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Institucional

Órgão do governo faz ponte com exterior

A ligação entre as cortes ou partes que estão no exterior e os tribunais brasileiros nos casos que envolvem a Convenção de Haia de 1980 é feita por meio da Autoridade Central Administrativa Federal, órgão interno da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República. Os países estrangeiros fazem as solicitações de cooperação a esse departamento, que encaminha os pedidos à Advocacia-Geral da União (AGU).

Segundo o coordenador-geral da Autoridade Central Administrativa Federal, George Lima, são feitos, em média, três novos pedidos de cooperação por semana. Esses pedidos se referem tanto às crianças trazidas para o Brasil, quanto às levadas para outros países.

Hoje, há em torno de 280 pedidos, e 86% são de outros países para o Brasil. O país de onde vêm mais solicitações é Portugal, seguido por Itália e Estados Unidos.

Na opinião do advogado Ricardo Zamariola, experiente em processos que envolvem a convenção, os países que têm sido mais sérios no cumprimento das normas previstas no documento são Estados Unidos e Reino Unido.

Caso Sean marcou aplicação da norma no Brasil

O processo mais emblemático sobre sequestro internacional de menores, envolvendo disputa familiar, foi o do menino Sean Goldman. Ele morava nos Estados Unidos com seu pai, o americano David Goldman e com sua mãe, a brasileira Bruna Bianchi. Ela e o filho vieram para o Brasil passar férias em 2004 e acabaram não voltando.

Em 2008, Bruna morreu durante o parto de um segundo filho, com um brasileiro, João Paulo Lins e Silva, de uma importante família de advogados.

No ano seguinte, se iniciou uma batalha na Justiça do pai de Sean, contra os avós maternos do menino e o padrasto, que queriam ficar com a guarda dele.

O caso teve grande repercussão, envolveu diplomatas e parlamentares norte-americanos e até a então secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton. A disputa acabou indo parar no Supremo Tribunal Federal (STF) e, às vésperas do Natal de 2009, o ministro Gilmar Mendes decidiu pelo retorno de Sean aos Estados Unidos.

Após a volta do menino para o país de seu pai, a família materna teve dificuldades em encerrar o inventário do avô, que veio a falecer em 2011. A avó chegou a relatar que não tinha qualquer contato, nem notícias de Sean e precisou requerer à Justiça dos EUA o direito de fazer visitas ao neto.

A disputa pela guarda de uma criança é um processo desgastante para todas as partes envolvidas e, quando elas estão em países diferentes, a situação torna-se ainda mais complexa. Para definir onde devem ser resolvidos os litígios sobre a guarda, foi criada em 1980 a Convenção de Haia sobre sequestro internacional de crianças, que trata dos aspectos civis para restituição delas para o país de residência habitual. O texto entrou em vigor no Brasil apenas em 2000 e, quase 15 anos depois, o assunto ainda é pouco conhecido.

Atualmente, há 76 países signatários da Convenção e sua validade é para casos que envolvam menores com até 16 anos de idade. Os objetivos do documento são assegurar o retorno imediato das crianças que tenham sido transferidas ou retidas em outro país de maneira ilícita ou indevida; e garantir o respeito aos direitos de guarda e de visita nos estados participantes do acordo.

O advogado Ricardo Zamariola, especialista em direito civil e que já atuou em diversos casos que envolvem a Convenção de Haia, considera que a compreensão a respeito do significado do documento está melhorando no Brasil, mas suas regras ainda são mal aplicadas. "Os juízes ainda se dedicam a discutir, nesses processos, questões relacionadas à guarda", explica Zamariola.

Os especialistas entrevistados para essa reportagem ressaltam que aplicação dessa norma está relacionada à resolução de qual a autoridade competente, de que país, deve decidir sobre a guarda. Mas muitas vezes ainda há decisões no Judiciário que acabam extrapolando essa delimitação e tentam definir quem deve ficar com a criança.

Peso emocional

"Ainda há problemas de má compreensão da Convenção. Ela não trata da guarda, do direito de visita. Simplesmente trata de qual é o juiz que deve resolver sobre o caso. Acontece que o juiz fica angustiado e quer decidir sobre a guarda para acabar com sofrimento da criança", observa a desembargadora federal Monica Sifuentes, juíza de enlace para a Convenção de Haia (que cuida da ponte entre os países signatários).

Marcelo De Nardi, juiz federal da 9.ª Vara Federal de Porto Alegre e especialista em direito internacional, diz que a dificuldade em aplicar essa norma se deve à falta de conhecimento e também ao grande peso emocional que envolve o assunto. "Mais conhecimento sobre o tema poderia gerar maior tranquilidade no trato".

Conforme relataram os entrevistados, frequentemente os juízes são passionais ao deliberar, considerando que a Justiça brasileira seria a mais adequada para decidir o futuro de uma criança brasileira ou filha de brasileiros. No entanto, a Convenção é clara e define que ela "aplica-se a qualquer criança que tenha residência habitual num Estado contratante, imediatamente antes da violação do direito de guarda ou de visita".

Todos ressaltam que a Convenção visa à rápida restituição da criança ao seus país de origem (ou onde residia com os pais antes de ser subtraída de um deles) justamente para evitar maiores danos emocionais.

"É muito importante que [o retorno da criança] seja célere, se não a Convenção perde o sentido", diz George Lima, o Coordenador-Geral Autoridade Central Administrativa Federal.

Zamariola relata que é recorrente os magistrados falarem abertamente que estão avançando e decidindo sobre a guarda por levar em conta a nacionalidade da criança ou de seus pais e não o que está normatizado. "Isso é absolutamente inadequado, pois a Convenção leva em conta a residência habitual", argumenta o advogado.

Casos mais comuns

De acordo com os entrevistados, as circunstâncias mais comuns em que a Convenção de Haia de 1980 precisa ser aplicada são as seguintes: a mãe, muitas vezes imigrante, retorna a seu país de origem com o filho. Geralmente, ela diz que vai viajar, passar apenas um tempo fora. Depois, acaba por não retornar e solicita à Justiça local a guarda da criança.

Tradução

Apesar de se referir ao termo "sequestro internacional", a Convenção de Haia de 1980 trata somente de casos em que um dos pais retém o filho no exterior sem autorização do outro. Para o juiz Marcelo De Nardi, o termo foi traduzido incorretamente e o mais correto seria dizer "subtração". A convenção não se aplica para outros tipo de sequestro, que são tratados pelo Código Penal ou por legislações equivalentes em outros países.

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