No glorioso dia 3 de março de 2016, este escriba foi submetido a um forte desafio: o de fazer o discurso de paraninfo na cerimônia de formatura da turma do 5º ano diurno da Faculdade de Direito da UFPR. Uma novidade na minha vida, que em muito me emocionou – razão pela qual reitero a minha perene gratidão aos alunos que me agraciaram com esta indevida homenagem. Abaixo, segue o texto que orientou o discurso.

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“Faulkner dizia que a pequena chama acesa no meio da noite escura só serve para ver com mais claridade quanta escuridão existe ao redor dela. A literatura faz isso, mas não me parece pouco. Ilumina zonas de sombra ou penumbra e sem ela as pessoas nem se dariam conta de que essas zonas existem. Não explica o mistério, mas nos ajuda a dar conta de sua magnitude. Se não houvesse a literatura, nem sequer saberíamos a dimensão do desconhecido, do enigmático do mundo, do inexplicável de nossos comportamentos. É pouco e é muito. A ciência faz algo parecido, no fundo. Acreditamos que ela nos ilumina, mas sobretudo ela nos mostra zonas de sombra.”

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Em setembro de 2012, eu li uma entrevista do escritor espanhol Javier Marías, cujo trecho de maior intensidade eu acabo de recitar para os senhores. O impacto ela que me gerou, como estudante e como professor, foi imenso.

Por um lado, eu consegui imaginar o conhecimento humano como ele efetivamente é: uma pequena chama, acesa no meio da noite escura.

Por outro lado, conscientizei-me de que o que efetivamente conseguimos enxergar – aquilo que nos é revelado pelo conhecimento – não é a luz, mas sim parcela da escuridão, do imenso e maravilhoso mistério que nos cerca.

É claro que, num primeiro instante, a constatação do óbvio me gerou um desconforto, um desalento. Afinal, estudamos tanto, nos esforçamos tanto, para saber que nada sabemos? Qual a razão disso tudo?

Mas, como bem disse Javier Marías, isso significa, ao mesmo tempo, pouco e muito.

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Talvez seja pouco para quem se reserve a pretensão de conhecer o impossível, de desvendar o mistério. Mas essa tarefa é inglória. Para isso, para vencer esse grande enigma que é a vida e seus desafios, felizmente a chama é pouca. O mistério precisa persistir, para que continuemos a celebrar a luz que o conhecimento nos traz. E para que saibamos que, por mais que nos ilumine, a chama é sempre pouca diante desse maravilhoso mistério que é a vida.

Assim, caso nos apercebamos da nossa real dimensão perante o universo, essa pequena chama é imensa. Ela é muito – pois, ao mesmo tempo em que nos situa, ela permite que continuemos a incessante caminhada em busca do conhecimento.

Caminhada essa que teve início com os nossos pais; com os pais dos nossos pais; com os avôs dos nossos avôs – e por aí avante, até o início dos tempos. Caminhada que, assim espero, persistirá com os nossos filhos e com os nossos afilhados.

A chama, a luz que nos revela o tamanho da escuridão tem significado essencial para quem se dedica ao estudo e ao ensino – como o fizerem estes maravilhosos formandos de hoje, que muito se dedicaram durante cinco longos anos. A cerimônia de hoje é a prova de sua dedicação, de seu comprometimento, do seu envolvimento com o curso de Direito – e só quem passou por isto sabe do que estou falando.

Mas, vejam bem: ao nos revelar a imensidão do desconhecido, a luz oriunda do aprendizado também nos incentiva a permanecer estudando – e a persistir na revelação da descoberta que recebemos dos nossos pais e, faço votos, passaremos aos nossos filhos.

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Por isso são tão importantes os momentos como o presente, em que celebramos a luz que foi acesa ao longo de cinco anos de convivência. O curso de Direito da nossa centenária Universidade Federal do Paraná muito nos revelou.

Porém, talvez o seu significado mais intenso ainda seja o de nos levar a refletir a propósito do pouco que nos foi revelado. Isto é, o que desse imenso mistério, o que dessa magnífica escuridão, essa luz ilumina? Do que ela é feita? Quais são os incentivos que ela nos cria? O quanto de paixão existe nela? Em outras palavras, o que podemos sentir e viver de novidade em relação ao que antes havia em nossas vidas?

Pois eu posso lhes dizer que isso é muito.

Essa luz é feita de alguns dos assuntos mais importantes que todos nós vivemos nos dias de hoje. A nossa Faculdade de Direito, o curso efetivado pelos formados de hoje, com certeza pôs a claro várias questões decisivas para que possamos compreender parcela da escuridão que se coloca ao nosso redor.

Destas questões, de colorido intenso, três merecem ser destacadas: a primeira é a ética no exercício da nossa profissão; a segunda, o orgulho que devemos sentir por fazer parte da Universidade Federal do Paraná e a terceira, e mais importante, a humildade de saber que o conhecimento adquirido é só o primeiro passo numa incessante jornada pela vida afora.

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Em primeiro lugar, a ética no exercício da profissão. Qualquer que seja o destino a ser construído – advogados, juízes, promotores, professores, servidores públicos, empresários – qualquer um deles, todos devem ter em comum uma razão única, que pretendemos ensinar, aprender e exercitar em nossa Faculdade de Direito: a ética nas relações humanas, o dever moral de assumir condutas honradas, de respeito mútuo e honestidade recíproca.

Sem a valorização à ética, lamento lhes dizer, a luz nada revela nem ilumina coisa alguma. Sem ética, não há paixão pelo Direito. Sem ética na vida – pessoal e profissional – quem domina é a escuridão. Por isso a importância do nosso curso de Direito da Universidade Federal do Paraná, que não abdica do estudo da própria razão de ser das leis, dos advogados e dos tribunais. E só o fato de realizarmos essa condição já é muito, já é muitíssimo.

Porém, ainda assim, há mais.

Isso porque, em segundo lugar, é importante que tenhamos o orgulho de fazer parte da História da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná.

A grande satisfação que, com dignidade e altivez, devemos sentir por fazer parte de uma das melhores e mais prestigiadas instituições de ensino superior do Brasil. A nossa Faculdade de Direito e o nosso Programa de Pós-Graduação em Direito são referências institucionais de primeira grandeza, no Brasil e no mundo.

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Aqui nós nos importamos com o verdadeiro processo de aprendizagem universitária, que tem por objetivo incentivar o aluno a compreender o mundo à sua volta e torná-lo capaz de fazer mais coisas nele – e assim contribuir para que ambos, aluno e mundo, sejam mudados para melhor. A educação superior representa a rede de incentivos que permite aos alunos a aquisição de conhecimento que efetivamente os emancipe. E, nesta Faculdade, o objeto de estudo é lindo: estuda-se o Direito, que é o que de melhor o ser humano conseguir desenvolver para disciplinar as relações sociais. Trata da nossa vida, dos nossos relacionamentos – e, por que não dizer, da nossa felicidade.

Por isso que se pode afirmar, com bastante altivez, que esta Faculdade de Direito presta-se a ampliar as oportunidades da vida de seus alunos – em especial, espera-se, dos mais vulneráveis e dos menos agraciados pela sorte. Todos, em regime de igualdade, devem se conscientizar de que o aprendizado permite abrir novas portas existenciais – o estudo liberta.

Mas não se trata de liberdade sem responsabilidade; de um presente dos céus, de algo banal. Nada disso: todos nós, professores e alunos, precisamos transpor os contratempos do cotidiano e nos dedicar ao máximo. A dedicação de todos é exigência fundamental. O que vem reforçado pelo fato de estarmos numa universidade pública, financiada pelos impostos pagos pelos trabalhadores. Todos nós temos uma função social a desempenhar e altas expectativas a cumprir.

É legítimo, portanto, que nos orgulhemos dessa relação de pertencimento com a nossa Faculdade de Direito. Que nos sintamos honrados pelo fato de que desta escola pública nasceram alguns dos mais importantes juristas, do passado e do presente – exatamente como o são os meus queridos afilhados desta noite, que serão alguns dos mais importantes juristas do futuro. É só uma questão de tempo, de esforço e de comprometimento ético.

Talvez seja um exagero, mas creio que não seria demais chamar a atenção para o fato de que, hoje, a principal ação judicial em curso no Brasil conta com a atuação de filhos desta casa. Desde os estagiários do ministério público e os próprios membros da instituição, passando por advogados, juiz e desembargadores federais, até chegar ao Supremo Tribunal Federal. A ampla maioria dos profissionais que conduzem tal ação foram alunos – da graduação, do mestrado, do doutorado – e muitos deles são professores da nossa Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. Todos, cada um à sua moda, cada qual visando a exercitar a profissão cujos passos mais decisivos foram dados na nossa Faculdade, a se comportar de maneira exemplar, eticamente exemplar, com dedicação e comprometimento.

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São profissionais que um dia estiveram deste lado da vida, recém-formados e com um frio na barriga a respeito dos desafios que estavam por vir. Todos com a luz acesa da nossa querida Faculdade, a vislumbrar a imensa escuridão desse maravilhoso mistério que é o mundo do Direito. Todos ansiosos em enfrentar esse desafio. Logo, eu reitero: é uma questão de tempo, mas também e, sobretudo, de ética, de comprometimento e de dedicação.

Em terceiro lugar, mas não menos importante, para a nossa alegria e incentivo, eu devo lhes dizer que o desafio do estudo do Direito está sempre só começando.

Já se passaram os dias em que o sujeito se graduava num curso universitário e seguia para o trabalho, sem nunca mais voltar aos livros. Isso como se o conhecimento adquirido fosse estático, absoluto e perene, não-renovado. Como se a convivência no ensino superior fosse pautada unicamente pelos anos da graduação.

Hoje, felizmente, nós sabemos que o conhecimento é precário. Aquilo que nós aprendemos na Faculdade é vencido cotidianamente por esse sujeito implacável a quem chamamos de tempo. O resultado do estudo dura pouco: seis meses, um ano - dois no máximo.

Depois disso, aqueles como os que hoje recebem o grau de bacharel em Direito, todos com excelente base teórica, com consistente conhecimento daquilo que efetivamente é o Direito (com “d” maiúsculo), vão se sentir à vontade para ampliar a luz oriunda da chama acesa nos últimos cinco anos. Vão se sentir em casa ao voltar ao seu endereço nesta Praça Santos Andrade – seja para participar de eventos acadêmicos, seja para cursar o mestrado e o doutorado, seja para participar de núcleos de pesquisa, seja – por que não? – para nos dar aulas de Direito.

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Mas isso – prestem atenção – sem menosprezar o estupendo mistério da escuridão, que persistirá a nos exigir maior esforço e comprometimento. O desafio só está às vésperas de começar, meus queridos afilhados, mas eu tenho certeza de que vocês estão excelentemente preparados. Poucos são os que podem se orgulhar disso – e vocês, com certeza absoluta, estão na primeira linha dentre esses poucos.

Daí por que eu posso finalizar este meu breve discurso com o mais sincero preito de gratidão por fazer parte desta belíssima cerimônia de formatura. Vocês fizeram valer o esforço de seus pais, de seus familiares – e o valorizaram com dedicação e comprometimento.

Meus parabéns por terem chegado até aqui e os meus votos de muita, mas muita felicidade nos desafios que estão por vir. Essa maravilhosa festa que é a vida está apenas começando.

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*Egon Bockmann Moreira: Advogado. Doutor em Direito. Professor da Faculdade de Direito da UFPR. Professor visitante da Faculdade de Direito de Lisboa (2011) e do Centro de Estudos de Direito Público e Regulação - CEDIPRE, da Faculdade de Direito de Coimbra (2012). Conferencista nas Universidades de Nankai e de JiLin, ambas na China (2012). Palestrante nos cursos de MBA, LLM e Educação Continuada na FGV/RJ. Escreve às segundas-feiras, quinzenalmente, para o Justiça & Direito.

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** As opiniões expressas nas colunas apresentam o ponto de vista de seus autores e não refletem o posicionamento do caderno Justiça & Direito, nem do jornal Gazeta do Povo.