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Medidas anticorrupção

“O Congresso nos coloca como reféns dos acusados”, diz presidente da AMB

Presidente do STF e procurador-geral da República afirmam que Congresso quer inviabilizar a Justiça. Entenda quais práticas de magistrados e membros do MP poderão ser consideradas crimes

João Ricardo, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, disse que emenda tem a clara intenção de anular a ação dos juízes e promotores contra o crime organizado. | Albari Rosa/Gazeta do Povo
João Ricardo, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, disse que emenda tem a clara intenção de anular a ação dos juízes e promotores contra o crime organizado. (Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo)

O ponto mais polêmico do pacote de medidas anticorrupção aprovado nesta terça-feira (29) na Câmara dos Deputados foi a responsabilização de magistrados e membros do Ministério Público por crimes de abuso de autoridade.

A emenda apresentada ao projeto pelo deputado federal Weverton Rocha (PDT-MA) criou nove possibilidades de crime para magistrados, entre elas, “proferir julgamento, quando, por lei, seja impedido”, “proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções” e “atuar, no exercício de sua jurisdição, com motivação político-partidária”. A pena é de reclusão de seis meses a dois anos e multa.

A proposta aprovada foi ainda mais dura com membros do Ministério Público, criando não nove, mas 12 condutas consideradas como crime de abuso de autoridade, como, por exemplo, “emitir parecer, quando, por lei, seja impedido”, “recursar-se a prática de ato que lhe incumba” e “promover a instauração do procedimento, civil ou administrativo em desfavor de alguém, sem que existam indícios de prática de algum delito”. A pena prevista é a mesma para os magistrados.

Ainda, de acordo com o texto, qualquer cidadão pode representar contra o membro da magistratura perante o tribunal ao qual está subordinado o magistrado e contra o membro do Ministério Público perante o tribunal da jurisdição ao qual está vinculado. Os crimes serão processados por ação penal pública (ou seja, cabe ao Ministério Público propor denúncia contra o acusado), podendo o lesado oferecer queixa subsidiária caso o MP não proponha a ação no prazo legal.

O projeto também prevê que a OAB e organizações da sociedade civil constituídas há mais de um ano e que contenham em seus estatutos a finalidade de defesa de direitos humanos ou liberdades civis também serão legitimadas a oferecer a queixa subsidiária.

Reação

A reação contrária às mudanças foi imediata. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, divulgou nota em que diz que o projeto das 10 Medidas Contra a Corrupção não existe mais e que o Ministério Público não concorda com o que foi aprovado. “Um sumário honesto da votação das 10 Medidas, na Câmara dos Deputados, deverá registrar que o que havia de melhor no projeto foi excluído e medidas claramente retaliatórias foram incluídas. Cabe esclarecer que a emenda aprovada, na verdade, objetiva intimidar e enfraquecer Ministério Público e Judiciário”, disse o chefe do Ministério Público Federal.

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia, também divulgou nota em que demonstra sua preocupação com o texto aprovado pelos deputados federais. Para ela, essa proposta ameaça a independência do Poder Judiciário e a autonomia dos juízes no país todo.

“Hoje, os juízes respondem pelos seus atos, na forma do estatuto constitucional da magistratura. A democracia depende de poderes fortes e independentes. O Judiciário é, por imposição constitucional, guarda da Constituição e garantidor da democracia. O Judiciário brasileiro vem cumprindo o seu papel. Já se cassaram magistrados em tempos mais tristes. Pode-se tentar calar o juiz, mas nunca se conseguiu, nem se conseguirá, calar a Justiça”, afirma a ministra em nota.

Crime organizado

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, João Ricardo dos Santos Costa, em entrevista à Gazeta do Povo, disse que essa emenda tem a clara intenção de anular a ação dos juízes e promotores contra o crime organizado. “Existe uma vontade deliberada de abafar a operação Lava Jato e colocar alguns dispositivos que incriminam a atividade jurisdicional e a investigativa do MP”, afirmou João Ricardo.

“Foi lamentável. Os parlamentares se aproveitaram de um momento de consternação do país e na madrugada votaram essa proposta, que é uma iniciativa de um deputado com folha corrida imensa. Essa medida significou um plano B daqueles parlamenteares que tinham interesse na anistia do caixa 2”, classificou o magistrado.

O juiz também questionou outra emenda, a que transformou em crime o desrespeito a prerrogativas de advogados. “Estamos apreensivos tanto com relação à medida que cria os delitos de abuso de autoridade, deixando juízes e promotores vulneráveis, quanto em relação à medida de criminalizar a violação de prerrogativa de advogado. Isso torna o advogado superpoderoso e possibilita que ele possa usar esse expediente para livrar o cliente dele de alguma acusação”, lamentou o presidente da AMB. “O congresso nos coloca como reféns dos acusados. Isso não existe em nenhum sistema democrático no mundo.”

Essa mesma medida também foi duramente criticada pelo autor do substitutivo transformado na madrugada desta quarta-feira (30). Em plenário, durante o debate da proposta, o deputado federal Ônix Lorenzoni (DEM-RS) disse aos colegas: “por que a desatenção apenas da prerrogativa do advogado viraria crime no Brasil? Nenhuma outra profissão tem isso”.

Comemoração

Por outro lado, o presidente do Conselho Federal da OAB, Cláudio Lamachia, comemorou, no site da entidade, a aprovação da medida. “Essa é uma vitória não apenas da advocacia, mas de toda a sociedade, pois tipifica e estabelece penalidades claras àqueles que insistirem em desrespeitar a atuação dos profissionais da advocacia, interferindo muitas vezes na garantia da ampla defesa das partes representadas. Trata-se de um inequívoco avanço democrático, que merece a celebração por parte de todos os que defendem o Estado Democrático de Direito”, afirmou.

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