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Chorei, com dias de atraso, pelo pequeno Aylan Kurdi e por todos os filhos que se vão nas barbáries do nosso mundo. Evitei o quanto pude ver a imagem dele morto em uma praia turca – sim, vivemos em mundo em que as notícias e imagens chegam a todo momento e de todo lugar, mas é possível, para a maioria de nós, evitar cenas fortes e chocantes. Desviei do noticiário, ignorei as redes sociais. Mas, deparando-me com um texto sensível na Gazeta do Povo sobre o ocorrido e a foto feliz dele ao lado do irmão, Galip, foi impossível dar de ombros.

Quis ficar alheia, talvez por sensibilidade demais. A esta altura da vida, sei das coisas com as quais não posso lidar. Tragédias com crianças, por exemplo. O ofício de jornalista, felizmente, nunca me levou a esmiuçar histórias do tipo. A lida do dia a dia é mais técnica, cheia de números e análises.

Mas não só isso.

Quis ficar alheia, talvez por covardia. Diante de tal desgraça, o que falar, como ajudar? Que tipo de informação pode fazer alguma diferença? O problema não é só a acolhida (ou falta dela) dos refugiados e migrantes nos demais países que podem oferecer melhores condições de vida. O principal problema é a origem. São os conflitos monstruosos que assolam vários países asiáticos, africanos, e para os quais pouco pousamos os olhos.

É assunto deveras complexo para tecer alguns soltos comentários. E falta coragem para aprofundar o conhecimento sobre territórios tão castigados pela bestialidade humana. Mais fácil silenciar, então.

Ou não.

Em respeito a Aylan e Galip, e tantas pessoas que nem conseguiram fazer a travessia para sair de um território oprimido qualquer, é preciso falar sobre o assunto. Falar sobre os milhares de indivíduos que deixam o país onde nasceram em busca de condições melhores de vida. Segundo a Agência de Refugiados da Organização das Nações Unidas, 59,5 milhões de pessoas foram forçadas a se deslocar por causa de guerras em 2014, 22 milhões a mais do que em 2005. A Síria de Aylan e Galip é a que teve o maior número de deslocamentos internos no ano passado (7,6 milhões) e de refugiados (3,8 milhões).

No geral, as crianças de 0 a 14 anos não representam uma parcela tão grande nos movimentos migratórios. Em todo o mundo, foram 10,1% do fluxo em 2013. A faixa etária de 25 a 34 anos representou 20,6%. Mas, considerando apenas os países mais pobres, as crianças somaram 23,1% dos migrantes; a faixa de 15 a 24 anos, 20,9%; e a de 25 a 34 anos, 20,8%, segundo estatísticas do Global Migration Group.

Esta é uma realidade já conhecida, mas foi o triste fim dos meninos sírios – e a imagem tão chocante – que fez o mundo acordar para o problema dos refugiados e migrantes. O primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, recuou da posição que tinha até então e se comprometeu a acolher mais pessoas vindas de áreas de conflito, cerca de 20 mil até 2020. A Alemanha, mais uma vez, assumiu a liderança na Europa e planeja conceder asilo a 800 mil pessoas. A solidariedade comoveu o povo alemão, mas não só. Questões econômicas e práticas também estão por trás disso. A população da Alemanha está envelhecendo e diminuindo, e os migrantes podem garantir a força de trabalho jovem e o consumo para mover o país para frente.

Mas uma das iniciativas mais ousadas não partiu de um país, mas de uma pessoa. O multibilionário egípcio Naguib Sawiris anunciou que quer comprar uma ilha na Grécia ou Itália para abrigar os refugiados da Síria. A proposta foi feita no dia 4 e, no dia 8, em entrevista à Bloomberg, ele disse que não houve resposta dos países ainda. O entrevistador perguntou se era uma forma de chamar a atenção para o assunto ou se era uma oferta real. Sawiris disse que é para valer. Ele lembrou que quando os primeiros migrantes chegaram nos Estados Unidos precisaram construir suas casas, escolas e iniciar suas lavouras. Ele gostaria de fazer o mesmo agora. Ele estima que seu plano custará US$ 100 milhões. Entretanto, há outras barreiras burocráticas e relacionadas à soberania nacional que podem minar as intenções de Sawiris.

Com as reações que se sucederam à morte dos meninos sírios, vê-se que há condições políticas e econômicas para garantir a qualidade de vida de refugiados e migrantes nos países acolhedores. É mais uma questão de decidir fazer. O mais complicado mesmo é atacar a raiz do problema, e atacar aqui é usado no sentido figurado, porque a maioria dos conflitos sociais hoje existentes têm origem em conflitos armados do passado.

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