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Quando a militância virtual mata na vida real
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Tem virado moda nas redes sociais dizer que é "zueira" quando alguém, por divergência de opinião política, lança campanhas virtuais de difamação ou até faz ameaças pela internet. "Ah, são um bando de moleques bobos", ouvi várias vezes. Mas, para mim, a tolerância sempre foi zero com covardia.

A mágica da ameaça é tornar gigante o desimportante, que se impõe pelo medo com o auxílio de uma massa calada diante do malfeito. Cada pessoa que cala diante de uma ameaça, cada perfil que curte a ameaça feita e incita outros a xingarem a pessoa ameaçada é mais um pontinho na ilusão de poder.

Quem é ameaçado jamais sabe se é sério. Na maioria das vezes não é. Mas como ter certeza de que aquela ameaça específica realmente não tem risco? Como as plataformas do Google, Twitter e Facebook permitem que pessoas criem contas sem se identificar minimamente, há casos em que milhares de ameaças são dirigidas a uma única pessoa.

Isso é caso de polícia, dizem unanimemente e com razão. A questão é o operacional: uma vez ameaçada, a vida da pessoa passa a ser controlada pelo medo e pela burocracia.

Primeiramente, se há centenas de ameaças, é necessário investigar perfil a perfil e saber qual se trata de bravata e qual pode oferecer risco, para selecionar aquela minoria com que se preocupar realmente. Depois, é necessário passar pelos intermináveis formulários das plataformas de redes sociais e dos mecanismos legais até denunciar uma a uma - todas as centenas ou milhares.

Ultimamente, muitas pessoas têm recebido xingamentos e ameaças de quem se diz militante político sem ser. Há, no meio da militância, sádicos que pegam carona na narrativa política para exercitar sua perversidade e purgar as frustrações com uma vingança contra o mundo.

Esta é uma mensagem é o comentário a uma opinião que eu emiti. "Depois paga no filho e fica de chororô" pode até parecer vago. Mas veja outras postagens que a mesma pessoa - para minha surpresa seguida e retuitada por conhecidos meus da vida real - fez no mesmo dia.

Eu já fui, como talvez você seja, ingênua de acreditar que isso é só uma maneira de tentar demonstrar e exercer poder sem ter. Mas fui convencida pelo contrário por uma foto, a desse funeral aqui:

 Swen Pfoertner/Pool via REUTERS/File Photo
Swen Pfoertner/Pool via REUTERS/File Photo

No caixão está Walter Luebke, político da democracia cristã de Angela Merkel, que vinha sendo vítima de linchamentos virtuais nas redes sociais porque se posicionou a favor da política de imigração da primeira-ministra alemã. Provavelmente tenha recebido às dezenas, como eu e tantos outros, mensagens semelhantes às 4 que ilustram esse post e, infelizmente, são reais.

Foram identificados grupos que se diziam militantes mas, na verdade, eram doentes dedicados a incitar turbas na internet a atacar quem tivesse alguma posição política da qual eles divergissem. No caso específico, eram grupos de direita e contra a política de imigração de Merkel.

Um deles resolveu fazer a mesma coisa que duas dessas mensagens diziam que vão fazer comigo: expor nomes, fotos e dados dos familiares. No caso do político alemão, infelizmente, isso terminou com o corpo dele estendido no chão da varanda do próprio apartamento, após um tiro. Dois suspeitos já foram detidos e são ligados aos ataques virtuais.

Talvez você já tenha ouvido falar de "doxxing", exposição pública, um termo usado de forma malandra por aqui para proteger esse tipo de criminoso virtual de quem falamos. Trata-se de expor dados privados de forma a dar condições de realmente atentar contra a vida de alguém ou seus familiares.

Aqui no Brasil, as hordas que atacam pessoas na internet dizem que "doxxing" é você apontar a identidade verdadeira de quem se esconde atrás de perfis falsos, na maioria das vezes para promover linchamentos e ameaças. Note que não estou falando de pseudônimos, aqueles que se identificam corretamente para a plataforma de rede social, mas não colocam os dados por razões pessoais. Estou falando de quem não quer ser rastreado e, às vezes, usa até artifícios para isso.

Muita gente que entrou na onda dos ataques contra o político alemão não fazia a menor ideia de que, dentro do grupo de direita, havia assassinos realmente dispostos a um ato bárbaro. Provavelmente, como nas mensagens que me foram direcionadas, houvesse quem achasse bem engraçado incomodar alguém que imaginam poderoso.

A expressão é livre, sendo vedado o anonimato, diz a nossa Constituição. Isso não é um limite, é uma garantia de que todos possam se expressar sem sofrer ameaças ou represálias dos covardes que se escudam no anonimato. Se você já caiu na tentação de minimizar o risco dos ataques online, repense: nem todos pensam com a sua cabeça e têm os mesmos limites éticos e morais.

Muitos desses perfis anônimos utilizados apenas para ataques são nitidamente ligados a parlamentares, políticos e comunicadores. Fariam o serviço sujo? Não sei, talvez jamais saiba. Mas uma coisa eu sei: ninguém controla loucura e maldade, principalmente se combinadas. Quando se cria uma atmosfera virtual violenta, alguém com menos equilíbrios e princípios vai querer viver isso na vida real. Não é questão de se, é questão de quando.

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