- Naturalidade: São Paulo -SP
- Currículo: livre-docente pela Faculdade de Direito da USP. Graduada e doutora em direito pela mesma universidade. Autora de diversos livros, entre os quais: Os Fundamentos do antitruste, O direito comercial brasileiro: da mercancia ao mercado ,Teoria geral dos contratos comerciais, O Estado a empresa e o contrato, em co-autoria com prof. Eros Roberto Grau.
- O que está lendo: Nudge, Richard H. Thaler, Cass R. Sunstein
- Autor que a inspira: Tullio Ascarelli
- Nas horas vagas: gosta de viajar, sair com os amigos e ficar com os filhos
O combate ao truste evoluiu muito no Brasil na última década, segundo a professora titular e chefe do Departamento de Direito Comercial da USP, Paula Forgioni. De acordo com ela, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) conseguiu implementar uma cultura em que hoje as empresas estão cientes da legislação comercial e se a estão cumprindo ou não. A professora esteve em Curitiba para participar das comemorações dos 15 anos da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) e concedeu uma entrevista ao Justiça & Direito. Paula também falou sobre o projeto do novo Código Comercial que, na opinião dela, pode ser desastroso. A pouca presença feminina em cargos mais altos do mundo de direito, como desembargadoras, chefes de departamento nas faculdades e sócias de grandes escritórios, é outro assunto que incomoda Paula. Ela defende que a sociedade discuta mais o espaço que as mulheres têm e que as próprias mulheres assumam a responsabilidade de competir por posições de mais destaque.
Qual o efeito da nova Lei Antitruste no Brasil? Sua aplicação está sendo eficaz?
Está funcionando bastante. A gente vem de um período, até 2004, em que a aplicação da Lei Antitruste era bem restrita apenas aos casos de concentração econômica. Foram poucos os casos que deram problema, como Kolynus-Colgate, por exemplo. Para concentração, tinha uma aplicação maior, mas terminava nisso, era praticamente um órgão burocrático, eram poucas as práticas. Depois de 2004, começou uma política muito sistemática de combate a cartéis. E o que foi feito no espaço de 10 anos é impressionante. Não é à toa que o Cade ganhou uma série de prêmios, porque realmente eles conseguiram difundir essa cultura da concorrência. Hoje em dia, quem faz cartel sabe que está fazendo coisa errada. Não havia essa consciência da ilicitude, pelo contrário, os cartéis, os acordos entre empresas, eram até incentivados pelo governo, era uma questão de política pública. E hoje isso não ocorre mais, se você faz um cartel, sabe que está fazendo coisa errada. As penalizações têm sido bem severas.
Quais outras mudanças a nova lei trouxe?
Uma coisa que mudou com a nova lei é que, para empresas envolvidas no cartel contestarem as decisões do Cade, elas precisam fazer um depósito de garantia para conseguir discutir em juízo e as multas são muito altas. Está tendo um efeito muito forte, tem muita gente reclamando das ações do Cade, que os processos não seriam conduzidos com tanta observação do contraditório e da ampla defesa porque depois para a empresa contestar no Judiciário é bastante caro. A gente começa a ver, nessa gestão, um pouco de aplicação em relação ao abuso de posição dominante. Então, tem alguns casos que são bastante interessantes. Um deles é o da SKF que condenou a imposição do preço de revenda, em contratos de distribuição. Outro interessante, o do programa de fidelização dos pontos de venda “Tô contigo”, da Ambev, em que a empresa foi condenada pelo Cade e ainda está em discussão pelo Judiciário.
Qual a sua opinião sobre o novo Código Comercial?
Acho que vai ser desastroso. Eu era a favor de um código por causa do fenômeno de reverberar. Pense, por exemplo, na boa fé. A boa fé sempre existiu no nosso sistema, mas pelo fato de ela estar no Código Civil ela reverberou, até demais, com os exageros, a gente sabe o que aconteceu no mundo dos contratos por causa da boa fé, a gente pode até contestar algumas decisões do STJ aplicando a boa fé de maneira exagerada. Pros princípios do direito comercial, seria muito bom esse efeito de reverberação que o Código traria e tem várias coisas que precisam ser acertadas. Mas, para fazer mais do mesmo, para complicar o que já está aí, é melhor deixar como está. Acho que o nível de insegurança, de imprevisibilidade que vai ser trazido por esse novo Código é altíssimo, não vale a pena.
O que é possível prever de desastroso?
Falando de uma maneira geral, os conceitos são imprecisos, a tentativa de solucionar problemas concretos não vai solucionar, vai trazer mais prejuízos do que benefícios. Parece que há um consenso daqueles que não estão envolvidos na redação do Código com relação a isso. Há um grande temor que, por uma pressão política do governo, isso venha a passar. É complicado porque jogos políticos a gente não pode controlar. Os custos por trás disso seria altíssimo.
Quais são as novas tendências do direito empresarial?
Eu acredito que a primeira coisa é a superação desse estereótipo extremamente privatista do direito comercial, que, aliás, não é nem do direito comercial, é da historiografia do direito comercial. Esse viés que você tem que não é mais isso. O direito comercial é um direito que formata o mercado. Então, você tem uma implementação de política pública por intermédio do direito comercial. Não é mais aquela coisa que se acreditava no século 19 e no começo do século 20 que seria um direito que brota da cabeça dos comerciantes e deixa solto, que a melhor coisa é isso, o menor nível de intervenção, uma coisa muito ligada à tradição liberal. E não é isso. É tudo menos isso. A gente está lidando com fluxo de relação econômica, com desenvolvimento. Então, precisa mudar essa visão do direito comercial, essa visão manualística, totalmente dissociada da realidade, pois não serve para nada a teoria da empresa nos anos 1940.
Você foi a primeira mulher a ser professora titular de direito comercial. Como é hoje o espaço para mulher na faculdade?
Fui a primeira professora mulher, em uma instituição em que não existe preconceito. O problema não está lá. O alunado é meio a meio. Mas porque para professor de direito empresarial – veja bem, eu estou na chefia [do departamento], então não podiam dizer que tinha discriminação – por que de 18 candidatos apenas duas eram mulheres? As meninas estão estudando, o que acontece? Qual é o funil? Se o preconceito não está lá, está onde? Tem uma professora que deu a seguinte sugestão que pode ser verdade: para a gente, a academia é a terceira atividade, a gente tem família, tem escritório. Então, o que falta é modelo [na academia], de uma mulher que trabalha, que tem filho, ainda são poucas. Nos tribunais é impressionante. Porque elas não sobem se estão lá fazendo a carreira? Nesses lugares existe alguma coisa. Cadê essa mulherada? Elas entram meio a meio, porque tem tão pouca desembargadora? É uma coisa que a gente precisa começar a discutir. Ninguém vai deixar de pedir um parece para mim porque eu sou mulher. Mas quantas pareceristas você tem? É pouca mulher, gente! Nos grandes escritórios, são raríssimas as mulheres que fazem carreira e têm filho. Me parece que mais do que preconceito é uma concorrência terrível. A mãe tem que levar filho no médico, vai fazer o que? Aí os outros aproveitam para puxar o tapete. Caberia à sociedade ajudar a mulher nisso, mas não tem ajuda nenhuma. Ou se tem outra mentalidade, ou vamos voltar para casa para lavar e passar.
Pela sua experiência, como as mulheres podem levar a carreira dentro desse contexto?
Esqueçam a culpa. A culpa parece que é uma coisa que conforta. “Ah! Deixei meu filho”. Às vezes, vai até ser bom para ele. Tem quem use as crianças como desculpa. Você é responsável pela sua vida. Se você fizer uma opção por não seguir carreira, a opção é sua, não é dos seus filhos. Isso precisa ficar claro. Hoje é em dia, é extremamente possível e gratificante. Está na hora de a gente pensar: a sociedade vai continuar assim? Parece que numericamente a coisa não está correta. Se nós somos mais da metade nas faculdades, o que acontece que depois nós não somos professoras titulares, não viramos desembargadoras? São poucas as ministras. E não é mais uma questão de geração. Não se pode pensar que não existe essa diferença, porque ela existe. Pode até não ser fruto de preconceito, mas de uma estrutura social.
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