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Um dia acontece: você acorda, parece uma manhã igual às outras, mas não é. Você sente em poucos minutos, ao colocar os pés para fora da cama, que será um dia difícil. A ansiedade avança e domina cada gesto seu. O café não tem gosto. A granola parece doce demais: você perde um tempo sem fim lendo o texto da caixa, com aqueles desenhos coloridos idiotas, atrás de uma pista qualquer, mas tudo que encontra são informações inúteis, desencontradas e, provavelmente, mentirosas. Nada a fazer com elas. E o leite, desnatado por recomendação médica, desce na alma como um remédio insosso. Tudo é de uma banalidade absurda – você tenta arrancar alguma coisa deste nada que avança com os minutos, mas a cabeça vazia parece imóvel no tempo.

Um banho! Banhos são cerimônias purificadoras, uma vez você leu, sem acreditar. Ou pelo menos não acredita agora, quando recebe aquela ducha no rosto, primeiro fria (de propósito, para ver se acontece alguma coisa, mas a única coisa que acontece é a sensação quase mortal do gelo cortando a pele) e depois quente demais, o que provoca um redemoinho de culpas pelo consumo absurdo – quantos baldes jogo em mim mesmo, enquanto no interior do Maranhão as pessoas choram por um copo d’água? Não é só isso – você avança no raciocínio e no sabonete, com a volúpia da culpa: o gás, o desperdício de tudo, todos os dias! Por que essa luz acesa às oito da manhã!?

Mas nada disso resolve: você continua vazio, a culpa é de mentira, você não vai tirar nenhum proveito dela, a banalidade prossegue se arrastando com a sua sombra preguiçosa. Agora o trabalho de colocar os sapatos nesses pés que estão gelados na manhã curitibana. O frio! Isso: o frio, o frio rende muito! Mas nem isso: a temperatura subiu! Você olha pela mesma janela que há 20 anos apresenta a você exatamente o mesmo mundo enquadrado – e absolutamente nada pode ser arrancado desta repetição sem graça, exceto, talvez, o céu hoje surpreendentemente azul, mas mesmo esta beleza súbita não provoca nada além de um tédio. No frio, pelo menos – você se diz, mas o raciocínio para aí, porque você esqueceu o que ia dizer. Sôfrego, você abre o jornal, desesperado atrás de um fio qualquer que você possa aproveitar, escapando do instante presente, mas tudo que você vê são os círculos do inferno de Dante com aqueles políticos todos de sempre – o que eu posso extrair daí? Esperançoso, vai à página esportiva, mas as notícias dão aquele desgosto redobrado, o mundo está perdido – e agora não tem saída mesmo. Você larga o jornal, olha o teto, dá alguns passos a esmo, e no desespero liga o computador, onde brilha a assustadora página em branco: aconteceu mais uma vez, o instante de terror, sempre à espreita – você não tem saída.

O cronista, sem assunto, sente vergonha pela decepção de seus agora cinco leitores, diante daquele nada em 2.856 toques.

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