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A sociedade brasileira, tão condescendente com os políticos corruptos, funcionários públicos peculatários e grandes fraudadores do fisco (aqueles que com suas ações subtraem criminosamente os recursos necessários para a implementação de políticas sociais públicas, como saúde, educação, habitação etc.), volta-se novamente, pela manipulação ideológica que sofre, a transformar as crianças e adolescentes em “bodes expiatórios” da situação de insegurança por todos experimentada (mesmo que os atos infracionais correspondam a cerca de 8% do total dos crimes ocorridos no país e menos de 1% daqueles praticados com violência).

Continuamos no topo da lista dos países com maior desigualdade social. Não se cumpriu o comando constitucional no sentido de realizar auditoria da nossa dívida pública, conforme estabelece o art. 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal de 1988. Isso implica no permanente comprometimento do orçamento da União, em mais de 41% (equivalente a cerca de um trilhão de reais), para o fim de pagar os serviços da dívida, que não se sabe sequer se é legal.

Por outro lado, os agentes políticos já condenados por improbidade administrativa, assim como “mensaleiros” e “sanguessugas” de todas as espécies, são reeleitos e, por isso mesmo, os orçamentos públicos devem contemplar recursos para atender aos interesses dos financiadores das campanhas eleitorais.

Nesse contexto de tragédia, padecem especialmente, pela sua condição de vulnerabilidade, a população infanto-juvenil, sem vez nem voz na nossa sociedade e distantes da proteção integral enunciada na Constituição Federal.

Pior, aqueles que deveriam estar garantindo, com prioridade absoluta, os direitos prometidos às crianças e adolescentes no ordenamento jurídico (na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente) transformam-se agora em seus algozes para agradar a equivocada opinião pública e bradam palavras de ódio e vingança contra as crianças e adolescentes.

Convém, então, como forma primária de prevenção à chamada delinquência infanto-juvenil, aproveitar de forma positiva a mobilização popular em curso para, via garantia dos direitos fundamentais, construir com políticas públicas (e não com o direito penal) verdadeira ponte de ouro entre a marginalidade e a cidadania (reconhecendo-se que, mesmo sem existir um inerente vínculo entre pobreza e criminalidade, alguns adolescentes experimentam condições reais de vida tão adversas, insuperáveis pelos meios tidos como legais ou legítimos, que acabam mesmo e infelizmente impulsionados no sentido da criminalidade).

Em outro aspecto, levando-se em conta que os adolescentes são pessoas em peculiar fase de desenvolvimento marcada por crise determinada pela complexa passagem do mundo infantil para o adulto, vale lembrar que o Estatuto da Criança e do Adolescente já prevê resposta, de caráter socioeducativo, para a prática de atos infracionais. Não é contemplada qualquer regra que possa ser traduzida em “garantir impunidade” aos adolescentes, tanto que, para os casos mais graves, estabelece inclusive medida privativa de liberdade. Além da submissão do adolescente autor de ato infracional ao Estatuto da Criança e do Adolescente, prevista no art. 228 da Constituição Federal, que constitui cláusula pétrea (portanto, insuscetível de modificação por emenda constitucional), tem-se que as medidas socioeducativas objetivam o resgate social do adolescente e não a sua entrega definitiva para o mundo da criminalidade.

A opção pela diminuição da imputabilidade penal (para 16 ou 14 anos de idade) importará exatamente nisto: ao invés de oportunidade para vir a desenvolver sua potencial sociabilidade (e construir projeto de vida afastado da criminalidade), o adolescente (inclusive aquele autor de delitos sem gravidade) acabará completando seu processo de formação na promiscuidade da penitenciária de adultos. Ele conviverá com a violência física, psíquica e sexual, tornando-se ainda mais revoltado e violento, quando não passando a integrar organizações criminosas (ou seja, sendo devolvido depois à sociedade um cidadão de pior categoria de que quando ingressou no sistema).

Tendo a indignação como elemento propulsor ao aprimoramento de nosso processo civilizatório e escrevendo com as tintas da fraternidade melhores páginas para nossa infância e juventude (especialmente no que se refere à concretização de seus direitos fundamentais), por certo estaremos todos contribuindo para o alcance, o quanto antes, do objetivo fundamental da República Federativa do Brasil: o de ver instalada uma sociedade livre, justa e solidária.

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