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Uma das coisas mais frustrantes da democracia é a sensação de que a população não tem real controle sobre o que os poderosos fazem. A impressão quase perene é de que a população vota a cada dois anos e depois fica meramente de espectadora, vendo governos e legisladores abusando de nossa paciência. Vemos desmandos, ficamos sabendo de corrupção, acompanhamos votações arrancando os cabelos para que algumas coisas não sejam aprovadas, mesmo sabendo que serão.

A todas essas, a pergunta que sempre surge é: mas o que fazer? Eles estão lá, nós aqui, e a única possibilidade de intervir é na eleição. Aí vem a próxima eleição e o sujeito que foi denunciado, com todas as provas expostas na imprensa durante meses é reeleito... E aí começa a aparecer cada vez mais gente descrente da democracia.

Um dos pontos positivos do embate a que acabamos de assistir no Paraná é mostrar que a coisa não é bem assim. Antes é preciso ressaltar: os pontos negativos foram vários. O governo levou as finanças ao fundo do poço, abusou das propostas impopulares e, como se não bastasse, usou de violência física contra manifestantes que protestavam contra essa forma de governo.

De início, parecia que as coisas iam seguir o roteiro usual. Os deputados governistas compraram o script vendido pelo Palácio Iguaçu e fizeram de tudo para seguir as instruções do poder que realmente manda: o Executivo. Chegaram a entrar em um caminhão do Choque para poder evitar a fúria da população e se submeter aos interesses do governo. Só desistiram de aprovar a primeira proposta de reforma da previdência por medo físico: falando claramente, estavam à beira de apanhar em praça pública.

Depois, piorou. Os deputados aceitaram a situação vexatória – mais, assombrosa – de votar a segunda proposta de reforma da previdência enquanto mais de 200 pessoas eram feridas a bombas de gás e balas de borracha na Praça Nossa Senhora da Salete. Chegaram ao fundo do poço da falta de sensibilidade com a vontade popular. E a população se perguntava, como sempre, mas e o que fazer? Se nem o protesto de milhares parou a votação, o que pararia?

Aí veio o terceiro ato da história. E o roteiro começou a mudar. Os deputados tão aferrados ao governo tiveram de enfrentar a seguinte situação: de um lado, parte do governo, intransigente, dizia que não tinha como dar qualquer reajuste ao funcionalismo. Outra parte, pensando que era preciso agir politicamente, oferecia uma reposição parcial da inflação e confirmava que o resto seria perdido – para sempre.

Do outro lado, porém, dessa vez, estavam mais de 100 mil pessoas organizadas. Isso contando só os professores. Somando todos os servidores, o número dobra. E os funcionários usaram seu poder de pressão. Para alguns, foram igualmente intransigentes. Mas o fato é que conseguiram algo absolutamente inusitado: que os próprios deputados governistas se recusassem a obedecer cegamente ao governo.

O resultado foi que os deputados, ao invés de negociar só com o Executivo, como sempre fazem, e a portas fechadas, tiveram de negociar às claras. E com toda uma categoria. Perceberam que o enfrentamento não lhes renderia o risco de violência física, mas custaria o que lhes é ainda mais caro: o emprego público que garante tudo do bom e do melhor.

Pode ser que o resultado da negociação não tenha sido o que os professores queriam. Mas é preciso perceber que algo inaudito ocorreu bem à nossa frente. Os políticos foram obrigados a deixar sua confortável situação de decidir tudo se lixando para a opinião pública e tiveram de gastar saliva e tempo para negociar.

A isso se dá o nome de democracia representativa.

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