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Marcia Tiburi aposta em paralelismos em seu novo romance | Divulgação
Marcia Tiburi aposta em paralelismos em seu novo romance| Foto: Divulgação
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Romance

Era Esse Meu RostoMarcia Tiburi. Prefácio de Regina Zilberman. Record, 208 págs., R$ 34,90.

Romance sobre o tempo, e consequentemente sobre a morte, Era Meu Esse Rosto (Record, 2012), de Marcia Tiburi, apresenta uma dissolução cronológica. O narrador volta permanentemente à sua infância passada no interior do Rio Grande do Sul, num mundo povoado por galinhas e por uma população de imigrantes, ao mesmo tempo em que vai para a Europa, visita museus e monumentos, pesquisando meio ao acaso arquivos sobre sua família. Tudo acontece paralelamente, há retornos e pequenos avanços de enredo, porque, como diz o narrador, "permaneço no fuso horário de minha origem" (p.69). Ele pode ter sete, dez, quinze anos ou ser adulto, prevalece uma paralisação de sensações, que faz com que ele patine sobre as experiências acumuladas num álbum com fotos esmaecidas.

Assim, não há propriamente evolução, com os estágios bem demarcados, da origem rural ao mundo contemporâneo, com suas viagens turísticas e sua busca de referências familiares, mas uma sobreposição de tempos, vozes e trajetórias. Tudo acontece num redemoinho, revivendo e destruindo os acontecimentos.

Para obter este efeito, Marcia Tiburi trabalha com paralelismos. A história acontece em duas cidades, ambas nomeadas apenas pela mesma inicial: V, que sugere também a palavra viagem. Tanto a V. europeia (Veneza) quanto a do Rio Grande do Sul (Vacaria) são espaços visitados pelo narrador, que vive fora e dentro desta latitude. Na sua história familiar, surgem gêmeos, e ele próprio se declara nesta condição, mais simbólica do que real, pois tem um irmão da mesma idade, sendo ambos filhos de um único pai, mas com mães diferentes. Este é, portanto, um conceito forte no romance, que encontra num dos muitos aforismos do avô (figura central dessa busca empreendida tanto no presente quanto no passado) uma possível explicação: "A vida é gêmea da morte" (p. 115).

Este narrador sofre uma experiência de orfandade que vai fortalecer a identificação com o avô, também marcado por uma perda na infância, no caso deste, muito mais forte, pois se sente órfão de um país e de uma história de grandeza que ele cultua por meio de uma figura imaginária (o Gattopardo), com quem dialoga.

Neste retorno em nome do avô à Europa, ele vai elucidar ou criar uma origem para ele, mas também para si mesmo. O narrador foi/é uma criança sensível, que desde sempre se especializou em "prender o tempo". Assim, o episódio definidor de sua identidade é o roubo da máquina fotográfica do tio. É como fotógrafo que ele viaja para registrar o ponto de partida de sua família, recolhendo cópias das coisas, pois a paisagem exterior existe para ele como imagem a ser guardada. Esta sua atividade profissional é uma extensão de sua própria condição de ser memorioso, que não consegue passar indiferente às experiências. Ele quer armazenar pessoas, convocando pelas imagens materiais (fotos) e pelas imateriais (recordações) tudo o que viveu: "As fotografias são esta morte que se pode guardar: imagens que apagam a vida enquanto a preservam. Pois o que seria a morte além de algo que se guarda condenado ao desuso?" (p.96).

Por meio de um processo dialético de prender e perder, de registrar e apagar, Marcia Tiburi constrói um belo romance desta nossa era da obsessão e do vazio fotográficos, um relato composto por imagens, frases e episódios que continuam emitindo luz enquanto vão se sucedendo. O eixo dele não é a trajetória familiar do narrador, mas o seu sentimento contraditório de reencontro com este gêmeo pretérito (pois consegue dar um rosto à criança que foi o avô) e de impotência (pois sabe que tudo está fadado ao esquecimento, mais cedo ou mais tarde), cifrando assim a própria condição contemporânea.

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