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Nicolas Maduro
O ditador venezuelano, Nicolás Maduro.| Foto: EFE/ Miguel Gutiérrez

Segundo noticiou a Gazeta do Povo durante a semana, o novo governo petista pretende reconhecer o ditador – e brutal violador de direitos humanos – Nicolás Maduro como presidente “legítimo” da Venezuela. Conforme registrou a reportagem, a medida está em linha com o que vem sendo adotado por todos os governos de extrema-esquerda recentemente eleitos na América Latina.

Vale o registro de que durante as eleições, assombrosamente, o TSE determinou a remoção de material que associava o candidato do PT ao ditador da Venezuela. Sinal claro do lamentável clima de baixa liberdade de expressão e de imprensa que marcou a última eleição presidencial no Brasil.

De todo modo, a medida de reconhecer o ditador venezuelano, que usurpou as funções mediante eleições ilegítimas e é contumaz violador de direitos humanos, configura flagrante retrocesso e afronta direta aos princípios que, segundo a Constituição, regem as relações internacionais do Brasil: a “prevalência dos direitos humanos” e a “autodeterminação dos povos”.

Durante as eleições, assombrosamente, o TSE determinou a remoção de material que associava o candidato do PT ao ditador da Venezuela.

Para entender o porquê é importante relembrar como chegamos ao momento atual.

Nicolás Maduro foi eleito em 2013, com pequena margem (50,61%) sucedendo o populista autoritário Hugo Chávez, o qual morrera naquele ano e havia sido reeleito em 2012 em eleições já deterioradas, com o Poder Judiciário capturado pelo chavismo, controle pelo governo de grande parte da mídia e utilização massiva da máquina estatal.

Só para ter ideia do clima de repressão que dominava o país, o proprietário de um canal de televisão, a Globovisión, foi alvo de acusações e foi obrigado a deixar a Venezuela não ser preso, vendendo o veículo para um simpatizante do regime. Conforme registrou excelente matéria da Gazeta do Povo sobre a história de deterioração da democracia venezuelana:

“Algumas das mídias, acuadas, praticaram a autocensura. A Venevisión, anteriormente considerada como pró-oposição, mal cobriu a oposição durante a eleição de 2006, dando ao presidente Chávez 84% do tempo de cobertura — quase cinco vezes mais do que aos seus rivais —, e contribuindo para sua vitória. Posteriormente, a emissora decidiu interromper as coberturas políticas, optando por programações de entretenimento.”

Em 2018, menos de 10% da população aprovava o governo e quase 8 em cada 10 venezuelanos queriam a deposição do ditador.

É interessante registrar o paralelo com o clima da recente eleição presidencial brasileira, com forte assédio judicial sobre a rádio Jovem Pan, além de censura a matérias da Gazeta do Povo e a material do canal de mídia Brasil Paralelo, além da quebra da isonomia pela discrepante concessão de inserções de TV na reta final da campanha e a negativa de investigar o “radiolão” (escândalo de possível supressão de inserções de rádio da campanha de Bolsonaro).

O fato é que após a eleição de Maduro em 2013, a popularidade do regime – a qual havia sido artificialmente inflada pelo boom das commodities (particularmente do petróleo) desde 2004 – seguiu em queda. Na iminência de derrota eleitoral, Maduro recrudesceu a repressão do regime. Mesmo diante de tais circunstâncias, na eleição seguinte, de 2015, embora alguns locais fossem dominados por milícias chavistas que intimidavam eleitores, a oposição se organizou para evitar as fraudes em massa praticadas pelo regime e venceu o pleito, que conquistou assentos suficientes para fazer mudanças constitucionais e resgatar a democracia no país.

Maduro, entanto, ignorou o Parlamento eleito e passou a governar por decretos. Ainda, vendo-se acuado e fragilizado pela péssima gestão e rejeição popular, sonegou o calendário eleitoral, impedindo que ocorressem as eleições para governadores de 2016 e para os municípios de 2017. Para ajudá-lo em sua escalada de desmandos, a cúpula aparelhada do Judiciário assumiu as funções do legislativo para driblar o Congresso hostil à ditadura. Em vista desses fatos, foi por volta desse período que a Venezuela passou a ser vista consensualmente como uma autocracia autoritária.

Diante da crise humanitária que afetava o país, atingido em cheio pela pobreza e falta de liberdades, a oposição passou a organizar manifestações multitudinárias. Em 2018, menos de 10% da população aprovava o governo e quase 8 em cada 10 venezuelanos queriam a deposição do ditador.

Em resposta, Maduro agravou o golpe, e convocou uma Assembleia Constituinte. A medida era totalmente ilegal e contrariava dispositivo da Constituição em vigor que exigia consulta popular para convocação de nova assembleia, o que foi omitido pelo ditador por receio de sair derrotado no plebiscito. Com isso, acabou qualquer possibilidade de que a situação fosse equacionada com a oposição.

Dentro desse cenário, em 2018 houve novas eleições, marcadas por lawfare, fraude e consequente boicote da população. Na ocasião, os principais adversários do chavismo foram impedidos de concorrer por perseguição do Judiciário aparelhado: Leopoldo Lopez ficou em prisão domiciliar; Henrique Capriles teve seus direitos políticos cassados por 15 anos; e, Antonio Ledezma refugiou-se em Madrid.

Foi nesse contexto que a fraude que reconduziu Maduro ao poder foi correta e legitimamente contestada pela oposição na Venezuela e pela comunidade internacional. A Organização dos Estados Americanos aprovou uma declaração não reconhecendo o resultado fraudado das eleições.

O chamado Grupo de Lima – formado à época por Canadá, Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lúcia –  afirmou que os países “não reconhecem a legitimidade do processo eleitoral que teve lugar na República Bolivariana da Venezuela, (...) por não estar em conformidade com os padrões internacionais de um processo democrático, livre, justo e transparente”. Afirmaram ainda que a Venezuela mergulhara numa profunda “crise política, econômica, social e humanitária que deteriorou a vida na Venezuela”, o que se refletia "na migração em massa de venezuelanos que chegam a nossos países em condições difíceis, na perda de instituições democráticas, do estado de direito e na falta de garantias e liberdades políticas dos cidadãos".

Ao reconhecer o usurpador do cargo presidencial, investido mediante eleições fraudulentas e com intenso e extenso histórico de violações a direitos humanos, o Brasil pratica um enorme retrocesso.

A Assembleia Nacional da Venezuela também não reconheceu como legítima a suposta eleição do ditador Nicolás Maduro. Inclusive, ele não foi empossado pela Casa, como determina a Constituição. Num ato excepcional, a Suprema Corte chavista foi quem lhe deu posse. Por essa razão, o cargo presidencial foi declarado vago pela Assembleia Nacional, com base no art. 233 da Constituição venezuelana. Assim, Guaidó, enquanto presidente da Assembleia, foi declarado presidente interino. Segundo o constitucionalista venezuelano Antonio Ecarri, “o artigo 233 pôde ser usado dada a ausência devida à usurpação do gabinete presidencial, o que deixou a função vaga”. Após a nomeação da Juan Guiadó pela Assembleia Nacional, todas as principais lideranças nas Américas e na Europa o reconheceram como legítimo Presidente Interino.

Esse cenário começou a mudar ainda em 2019, com a eleição da extrema-esquerda na Argentina, deixando o novo mandatário de reconhecer o governo Guaidó, o mesmo acontecendo na Colômbia após a eleição de um ex-guerrilheiro.

Em 2020, houve nova eleição problemática na Venezuela. Um parlamento chavista foi declarado eleito e, em 2021, empossado. Guaidó deixou, então, de presidir a Casa legislativa. A União Europeia não reconheceu a nova Assembleia, surgida de eleições que descreveu como “não democráticas” e garantiu que manteria seu “compromisso com todos os atores políticos e da sociedade civil que se esforçam para restabelecer a democracia na Venezuela, incluindo, em particular, Juan Guaidó e outros representantes da Assembleia Nacional anterior, eleitos em 2015, naquela que foi a última expressão livre dos venezuelanos em um processo eleitoral”. Contudo, deixou de reconhecer Guaidó como Presidente interino – uma vez que a posição decorria da presidência da Poder Legislativo –, embora tenha-o mantido com papel destacado, recusando-se a reconhecer o ditador Nicolás Maduro como governante legítimo.

Portanto, vê-se com clareza que ao reconhecer o usurpador do cargo presidencial, investido mediante eleições fraudulentas e com intenso e extenso histórico de violações a direitos humanos, o Brasil pratica um enorme retrocesso. Ademais, com essa prática, o novo governo viola flagrantemente princípios constitucionais que regem (ou deveriam reger) as relações internacionais do país.

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