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Caixa com doses da vacina Coronavac, contra a Covid-19: primeiros lotes começaram a ser distribuídos aos estados pelo Ministério da Saúde na segunda-feira (18).
Caixa com doses da vacina Coronavac, contra a Covid-19: primeiros lotes começaram a ser distribuídos aos estados pelo Ministério da Saúde na segunda-feira (18). Imagem ilustrativa.| Foto: Gilson Abreu/AEN

A falta de insumos para as vacinas contra a Covid-19 afeta diretamente a produção tanto da vacina da Universidade de Oxford, que tem para produção no país a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), quanto a CoronaVac, que será produzida pelo Instituto Butantan. A Fiocruz vai atrasar a entrega das vacinas, devido à demora na chegada de insumos. O governo indiano chegou a divulgar que daria início à exportação de vacinas, mas que o Brasil ficaria de fora da lista de países contemplados. Mas o impasse foi resolvido e o Ministério da Saúde informou que a entrega de 2 milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca está prevista para sexta-feira (22).

De forma estratégica e imagino até chantagista, a China paralisou a entrega de insumos para o Brasil produzir a Coronavac, embora já tenha enviado inicialmente uma boa quantidade, mas insuficiente para atender a grande demanda existente no país. Até o momento, a CoronaVac e a vacina de Oxford são as duas únicas autorizadas para uso emergencial pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Vale lembrar que temos uma terceira opção oriunda da Rússia, com pedido de uso emergencial submetido para a Anvisa, a ser produzido pela empresa União Química. Mas o pedido foi negado, pois a documentação não atendeu “os critérios mínimos, especialmente pela falta de autorização para a condução dos ensaios clínicos fase 3, a condução em andamento no país e questões relativas às boas práticas de fabricação”.

Uma nação quando não possui autonomia em biotecnologia na área da saúde fica dependente das vontades alheias de outros países. As consequências negativas na condução da pandemia pela falta de ação prática dos agentes públicos foram claramente evidenciadas. Tais atitudes apresentaram consequências determinantes na vida da população e por conseguinte em nossa economia e assim, evidenciando o quanto estamos dependentes de tecnologias estratégicas externas.

A Índia e Coreia do Sul, entre outros países, entenderam isso muito bem alguns anos atrás e na pandemia estão conseguindo minimizar seus efeitos. O Brasil está em uma situação crítica, pois não tem conseguido nem reproduzir tecnologias que nos foram transferidas em razão da grande dependência dos insumos biotecnológicas essenciais para a reconstituição das vacinas. Temos que conciliar ciência e inovação e ambas têm gargalos crônicos que impedem o nosso desenvolvimento e soberania.

No Brasil, temos poucos grupos de cientistas trabalhando com temas relacionados a Covid-19 recebendo grandes recursos. Do outro lado, a grande maioria não consegue míseros centavos para aprovar um projeto de pesquisa. Está cada vez mais evidente que o monopólio continua na elite científica e estes em sua imensa maioria reinaram por décadas e sempre tiveram grandes dificuldades no trânsito entre pesquisa e inovação. Comprovando isso em nosso país nunca foi desenvolvido uma vacina inteiramente nacional na área humana.

E a perspectiva ainda é pior, pois alguns estudos têm apontado que a elite científica está se distanciando cada vez mais do cientista médio em algumas áreas do conhecimento. Após a pandemia, provavelmente a elite estará mais fortalecida e os demais estarão caminhando para uma vala comum em razão das estratégias segregantes adotadas na gestão científica. Apesar de possuir grande admiração por uma parcela destes gestores e saber da grande capacidade de nossos cientistas, não posso concordar que as coisas serão diferentes desta vez. Continuamos ainda em um oligopólio científico como nas décadas anteriores.

Apesar de inúmeras políticas de incentivos à inovação, o Brasil tem baixa produção de patentes e pouco investimento em P&D, principalmente no setor privado. Isso ocorre porque a maior parte dos incentivos acaba sendo absorvida por um número pequeno de grandes empresas. De fato, temos poucas empresas de base nacional. Além disso, os governos têm fornecido diversas formas de proteção e subsídios para essas grandes empresas, o que desestimula a concorrência e a adoção de práticas de gestão atuais.

Por fim, o país tem carência de capital humano adequado para essa finalidade, pois a educação básica é fraca. Além disso, o número e a qualidade de graduados atuantes profissionalmente nas áreas científicas é limitado por ser muito pouco atrativo para empreender ou mesmo para ser absorvido pelo mercado de forma satisfatória.

Esses fatores explicam em sua maioria a falta de inovações no Brasil. Para aumentar a taxa de inovações e da produtividade, o país precisa estimular a concorrência, com redução de tarifas de importação e impostos, diminuição da burocracia para abertura e gestão de empresas. Além disso, é fundamental melhorar a qualidade da educação básica, estabelecer colaborações entre as universidades, institutos de pesquisa e empresas coordenando nossos esforços de inovação em meio a um ambiente de liberdade econômica.

Ainda falta muito para que tenhamos um país autônomo em biotecnologia aplicada em saúde. Se com a pandemia não revertermos essa situação apresentada, realmente não haverá mais o que fazer em prol de um futuro saudável.

*Dr. Carlos Roberto Prudencio

Pesquisador Científico, Centro de Imunologia. Instituto Adolfo Lutz, São Paulo, SP

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