“Zé Eduardo não tem a sensibilidade para perceber que ele está me colocando numa posição difícil. Ele não utilizou nada de governo para defesa do banco, mas de qualquer forma é a mulher de César”, disse o ex-presidente Fernando Henrique.| Foto: DIVULGAÇÃO/DIVULGAÇÃO

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso escreveu em um diário sobre seu período na Presidência (1995-2002) que, em março de 1996, ajudar o banco Bamerindus poderia colocá-lo numa posição difícil.

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Os relatos estão no primeiro dos quatro volumes do livro “Diários da Presidência” (Companhia das Letras), que chega às livrarias no dia 29 e detalha o cotidiano do poder nos primeiros dois anos do governo FHC, entre 1995 e 1996. Trechos do primeiro volume foram publicados na edição deste mês da revista Piauí.

Pai de Beto Richa propôs o Parlamentarismo

No mesmo volume em que FHC revela a conversa com Andrade Vieira, o ex-presidente conta que conversou, em março de 1996, com o então senador José Richa (ex-governador e pai do atual governador do Paraná, Beto Richa, morto em 2003) sobre o parlamentarismo.

“Estive com o Richa, passei para vê-lo na casa do Zé Lírio [José Lírio Ponte Aguiar, lobista], depois o Richa veio aqui, pedi que viesse. Richa não quer sair do Paraná. Propôs uma coisa que me é simpática, de que discutíssemos a questão do parlamentarismo outra vez. Eu pretendo, em 1997, abrir a questão política e institucional. A mim não me vai nada mal que não se discuta reeleição agora. O que eu queria em 97 é fazer uma reforma política e, francamente, já tenho pensado em repor a questão do parlamentarismo com uma Presidência forte. É muita tarefa, como eu tenho registrado aqui, a de ser ao mesmo tempo chefe de governo e chefe de Estado”, contou o ex-presidente Fernando Henrique.

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De acordo com um dos trechos do diário, no dia 21 de março de 1996, o então presidente FHC se reuniu com o senador paranaense José Eduardo de Andrade Vieira, morto em 2015, e que na época ocupava o cargo de ministro da Agricultura. Andrade Vieira também era dono do Bamerindus, o quinto maior banco do país naquele ano.

“Queria registrar que na quinta-feira, 21 de março, tive uma longa conversa com Zé Eduardo. Ele disse que acha que vai conseguir botar adiante o banco dele vendendo a Inpacel [Fabrica de papel controlada por Andrade]. Estou preocupado. Porque se o banco tiver algum problema, vamos ter que fazer intervenção, Raet [Regime de Administração Especial Temporária, aplicado pelo Banco Central a instituições financeiras em dificuldades] com um banco de um ministro, como fica isso? Zé Eduardo não tem a sensibilidade para perceber que ele está me colocando numa posição difícil. Ele não utilizou nada de governo para defesa do banco, mas de qualquer forma é a mulher de César”, disse o ex-presidente.

Caso Bamerindus

Além de proprietário do Bamerindus, Vieira de Andrade, também conhecido como Zé do Chapéu, se elegeu senador e chegou a ministro por duas vezes. Na imprensa, comprou um dos mais tradicionais jornais do Paraná, a Folha de Londrina. E na agricultura tocou suas fazendas até o fim da vida.

A ida para o banco foi, segundo o próprio Andrade Vieira, um “acidente de percurso”. Nascido em Tomazina, no interior do Paraná, José Eduardo era integrante de uma família numerosa. Em 1981, aos 43 anos, um avião que levava boa parte da família caiu, matando dois dos irmãos. Um outro irmão havia morrido seis meses antes. Restaram José Eduardo e quatro irmãs (entre elas a empresária M aria Christina Andrade Vieira, falecida em 2011), e ele acabou assumindo o banco.

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O período de maior destaque e a queda financeira vieram em seguida, e o próprio Andrade Vieira não conseguia deixar de suspeitar que as coisas estivessem ligadas. Em 1992, quando estava no segundo ano do mandato de senador obtido em 1990, numa disputa contra Tony Garcia, foi chamado por Itamar Franco para o ministério.

Durante alguns meses, chegou a acumular duas pastas: a da Indústria e Comércio com a da Agricultura. Em 1995, já com Fernando Henrique na presidência, voltou a ser ministro da Agricultura.

A queda viria dois anos depois, com a intervenção federal no banco da família. Fundado pelo pai de José Eduardo, o empresário Avelino Vieira, o banco tinha se firmado entre os maiores do país. “Em câmbio, chegou a ser maior que o Banco do Brasil”, orgulhava-se o banqueiro. No entanto, a empresa passava por dificuldades financeiras e, em 1997, o mesmo governo Fernando Henrique que tinha colocado o paranaense no primeiro escalão, determinou sua derrocada.

A intervenção foi seguida da venda do banco e dos ativos para o britânico HSBC. José Eduardo nunca perdoou o que considerou uma traição do então presidente. Primeiro porque ele achava que o banco tinha condições de se recuperar. Segundo, porque, segundo o ex-proprietário, os ativos foram vendidos “a preço de banana”. E terceiro porque José Eduardo nunca tirou da cabeça que Fernando Henrique tinha lhe tirado o banco porque ele estava ficando forte demais.

“Até para presidente da República eu cheguei a ser cogitado. Por isso que o Fernando Henrique fez a intervenção. Por medo de eu concorrer com ele. Com a intervenção no banco, obviamente afetou minha credibilidade e eu fiquei sem recursos para qualquer coisa”, desabafaria quinze anos mais tarde ao jornal O Estado de S. Paulo.

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Politicamente, a venda do Bamerindus significou o fim de José Eduardo. Terminado o mandato de senador, ele nunca mais se candidatou a nada. Continuou nos negócios com a Folha de Londrina, mas nunca voltou também à área econômica. No dia a dia, pouco ia à sede do jornal, em Londrina, e preferia passar os dias na Fazenda da Capela, em Joaquim Távora, onde cuidava do gado.