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Ministros do STF
Plenário do STF.| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Nas últimas semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem trazido a julgamento diversas pautas de costumes, como o aborto em casos de zika vírus, a doação de sangue por homossexuais e a presença de símbolos religiosos em prédios públicos. Isso tem contrariado a previsão inicial para este ano, de que menos pautas do tipo seriam julgadas pelo tribunal.

A inclusão de temas tão polêmicos na agenda do STF em plena crise do coronavírus tem motivado críticas aos ministros. O grande interesse público de certos temas justificaria que eles não fossem pautados agora, quando muitos setores da sociedade estão impedidos de se manifestar.

Especialistas entrevistados pela Gazeta do Povo já criticaram, por exemplo, a inclusão de um tema tão sensível como o do aborto em casos de zika vírus em meio a uma pandemia causada por outro vírus. Críticos dos ministros do tribunal sugerem que eles estariam aproveitando o momento para acelerar o julgamento de pautas com viés progressista.

Coronavírus forçou mudanças na agenda, diz STF

A assessoria do STF afirma que a pandemia forçou mudanças na agenda, o que justifica a grande diferença entre o plano inicial para este ano e o que está sendo pautado na prática.

Os julgamentos do plenário presencial praticamente só têm abordado temas relacionados à Covid-19 desde que voltou a se reunir. O plenário virtual, por sua vez, teve uma ampliação de suas competências. A pandemia fez com que o STF aumentasse as hipóteses de julgamento em sessão virtual, por uma decisão administrativa tomada em março.

Com isso, o plenário virtual passou a julgar muito mais casos. Todos os processos de competência do tribunal podem, a critério do próprio relator do processo, ser submetidos a julgamento em âmbito virtual.

Isso inclui até julgamentos de maior relevância, como recursos com repercussão geral reconhecida. Relatores passaram a pautar alguns temas segundo seus próprios critérios. O presidente do STF, o ministro Dias Toffoli, deixou de concentrar essas decisões.

Essas mudanças são temporárias, mas ainda não há um prazo para que elas deixem de valer.

Parte dos juristas afirma que mudanças na pauta do STF são naturais

Para alguns especialistas entrevistados pela Gazeta do Povo, as mudanças na pauta do STF são comuns, e se tornam mais frequentes em momentos de crise. Mas a opinião não é unânime, já que outro estudioso aponta que o contexto do agendamento parece estratégico e sugere a intenção de dificultar uma mobilização social.

“Essas mudanças são naturais na pauta. Você teve uma situação excepcional agora, que é o coronavírus. Toda aquela previsão acabou ficando para trás”, diz Pierpaolo Bottini, doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP).

Mesmo na dinâmica anterior à pandemia, em que o presidente do tribunal decidia os temas que entrariam na pauta, não seria incomum uma alteração de última hora na agenda do STF.

“Tem uma série de situações que surgem e fazem com que a pauta seja modificada. A pauta não é rígida. Ela fica à disposição do presidente, e ele decide o que está maduro ou não para julgar”, afirma.

Acácio Miranda, especialista em direito constitucional, diz que o presidente do STF tem mais liberdade para mudar a agenda que os próprios presidentes da Câmara e do Senado.

“O regimento interno da Câmara, e o capítulo da Constituição que dispõe sobre processo legislativo, estabelecem uma série de prazos. O regimento interno do Supremo, e o capítulo da Constituição que dispõe sobre o Supremo Tribunal Federal, não preveem tantos prazos. Então, o Supremo tem uma liberdade ainda maior para isso”, explica.

Miranda afirma ainda que o Supremo tem querido bater de frente com o Poder Executivo e que os ministros, muitas vezes, “fazem uso dessa pauta para darem um recado” ao presidente da República.

Já para o professor Antonio Jorge Pereira Júnior, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), o momento escolhido para pautar temas relacionados aos costumes, com o julgamento sobre o aborto, o surpreendeu.

“O que mais me chamou a atenção no caso desta ação não foi nem tanto o objeto dela, mas, de certa forma, o aproveitamento do contexto de uma pandemia, em que está todo o mundo isolado, sem poder se manifestar”, afirmou Pereira, em entrevista concedida à Gazeta do Povo, em 17 de abril.

Resultados de julgamentos ainda não escancaram um viés

Apesar de temas polêmicos terem sido pautados e de o STF mostrar tendência progressista em pautas de costumes nos últimos anos, os resultados de julgamentos das últimas semanas ainda não deixam claro esse viés.

No julgamento que discutia descriminalizar o aborto em casos em que a gestante tivesse contraído o zika vírus, os ministros rejeitaram, por unanimidade, o julgamento de mérito da ação. Com a revogação do principal ponto questionado pela Medida Provisória 894/2019, que instituía pensão vitalícia a crianças com microcefalia decorrente do zika vírus, a ministra Carmén Lúcia, relatora da ação, entendeu que houve perda do objeto da ação. O voto foi acompanhado pelos outros ministros da corte.

Em relação à presença de símbolos religiosos em prédios públicos, a decisão tomada até agora foi somente a aprovação da possibilidade de se julgar o tema. Segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a tendência do tribunal neste assunto é de ser contrário à proibição dos símbolos.

O caso da doação de sangue por homossexuais, tema menos polarizado entre os três mencionados, foi o único em que o viés progressista se manifestou no resultado do julgamento. O plenário do STF considerou inconstitucionais as normas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), previstas com base em estudos epidemiológicos, que proibiam "homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes nos 12 meses antecedentes" de doar sangue. O julgamento terminou em sete votos contra quatro.

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