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Como na fábula do colibri que, gota a gota no bico, combatia o incêndio na floresta, o ministro André Mendonça está fazendo a sua parte na defesa das liberdades e da ordem institucional, no voto magistral proferido durante dois dias da semana passada. Contrariando princípios do jornalismo, fiquei entusiasmado e expressei no YouTube que o didático voto deveria ser publicado em livro, para servir em faculdades de Direito. A opinião de juristas e advogados em geral confirmou meu entusiasmo. Mas fiquei ainda mais certo da importância fundamental do voto – embora venha a ser, certamente, voto vencido – quando, no fim de semana, deparei com editoriais apoiadores do voto em dois dos mais importantes jornais do país, a Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo.
O editorial da Folha, já no título, afirma que “Mendonça está certo”. Atesta que o ministro resguarda direitos fundamentais “que têm sido ignorados”. Acrescenta que “ordens secretas, sem que o acusado possa saber da acusação, remetem às piores práticas do absolutismo e constituem uma abominação”. Depois, a Folha lamenta que o juízo de bom senso e de “vigorosa aderência aos princípios constitucionais expressados pelo ministro André Mendonça tendem a ser francamente minoritários no STF”. E termina constatando que o Supremo “caminha para mais uma invasão do Legislativo”.
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O Estadão foi ainda mais contundente no editorial de sábado. Já no título qualifica a participação do ministro Mendonça de “Um voto pela razão”. O jornal defende o artigo 19 do Marco Civil da Internet como um modelo que tanto impede a censura privada quanto a impunidade. E afirma que a regra está sob ameaça do Supremo. O editorial diz que os votos de Luiz Fux e Dias Toffoli “atropelam o devido processo legal”. E segue a pesada opinião aqui resumida do Estadão: “Contra essas tendências alarmantes, se ergueu o voto de André Mendonça. Com raciocínio robusto, reafirmou a liberdade de expressão como pilar do Estado Democrático de Direito e rejeitou o ativismo judicial. Cabe ao Congresso deliberar; não é papel do STF reescrever lei. O voto de Mendonça não é só tecnicamente impecável; é um alerta institucional e uma reafirmação da separação de poderes”. E conclui, de modo lapidar: “Em tempos de histeria regulatória, é bom saber que ainda resta, na mais alta corte, quem compreenda que a liberdade de expressão é o primeiro e o último bastião das sociedades livres”.
Um ensaio de George Orwell ensina que censura é o que a opinião pública permite. Daí a importância da manifestação de jornais que precisam honrar sua história. O preâmbulo do abominável AI-5 argumenta que é para “assegurar a ordem democrática, baseada na liberdade e no respeito à dignidade humana”. Esse é um chavão usado para tirar liberdades. Impossível defender a democracia sem respeitar as liberdades e o devido processo legal. A liberdade de expressão é sinal de democracia; a censura, sinal de arbítrio, tirania. André Mendonça honra a universidade onde fez o doutorado, a de Salamanca, uma das melhores do planeta, marcada pelo humanismo, onde foi reitor Miguel de Unamuno. E, como o colibri da fábula, o voto dele pinga sobre nós gotas de esperança de que o fogo seja extinto e a floresta, salva.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos