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Pseudotransparência

Em 2012, nesta mesma época, foi publicado neste espaço que a Lei de Acesso à Informação foi o fato daquele ano, porque inaugurava uma nova cultura – a da transparência pública. Doze meses depois, ainda acredita-se que a Lei de Acesso foi realmente o fato de 2012. Entretanto, aquela nova cultura ainda não aconteceu. Os governantes resistem, os órgãos de fiscalização também. Basta um exemplo. A divulgação de salários de funcionários públicos do governo do estado, da Assembleia Legislativa e do Ministério Público é feita opondo-se uma série de obstáculos – quem quiser consultar precisa dar o nome e CPF.

Dessa forma, não é possível fiscalizar o cumprimento de jornada de funcionários públicos, não é possível saber quem são, onde estão lotados, o que fazem e quanto ganham.

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O cidadão é o guardião das instituições e tem o direito de fiscalizá-las. Ele pode reivindicar transparência de gastos e atos de gestores públicos. Pode também exigir o cumprimento da lei e da Constituição. Pode também decidir, em conjunto com seus concidadãos, o quanto a sociedade está disposta a arcar para manter as instituições funcionando, em especial, o quanto deve ser investido em remunerações de detentores de cargos políticos e a membros de poderes.

Esses direitos ficam ainda mais evidentes quando os órgãos de controle falham – por omissão ou incompetência – em cumprir com seu papel fiscalizador. Ao longo deste ano, diversos equívocos foram cometidos pelos órgãos fiscalizadores da lei, especialmente no que se refere à transparência pública e concessão de benefícios – como o vale-alimentação para membros de poder e como a tentativa, agora, de implantação de auxílio-moradia para magistrados.

Juízes, membros do Ministério Público, deputados, conselheiros de tribunais de contas e outros tantos servidores de estado devem receber bons salários precisamente para que as instituições funcionem com eficiência e retidão, auxiliando na construção de um país igualitário e democrático. O que não se pode é atropelar a Constituição Federal que, em seu artigo 39, § 4º, determina que "o membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI".

Qualquer lei que contrariasse esse dispositivo constitucional deveria ser invalidada. Decisões judiciais jamais poderiam ultrapassar o que diz o texto da Constituição. Mesmo assim, há normas e decisões judiciais que servem de base para pagamento de vale-alimentação para membro de tribunais de contas, do Ministério Público e do Judiciário. O Ministério Público e tribunais de contas deveriam ser os primeiros órgãos a apontar a inconsistência da criação desses benefícios contrários ao texto constitucional. Mas, no mais das vezes, o que se viu no país foi um esforço de se equiparar no recebimento de auxílio-alimentação, sob o fundamento de que deveria existir simetria entre as instituições – os benefícios de uma delas deveria valer para as outras também.

O projeto de auxílio-moradia do Tribunal de Justiça foi encaminhado para a Assembleia Legislativa sem especificar custos, sem explicitar quem serão os magistrados que terão direito ao benefício, sem demonstrar impacto financeiro. Se aprovado, certamente abrirá margem para que o Ministério Público e o Tribunal de Contas considerem também ter direito, embora a Constituição proíba pagamento de qualquer outra espécie remuneratória que não seja o salário. E será usado o princípio da simetria, que foi estabelecido no ordenamento jurídico não para concessão vantagens, ainda mais as indevidas, mas para que membros do MP e do Poder Judiciário pudessem exercer seus papéis sem um estar subordinado ao outro.

A criação dessa vantagem será um equívoco. Em casos como esse, em que os membros de poderes atuam de forma disfuncional, é dever dos cidadãos – de forma isolada, ou associados – guardar a Constituição e zelar pelas instituições. E, no próximo ano, uma boa estratégia certamente será a de observar atentamente as decisões dos deputados estaduais, na Assembleia Legislativa. Os cidadãos podem definir o voto a partir da posição que tomarem não só no projeto de auxílio-moradia, mas em todas as demais propostas votadas nos três anos anteriores de mandato. O voto, em 2014, é a melhor arma para acabar com quaisquer abusos contra as instituições.

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