diz a Constituição e o ordenamento jurídico, e impedindo que as sentenças acabem sendo instrumentos de vingança ou represália.

Multa e bloqueio de contas

Em 1º de abril, a maioria dos ministros referendou a aplicação de multa diária de R$ 15 mil a Daniel Silveira, além do bloqueio de todas as suas conta bancárias, para forçá-lo a colocar a tornozeleira eletrônica. O parlamentar se recusava a instalar o equipamento para ser monitorado, por considerar que a medida afetava o exercício de seu mandato e, por isso, deveria ser autorizada pela maioria dos deputados federais, como ocorre em caso de prisão.

Para alguns dos principais penalistas do país, a Corte criou uma inovação, em matéria penal, não prevista na legislação. A medida também chamou a atenção dentro do Ministério Público que, até o momento, não via essa possibilidade. Procuradores ouvidos pela reportagem estranharam a decisão e consideram que esse precedente questionável poderá agora ser aplicado a qualquer pessoa.

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