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O que une uma freira de 97 anos, um médico de 34 e uma estudante de 17? Uma história centenária. Irmã Belém, dr. José Rocha Faria Neto e Luísa Berthier fazem parte do quadro de ex-alunos e alunos do Colégio Nossa Senhora de Sion, que completa hoje cem anos em Curitiba. Foi no Sion que os três começaram a traçar seus caminhos: Maria Josefina Monteiro Franco optou pela vida religiosa – se tornou irmã (o termo usado pela congregação é mère) Belém; Faria Neto pegou gosto por novos conhecimentos – virou pesquisador; e Luísa deu os primeiros passos no magistério – faz estágio na pré-escola e sonha se tornar professora de Biologia. São três entre milhares de curitibanos formados pelo colégio. Hoje, as duas sedes da escola na capital somam 1.700 alunos.

Quando a pequena Maria Josefina entrou para o então internato feminino, o Sion vivia dias de comemoração. "Era 1918, a guerra tinha recém terminado, o clima era de festa", descreve a freira, lembrando seus 9 anos. Trajava um uniforme composto por camisa com gola de renda, saia xadrez bem abaixo do joelho, complementado por uma cruz de madrepérola e fitões (fitas para serem usadas sobre a roupa) de honra, conquistados à custa de bom comportamento e desempenho escolar exemplar. Tempos em que aulas de polidez faziam parte do currículo e que uma simples conversa na fila era motivo para ser taxada como aluna má comportada. "Havia um rigor terno, a gente se dobrava com gosto. A maior honra era poder exibir os fitões de melhor aluna", diz a irmã Belém.

A escola em que Belém estudou não funcionava na bem instalada sede do bairro Batel. Ficava em um banhado, onde hoje é a Praça Santos Andrade. As condições da região afetaram a saúde das religiosas vindas do Rio de Janeiro. Quando as mortes por febre-amarela se tornaram constantes, elas fizeram as malas e foram embora. Não fazia dois anos que Maria Josefina estava na escola. "Foi uma choradeira só. Nunca esqueci o que elas fizeram por mim, tanto é que me tornei freira por causa das irmãs do Sion. Eram mães de verdade. Quando trovejava muito à noite, eu chorava de medo. A responsável pelo meu alojamento segurava a minha mão até eu voltar a dormir", relembra. Demorou 20 anos para que freiras voltassem a Curitiba, em endereço novo.

Abertura

Vários fitões foram distribuídos e meninas coroadas (ganhavam coroas douradas, como reconhecimento da dedicação) no Sion de Curitiba até que uma jovem freira mineira, recém-chegada da França, trouxesse ao colégio uma série de mudanças. Irmã Cristina, quatro décadas à frente da direção do Sion, veio para Curitiba em meados da década de 50, disposta a implantar na escola o método de ensino montessoriano, baseado na estimulação sensorial, autoconfiança do aluno e disciplina com liberdade de expressão. Nada que comportasse classificações das estudantes com honrarias. Na década de 60, quando o Segundo Concílio do Vaticano incentivou a abertura das escolas aos pobres, o Sion deixou de ser um colégio exclusivamente feminino. "Abrimos a escola para alunos carentes do colégio São Francisco de Paula, que era misto, não podíamos deixar os meninos de fora", explica irmã Cristina. Foi também o fim das saias no uniforme. "Trabalhamos muito com os alunos sentados no chão, com meninos na turma não havia como manter o uso da saia", diz a diretora.

Amizade

O Sion ainda era uma escola de grande maioria feminina, na década de 80, quando Faria Neto entrou para o quadro de alunos. "Como éramos poucos, havia amizade até entre os garotos de séries diferentes. Somos amigos até hoje", conta o médico. Cardiologista com mestrado, doutorado e pós-doutorado, ele diz que foi no colégio que tomou gosto pela leitura e passou a se preocupar em dar o melhor de si, sem comparações com o melhor dos colegas. "Essa formação mais humana é um grande diferencial da escola. Não há uma busca por notas altas. Ela não prepara para provas, mas para a vida", avalia Faria Neto. Foi essa tradição, diz ele, que o levou a escolher para a filha de um ano e oito meses a mesma escola em que um dia sua mãe estudou. "Já estamos na terceira geração da família na escola. Minhas quatro irmãs também estudaram aqui e hoje, além da minha filha, duas sobrinhas são alunas."

Estudante do terceiro ano do ensino médio, Luísa não pretende deixar a escola tão cedo. "Cursei o magistério e pretendo continuar como professora do Sion", afirma. Está na escola desde o maternal. "Até brinco que aqui é mais minha casa do que minha própria casa", diz ela. A jovem se sente tão acolhida pelos professores quanto um dia irmã Belém se sentiu. De uniforme menos formal do que o usado nos tempos da freira – uma blusa de moletom, com um discreto símbolo da escola e calça jeans – ela vive uma época mais parecida com a de Faria Neto, com uma diferença: os meninos deixaram de ser minoria, somam metade do quadro de alunos.

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