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O ministro Alexandre de Moraes, responsável pelo bloqueio do Telegram em todo o país.
O ministro Alexandre de Moraes, responsável pelo bloqueio do Telegram em todo o país.| Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

A suspensão do aplicativo Telegram em todo o Brasil, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) durou pouco mais de dois dias até ser revertida. Mas as consequências da medida não devem se desfazer tão cedo. A decisão do ministro Alexandre de Moraes afetou milhões de usuários da plataforma e abriu as portas para outras ações semelhantes por parte do Judiciário.

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Ao determinar o bloqueio do Telegram no país, na última sexta, o ministro do STF afirmou que a companhia, fundada por um russo e com sede em Dubai, havia se recusado a cumprir determinações anteriores dentro do chamado Inquérito das Fake News. Em especial, o Telegram não havia acatado a ordem de excluir o perfil do fundador do canal Terça Livre, Allan dos Santos, um dos investigados no inquérito.

Na tarde deste domingo, o ministro do STF afirmou que o Telegram havia acatado as determinações judiciais e removeu a suspensão. Apesar disso, advogados ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam que a medida, desproporcional e com bases jurídicas frágeis, consolida um precedente perigoso.

Para o advogado Aécio Flávio Palmeira Fernandes, especialista em direito constitucional, a suspensão completa do aplicativo não é nem razoável nem proporcional, já que é fruto de um único processo — o que tem Allan dos Santos como alvo. “Razoabilidade e proporcionalidade devem embasar toda e qualquer decisão judicial. A decisão tomada pelo ministro peca quanto aos dois requisitos”, diz ele. Na avaliação de Fernandes, o fato de a decisão ter sido tomada por apenas um ministro, em vez dos onze membros do STF, torna o caso ainda mais grave.

Além disso, o próprio fundamento legal citado por Moraes — o Marco Civil da Internet — não se sustenta, na avaliação do advogado. “Os dispositivos da lei, em especial o artigo 19, devem ser aplicados com o intuito de ‘assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura’. O caso em concreto é justamente o contrário”, afirma.

Professor de Direito e mestre em Processo Civil, Paulo Antonio Papini acrescenta que nem mesmo a justificativa de que o Telegram é amplamente usado por criminosos poderia motivar um bloqueio total da ferramenta. “Tem bandido que fica dentro do presídio usando celular para dar golpe nos outros. Vamos proibir a Claro, a Vivo, a Oi de funcionar no país inteiro?”, indaga ele, que recorre a outra comparação: “Você vai usar uma bomba termobárica em cima de uma comunidade para matar um traficante? É isso que o STF fez”.

A advogada Isabela Bueno, presidente da ANPAC (Associação Nacional de Proteção da Advocacia e Cidadania), também chama atenção para a falta de razoabilidade na determinação do ministro do STF. “A decisão de Alexandre de Moraes, além de não atingir o fim que ela diz almejar, atinge diversos direitos de outras pessoas que não são partes da investigação da Polícia Federal. Muitas dessas pessoas utilizam o Telegram para trabalhar. Não há a menor razoabilidade nisso”, diz ela — que, assim como Fernandes, critica o uso do Marco Civil da Internet para justificar a suspensão do Telegram. “O parágrafo citado pelo ministro trata de direito à privacidade, intimidade, honra e imagem. Essa norma não diz que se pode suspender um aplicativo como o Telegram”, afirma.

Isabela ressalta ainda que, embora o caso atual seja mais grave por envolver um ministro do STF, o bloqueio do Whatsapp já foi determinado por juízes quatro vezes em 2015 e 2016. “Os precedentes foram criados quando houve o bloqueio do Whatsapp em 2015. E com a decisão nova, a situação só vai se agravar. Daqui a pouco vamos ver juízes de primeira instância adotando essa postura e a censura vai se tornar uma prática da Justiça”, alerta. Papini, por sua vez, lembra que, quando o Whatsapp foi bloqueado em todo o país, a medida não se sustentou por muito tempo: “A reação de toda a comunidade jurídica era de que aquela era uma aberração jurídica, e as decisões foram cassadas”, lembra ele, traçando um paralelo entre os casos da época e o bloqueio do Telegram.

Mesmo juristas que concordam com os fundamentos jurídicos da decisão admitem que a proporcionalidade da medida é debatível. “Há total fundamento técnico para essa decisão. Há um descumprimento contumaz de ordens judiciais já há algum tempo. O que se discute é a proporcionalidade e os efeitos laterais do cancelamento, como o problema das pessoas que ficaram sem a conexão”, afirma Renato Opice Blum, advogado especialista em crimes digitais. Para ele, o caso do Telegram pouco difere dos bloqueios do Whatsapp em 2015 e 2016. A discussão, tanto agora como na época, envolve a proporcionalidade. “Será que o prejuízo das pessoas que ficaram sem utilizar compensa esse tipo de bloqueio?”, indaga ele, afirmando que essa se trata de uma questão ainda em aberto, gerada pelo fato de que, juridicamente, o debate ainda é recente.

Crise institucional

Além de abrir as portas para novas medidas semelhantes, a decisão de Alexandre de Moraes reforçou a constatação de que, para os atuais ocupantes do STF, existe muito pouco que eles não possam fazer. “O Poder Judiciário no Brasil, por meio da decisão de alguns Ministros do STF se revestiu do papel de ‘Poder Moderador’, nas próprias palavras do Ministro Dias Tofolli”, diz Aécio Flávio Palmeira Fernandes.

Outra consequência é o aumento da tensão entre o STF e o Executivo. O presidente Jair Bolsonaro afirmou que a decisão não tem amparo legal. Uma das determinações feitas ao Telegram pedia que a empresa apagasse uma mensagem postada pelo presidente e que conteria um inquérito protegido por sigilo judicial. O canal mantido pelo presidente no aplicativo tem mais de 1 milhão de inscritos. Por não interferir no conteúdo publicado (como o fazem Twitter, Instagram e Facebook) e por permitir a formação de grupos maiores do que os de Whatsapp (onde o limite é de 256 pessoas), o Telegram se transformou na plataforma preferida de Bolsonaro para se comunicar com sua base.

Antes que o bloqueio do Telegram fosse revogado por Alexandre de Moraes, a Advocacia-Geral da União chegou a apresentar uma medida cautelar contestando a decisão do STF. Mas, na melhor das hipóteses, a interpelação seria julgada pelos próprios ministros do STF — com pequenas chances de vitória para o Executivo. “A crise institucional já foi criada pelo STF com o inquérito 4781, o chamado Inquérito das Fake News. Sem agravar uma crise institucional, o governo não teria como passar por cima de uma decisão como essa do caso Telegram”, diz Papini.

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