Vocabulário
Algumas palavras se adaptam à frase ou ao contexto, mas, em resumo, há um dicionário caiçara todo próprio. Conheça algumas expressões usadas pelo pessoal das ilhas do Litoral paranaense:
Intiruma: puro ou em jejum
Munturo: lixo
Taveve: cinzas
Vanzero: onda, marola
Sanananga: molenga, mole
Alemarde: grande
Batelão: canoa
Tipumã: espuma
Refega: rajada, força (de vento, mar)
Panapaneando: perambulando, borboleteando
Argures: por aí
Pinchando: jogando
Ta safo?: Ok? Entendeu?
Talhar: terminar
Banzé: bagunça, barulho
Trabuzana: trovoada, tempestade
Pamona: pirão
Malemar: mais ou menos
Estar fiuza: estar na aba de alguém, de outra pessoa
Ciando: ciúme
Sargo: vagabundo
Emborcado: virado
Alauza: bagunça
Luzerna: fogo
Rafado: com fome
Cunhenho ou revesgueio: de lado
Pitoco: pelado
Bebidas
Cachaça, melado e muita lenda
Nas festas de fandango, além da dança e comida farta, não podia faltar uma boa bebida para animar a noite. De Guaraqueçaba veio a Cataia, infusão de pinga com folhas de cataia, chamada de uísque caiçara. De Paranaguá, mais precisamente do Valadares, nasceu a Mãe Ca Filha, mistura de cachaça branca com melado de cana, em uma referência à origem das duas, que são derivadas. O morador Eloir Paulo Ribeiro de Jesus, conhecido por Poro, diz que aprendeu a receita da bebida com mestres fandangueiros da Ilha dos Valadares e que hoje produz para as festas da região, com rótulo personalizado e tudo o que se tem direito.
Misturar um quarto de melado com três quartos da cachaça é simples, conta ele, mas a diferença está no ritual. "A gente faz no terceiro dia de lua minguante. Vamos até o mangue, às 5 horas da madrugada, com uma garrafa vazia, para pegar três estalos de tambarutaca (espécie de crustáceo que vive no mangue e produz um som seco). Seguramos a boca da garrafa para não escapar os estalos e vamos até um galo: assim que ele canta, prendemos também o primeiro canto dele. Depois tem que chegar perto de um cão sarnento e prender um latido. Aí, basta misturar a cachaça e o melado", brinca Poro em tom de provocação, pois em Mandicuera o que não falta é lenda.
"Hoje eu tava rafado inteiro, intiruma na hora da ovura, dai talhei uma alemarde pamoná de ventrecha de guiri que até fiz rechego. Bateu uma lombeira que fiquei sanananga (*)." Para entender a frase dita pelo artista plástico Aorélio Domingues de Borba, 34 anos, só mesmo passando uma tarde no Ponto de Cultura Casa Mandicuera, na Ilha de Valadares, bairro de Paranaguá.A associação, fundada por Aorélio e por Eloir Paulo Ribeiro de Jesus, esse último conhecido como Poro, de 45 anos, reúne um pouquinho de toda a tradição caiçara do Litoral paranaense: a religiosidade da Folia do Divino, a cultura popular do Boi de Mamão e do fandango, as comidas típicas do caboclo e, principalmente, toda a simpatia do povo caiçara. Claro, sem esquecer do linguajar especial, que mistura palavras indígenas com vocabulário arcaico e neologismos, tudo isso carregado de sotaque.
A Casa Mandicuera fica no final da Rua 49, com uma vista privilegiada do Rio dos Correias, conhecido como Mar de Lá, e uma decoração que lembra um eterno bloco de carnaval pelo colorido das paredes, pelos bonecos do Boi de Mamão espalhados pelo quintal, telhados e árvores, pelo artesanato e imagens de santo, além dos tecidos de chita usados na decoração das mesas.
Fandango
Fundada em 2004, a associação nasceu para difundir a cultura local, aprendida com os mais velhos por meio de oficinas, projetos e uma grande ajuda da internet. "A gente sempre fala que os mais novos têm o direito de não gostar do fandango, mas eles têm o dever de conhecer e saber que faz parte da identidade do povo", explica Poro. Entre as diversas formas que o grupo encontrou de disseminar essas tradições, está a gravação de curtas-metragens que contam, por exemplo, algumas lendas locais, como a do Pé Redondo.
Em Mandicuera também são fabricados os tradicionais instrumentos usados no fandango, como a viola, o adufo (uma espécie de pandeiro) e a rabeca (instrumento parecido com um violino). Aorélio diz que aprendeu a confecção com o avô, que hoje dá nome à marcenaria do lugar, Rodrigo Domingues. "Ele era rabequista, nascido em Guaraqueçaba. Comecei dando uma ajuda, lixando a madeira. Ele morreu quando eu tinha apenas 12 anos. Nessa época eu já tinha aprendido a fazer os instrumentos", conta.
Liberdade
Apenas Poro e Aorélio moram na associação, mas a casa está sempre cheia. Os irmãos Denis e Adriely Lang, de 23 e 22 anos respectivamente, passam mais tempo em Mandicuera do que na casa dos pais, no bairro Santos Dumont, na "cidade", como chamam o lado de lá da ponte dos Valadares. "Eles moram pela metade. Trabalham, visitam a mãe, e voltam. Aqui é bem livre mesmo", brinca Aorélio.
Tem quem venha de mais longe ainda, como a bióloga Roberta Hering, de 30 anos, de Niterói, que trocou a folia do carnaval do Rio de Janeiro para passar o feriado na cidade litorânea. Roberta conheceu o grupo em uma mostra de dança no Rio, em 2010. "Lembro do dia em que eles chegaram ao salão, com os instrumentos, todos arrumados para uma apresentação. Sabe quando você se reconhece? Comecei a ouvir o som do fandango, puxei papo e, no final da festa, já estava no grupo", conta.
No final da mostra, a niteroiense arrumou as malas e partiu com eles para conhecer Mandicuera. Permaneceu cerca de uma semana e, desde então, já voltou três vezes. "No final do ano, quero retornar para fazer um projeto ambiental e ficar. Me encontrei aqui, brinco que é o efeito Mandicuera".
Serviço: o Ponto de Cultura Casa Mandicuera está na Rua 49, Sete de Setembro, Ilha dos Valadares Paranaguá. Telefone: (41) 3425-5275 e site: www.mandicuera.com
*Tradução livre: "Hoje estava morrendo de fome, sem ter comido nada na hora do almoço, daí acabei com um enorme prato de pirão da barriga de bagre guiri até ficar entalado. Bateu uma preguiça que fiquei molenga."
Romarias ajudam até nas reconciliações
Entre o domingo de Páscoa até o Pentecostes, Aorélio Domingues de Borba, Eloir Paulo Ribeiro de Jesus (Poro) e um grupo de amigos visitam, por cerca de um mês, as casas das comunidades vizinhas para a romaria do Divino Espírito Santo. Passam, com a bandeira do Divino, viola, rabeca e adufo pelas comunidades de Superagui, da Ilha das Peças, de Vila Fátima, Sebuí, Abacateiro, Barra do Ararapira, Ilha Rasa e da própria Ilha dos Valadares.
Já são 12 anos de romaria, que se diferenciam de folias feitas em outras regiões pela aproximação com cada família visitada. "A gente sai de alvorada às 6 horas e termina às 18 horas, que é o período do Divino Espírito Santo. Em cada casa, quando a gente entra, toca a chegada, com versos diferentes conforme o ambiente, a família ou o santo de devoção da casa", conta Poro. O mesmo ocorre na despedida. "É folia boa. Durante a romaria acontecem coisas maravilhosas, como reconciliações entre parentes. São fatos que dão um gás para continuar", diz Poro. A festa do Divino é realizada após a romaria, para comemorar o dia em que o Espírito Santo desceu do céu sobre os apóstolos de Cristo.
Em Mandicuera há ainda o Museu Capela do Divino Espírito Santo, aberto ao público para visitação das 6 às 18 horas.
Pé Redondo
Reza a lenda litorânea que o diabo aparece nos bailes de Fandango para dançar com as moças bonitas. Há histórias sobre uma das festas em que a casa afundou com todos os fandangueiros dentro e que, até hoje, ouve-se batidos dos tamancos no terreno.
Lendas
Além do Pé Redondo, o vídeo mostra algumas outras lendas contadas na região litorânea pelos caiçaras.
Veja outros vídeos no site:www.mandicuera.com
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