PF afirma que incêndio em moradia de africanos na UnB foi criminoso

A segurança nos dois prédios que servem de alojamento para estudantes da Universidade de Brasília (UnB) foi reforçada. Além dos dois vigias que ficam na entrada de cada bloco, outros quatro vão monitorar os andares. O incêndio em três apartamentos ocorreu na madrugada desta quarta-feira (28). Dez estudantes, todos vindos de países africanos, estavam nos imóveis.

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A Polícia Federal (PF) identificou suspeitos e intimou oito estudantes e seguranças para prestar depoimentos no inquérito sobre o incêndio em três apartamentos da Casa do Estudante Universitário (CEU) da Universidade de Brasília (UnB) , ocupados por estudantes africanos. O episódio foi condenado nesta quinta-feira pelo chanceler Celso Amorim, que classificou "o atentado" como "algo muito grave". Em audiência na Comissão de Relações Exteriores do Senado, o ministro garantiu que o Itamaraty vai acompanhar as investigações sobre o caso, que não deixou feridos. Na opinião dele, o ato envergonha o Brasil, que nos últimos quatro anos desenvolveu toda uma política de aproximação com os países africanos.

- O Itamaraty emitiu nota de repúdio e temos de acompanhar de perto as investigações. Isso é algo muito grave, vergonhoso. Há poucos momentos na vida em que sentimos uma vergonha coletiva - lamentou o chanceler.

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O incêndio aconteceu na madrugada de quarta-feira e também mobilizou um grupo de parlamentares, que visita a UnB nesta quinta-feira, para levar solidariedade à instituição. O grupo, formado pelos senadores Paulo Paim (PT-RS), Cristovam Buarque (PDT-DF) e Cesar Borges (DEM-BA) e os deputados Fernando Gabeira (PV-RJ) e Janete Pietá (PT-SP), pretende levar a discussão aos poderes Executivo e Judiciário. Na próxima terça-feira, a Comissão de Direitos Humanos do Senado, presidida por Paulo Paim, instalará um grupo de trabalho para discutir o problema.

Para o reitor da UnB, Timothy Mulholland, o incêndio foi um ato terrorista:

- A UnB foi alvo de um atentado nesta madrugada. A democracia brasileira sofreu um atentado e os estudantes africanos sofreram um atentado de homicídio - afirmou o reitor, para quem o Brasil é um país racista e a UnB é uma universidade "de alma racista".

Mulholland conversou por telefone com diretor-geral da PF, Paulo Lacerda, e disse esperar que a investigação identifique os responsáveis pelo ato. Os estudantes que moram nos três apartamentos atingidos deverão mudar-se para outros imóveis da UnB em endereço que não será divulgado.

Segundo a PF, o incêndio foi criminoso. Já estão sendo analisadas as impressões digitais encontradas no local e, na sexta-feira, o delegado Francisco Serra Azul vai começar a ouvir funcionários, alunos e seguranças da universidade.

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Estudantes cobram punição dos autores do ataque

Segundo moradores da Casa do Estudante, foi achada no prédio uma garrafa vazia, na qual teria sido levada a gasolina para atear o fogo às portas dos apartamentos.

Cerca de 300 estudantes protestaram na tarde de quarta-feira contra o ataque em passeata pelo campus. Eles caminharam até a reitoria, onde foram recebidos pelo reitor em um auditório da universidade. Os estudantes cobraram a punição dos culpados e medidas para dar segurança aos alunos estrangeiros, assim como a criação de um centro de convivência para estudantes africanos na UnB e a oferta de mais disciplinas que tratem da história da África nos currículos dos cursos de graduação.

- Nossos pais, no passado, trabalharam gratuitamente para construir este país. Nenhum estrangeiro se sente seguro para caminhar neste centro universitário, nem sequer para dormir - discursou o ex-aluno de mestrado Lino Moniz, de 31 anos, natural de Cabo Verde.

O incidente da UnB ocorre um dia após a ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, ter afirmado que "é normal um negro se insurgir contra um branco".

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O reitor disse não ver ligação entre os dois episódios. "Isso seria uma ilação irresponsável", afirmou ele em entrevista à BBC Brasil.

Em entrevista nesta quarta, a ministra afirmou que fez a declaração "num contexto de uma resposta muito mais ampla", mas que, de qualquer forma, gostaria de se "reposicionar" .

Também em entrevista à BBC Brasil, o antropólogo João Batista Borges Pereira diz que a polêmica provocada a partir das declarações da ministra desmascara a ilusão de que existe no país uma harmonia racial.

Segundo Mulholland, é inaceitável que estudantes não possam conviver em paz numa universidade. A UnB foi a primeira universidade federal a criar cotas para negros. Desde 2004, 20% das vagas dos vestibulares são reservadas para alunos negros.