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A jornalista Juliana Dal Piva, autora do livro “O negócio do Jair: a história proibida do clã Bolsonaro”.
A jornalista Juliana Dal Piva, autora do livro “O negócio do Jair: a história proibida do clã Bolsonaro”.| Foto: Divulgação

Entrevistei com exclusividade para a Gazeta do Povo a jornalista Juliana Dal Piva. Formada pela Universidade Federal de Santa Catarina, com mestrado pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da FGV, trabalhou nos jornais O Dia, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo e revista Época. Venceu o prêmio Líbero Badaró de jornalismo impresso em 2014 e também foi menção honrosa do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. Em 2019, recebeu o Prêmio Relatoría para la Libertad de Expresión (RELE) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, pelo trabalho "Em 28 anos, clã Bolsonaro nomeou 102 pessoas com laços familiares".

Juliana é colunista do portal UOL desde 2020, quando começou a preparar o projeto do podcast UOL Investiga: A vida secreta de Jair que trouxe à tona o envolvimento direto do presidente Jair Bolsonaro em um esquema ilegal de entrega de salários nos gabinetes dele e dos filhos. Também é autora de O negócio do Jair: a história proibida do clã Bolsonaro da editora Zahar, grupo Companhia das Letras.

Qual é o “Negócio do Jair”, tema central do seu livro?

O "Negócio do Jair" é o modo como os funcionários fantasmas do clã Bolsonaro se referiam ao esquema de entrega ilegal de quase 90% dos salários todos os meses. Para eles, na prática, não importava se estavam nomeados no gabinete de Flávio, Carlos ou Jair. Os integrantes se referiam ao "Negócio do Jair". Em especial, o núcleo de familiares de Ana Cristina Valle, segunda mulher do presidente Jair Bolsonaro. Só os parentes dela somam 18 pessoas que transitaram como funcionários fantasmas dos gabinetes do clã desde 1998. Quero lembrar aqui da Andrea Siqueira Valle, a ex-cunhada que confessou que o presidente demitiu um irmão dela porque "não devolvia o dinheiro certo que tinha que devolver", conforme mostrei no podcast A vida secreta de Jair.

Os bolsonaristas, incluindo seus esbirros na imprensa, disseram que você confundiu “moeda corrente” com “dinheiro vivo” nas matérias. Como você responde?

Confunde quem não apura ou não quer saber a realidade. A reportagem que mostrou ter pagamento parcial ou total de dinheiro em espécie em 51 das 107 transações imobiliárias realizadas por sua família utilizou diferentes bases de dados para a apuração.  Deste total, 17 compras são citadas em investigações do MP (Ministério Público) do Rio, a partir de dados de quebra de sigilo sobre o esquema de rachadinha nos gabinetes de Carlos e Flávio Bolsonaro.

Uma segunda base foi a partir dos dados de escrituras públicas e entrevistas com vendedores e tabeliães dos cartórios onde as aquisições ocorreram. Por exemplo, 24 imóveis estão em São Paulo, estado em que cartórios devem declarar em escrituras formas de pagamento, "se em dinheiro ou cheque (...) ou mediante outra forma estipulada pelas partes", de acordo com o provimento 58/1989 da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo. No Rio, o Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça estadual determina desde 1999 que na lavratura de atos notariais conste a "declaração de que foi pago em dinheiro ou em cheque, no todo ou em parte, discriminando, neste caso, valor, número e banco contra o qual foi sacado".

Gostaria de adicionar que, numa tentativa de me atacar, o deputado Eduardo Bolsonaro publicou um vídeo no qual mentiu dizendo que fizemos confusão entre moeda corrente e dinheiro vivo. No entanto, logo em seguida, ele próprio falou que pagou um terço (R$ 50 mil) em dinheiro vivo e acrescentou que detalhou a forma de pagamento na escritura. Foi exatamente o que noticiamos no caso dele e na escritura consta que R$ 110 mil foram quitados com um cheque e R$ 50 mil "através de moeda corrente". Existem vários exemplos e também publicamos uma reportagem adicional detalhando cada um dos 51 casos com prints da documentação.

Achei bastante curioso que a versão inicial do presidente foi perguntar "qual é o problema"? Em seguida, iniciaram a narrativa da moeda corrente. Nunca apresentaram um único documento para desmentir uma única informação. Nós abrimos os documentos. Só não vê quem não quer. Inclusive na imprensa.

Sua matéria foi censurada e depois liberada pelo ministro bolsonarista André Mendonça no STF. Como você avalia o incidente?

Bom, depois de semanas em que fomos atacados por conta da reportagem, veio um pedido de queixa-crime e medidas cautelares de censura da reportagem e de posts nas minhas redes sociais sobre a matéria. Fiquei surpresa com o movimento porque a própria imprensa já falava pouco do assunto. O juiz responsável pelo caso negou os pedidos do senador Flávio de modo bastante preciso ao cumprir o que prevê a lei e seguindo parecer do MP-DF. O senador quis que fosse proibido citar os dados pelos quais ele foi denunciado pelo MP do Rio por um desvio de R$ 6,1 milhões. A promotoria fluminense é quem apontou a lavagem de dinheiro com imóveis. O MP do DF verificou que foi isso que fizemos e por isso recomendou a recusa de tudo.

Só que na 2ª instância saiu aquela decisão liminar absurda de censura. Com isso, o senador mentiu novamente dizendo que o desembargador tinha aberto queixa-crime contra nós, o que não é verdade. Isso não foi analisado pelo desembargador e o juiz de primeira instância negou. Só que toda essa história da censura se virou contra o clã Bolsonaro. Mais e mais gente voltou a ler a reportagem e toda a imprensa, entidades, mundo político nos apoiou. No entanto, avalio que é péssimo que um caso desses tenha que chegar até o STF. Essa censura jamais deveria ter sido autorizada. Ela é inconstitucional.

Rachadinha é crime ou “doação privada”, como alguns bolsonaristas argumentam?

Que grande passada de pano desse pessoal ein. Vou resumir nas palavras de um trecho da gravação da Andrea Siqueira Valle, a ex-cunhada que foi funcionária fantasma 20 anos. "Não tenho casa, carro… cadê aquele dinheiro todo que era meu?" O dinheiro que paga os salários de assessores comissionados é dinheiro público. Esse dinheiro não pode enriquecer ilicitamente os parlamentares. É peculato, corrupção. Ainda mais dinheiro que vem de gente que não trabalha. Se não há necessidade de ter um assessor, então não deveria contratar e economizar dinheiro público. O que o parlamentar tem direito, por lei, é o salário dele. Tribunais superiores também já discutiram o tema e puniram parlamentares por isso.

Você acredita que seu livro e suas apurações terão algum impacto na eleição?

Olha, eu trabalhei esse tempo todo preocupada em documentar e contar detalhadamente a história do presidente atual do Brasil e de sua família que o auxilia no poder. O impacto disso é com os brasileiros. Eles é que irão decidir. Meu trabalho foi apenas fornecer informação relevante e importante.

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