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Pavinatto em programa da Jovem Pan
Pavinatto em programa da Jovem Pan| Foto: Reprodução do Youtube/Canal da Jovem Pan

A profissão do corretor de crédito consignado sofreu um baque este ano, com uma canetada que limitou os juros no setor. Ao que parece, o crédito consignado será um negócio de bancos grandes, que tratam direto com o cliente sem pagar um corretor. Como essa é uma área de muito trambique, os bancos repassavam aos corretores os riscos. Talvez a tecnologia de leitura facial tenha servido para diminuir os riscos, dispensando os corretores.

Convivendo com uma familiar que exerce essa atividade, sei que boa parte do tempo de trabalho consiste em atender aos telefonemas dos idosos e explicar que tal ou tal coisa é golpe. Mas o que tirava a minha familiar do sério eram dois youtubers com nomes iguais, um macho e uma fêmea. Comecemos pela fêmea: uma moça meiga, de maquiagem leve e roupas em tons pastéis, com voz mansa, fazia todo santo um dia um vídeo de pelo menos 10 minutos garantindo que os velhinhos ganhariam décimo quarto. Ato contínuo, os velhinhos telefonavam para a corretora a fim de discutir a margem de empréstimos do décimo quarto. Teimavam que ia ter sim, porque a Fulana de Tal falou. Em janeiro eles desistiram, então fui ao canal da Fulana ver o que ela estava falando: não houve desmentido algum; ela mostrava uma cartinha que ia levar à ONU para fazer o Brasil pagar o décimo quarto ao qual os aposentados têm direito.

Esse causo é da virada de 2021 para 2022. Antes de escrever este texto, dei um pulinho no canal. Ela está jurando que Lula vai pagar o décimo quarto salário para 2023. O canal, criado em 2019, tem 1,5 milhões de inscritos. Mais do que o humilde canal desta Gazeta.

Está muito claro que uma grande parcela do público de comentários políticos audiovisuais não está realmente interessada em política; interessa-se, na verdade, nas próprias emoções, e usa a política como um veículo para se excitar

Como todo o mundo já sabe graças às peripécias de Alexandre Moraes em prol da desmonetização, os youtubers profissionais ganham por visualização. Isso explica por que essa senhora fica enganando os velhinhos por anos. Mas não explica por que eles se deixam enganar.

Eu não consigo crer que burrice explique. Creio que o problema seja indisciplina. A pessoa não tem nada a perder com essa sensação agradável de que algo bom está prestes a acontecer, então se entrega a esse prazer grátis. Servirá até como desculpa para gastar mais do que devia: afinal, poderá alegar, em defesa própria, que estava contando com um dinheiro que tinha que sair, mas, por culpa dos políticos, não saiu. A questão foi remetida à ONU!

Isso lembra, é claro, os youtubers que ficavam prometendo que, em apenas 72 horas, tudo estaria resolvido. Conto então como me deparei com o espécime macho. Foi numa circunstância diferente: um familiar me explicou que assistia duas vezes por dia, todo santo dia, às análises muito inteligentes do Dr. Fulano da Silva Sauro. O Dr. Fulano, contou-me, era procurador em São Paulo, primeiro colocado no concurso, mas quis largar o emprego e agora se dedica a fazer análises no Youtube. Eu achei a história muito mal contada e procurei alguém que lida com burocracia paulista para saber se conhecia um Dr. Fulano da Silva Sauro. Era um desconhecido. Por outro lado, qual não foi a minha surpresa ao procurar o canal do Youtube: achei num segundo, porque tinha 1,4 milhões de inscritos! Também é maior que o humílimo canal deste jornal (dê uma forcinha aí).

Fiquei impressionada com um prodígio da análise política ser um anônimo para mim, que trabalho em jornal, mas logo descobri que o canal originalmente tratava de benefícios do INSS. Perguntei à familiar corretora de crédito se ela já tinha ouvido falar do Dr. Fulano da Silva Sauro e, de fato, o youtuber era um velho conhecido, na condição de praga. Como um cliente insistira muito, ela havia até assistido a um vídeo de 40 minutos no qual o doutor era capaz de falar muito sem dizer nada.

No fim das contas, o cidadão descobrira que poderia fazer a mesma coisa, só que mudando o assunto. As “análises” consistem em pegar qualquer evento do noticiário e dar a impressão de que algo muito ruim está para acontecer com Lula ou com os militares. Se o filho do presidente da Colômbia foi preso, é pretexto para afirmar que o “amigo de Lula” – o presidente da Colômbia – está para ser preso. Algo de grave pode acontecer, também, porque o avião do líder do Grupo Wagner era brasileiro, e o Brasil tem que prestar contas. Ou seja: ele investiu no público bolsonarista que ficou órfão dos youtubers que prometiam algo grande em 72 horas. E ressalto que a questão para agradar a esse público não é ser bolsonarista, é ficar cozinhando a esperança de que algo grande está prestes a acontecer. Kim Paim é muito bolsonarista, mas dá notícias ruins ao seu público. Ele tem menos inscritos ainda que esta pobre Gazeta.

Eu creio, então, que a maioria das pessoas assistem a programas sobre política por desejarem alguma emoção. E escrevo isto agora por causa do affair Pavinatto na Jovem Pan.

Vejamos o caso: há doze anos atrás, em Pindorama, São Paulo, um fazendeiro de 76 anos pagou por sexo com duas adolescentes, uma de 13 anos e outra de 14. Aos 14 anos, pode-se consentir com sexo (embora seja crime a exploração sexual de menores). Por causa da idade inferior à de consentimento, o fazendeiro foi acusado de estupro de uma menina de 13 anos. O processo rola há uma vida na justiça. O fazendeiro alega que não sabia a idade da menina, a acusação alega que sabia. Como fica no disse-me-disse e não há provas, é possível partir para o in dubio pro reo e considerar que o fazendeiro foi enganado. Na verdade, em tempos de arbítrio judicial, quanto mais in dubio pro reo, melhor. (Aparentemente, ninguém foi atrás do cafetão, que esse, sim, comete crime.)

Depois de dar mil voltas na Justiça, um desembargador alegou isso mesmo e inocentou o cara. Ao comentar o caso na Jovem Pan, Pavinatto, num dos seus pitis, chamou o desembargador de “vagabundo e tarado” por causa da decisão, recusou-se a pedir desculpas e, para a surpresa de ninguém, foi demitido. O público está xingando a Jovem Pan e Pavinatto criou um programa no Youtube. Qual é a diferença que xingar o desembargador faz na vida da adolescente abusada? Nenhuma. Qual é a diferença que xingar faz na vida dos membros do judiciário? Nas condições normais de temperatura e pressão, o desembargador deveria processar Pavinatto e pronto. No estado anômalo que vivemos – comparado pelos histéricos com a Alemanha Nazista --, a diferença que faz é que a Jovem Pan pode ter sua concessão negada por “discurso de ódio” ou coisa que o valha. O público de Pavinatto quer coisas que implicam facilmente o fechamento da Jovem Pan a troco de nada. São irresponsáveis, e nem sequer pesquisam a história dos envolvidos direito. Acham que Pavinatto é um perfeito conservador condenando um estupro evidente.

Está muito claro que uma grande parcela do público de comentários políticos audiovisuais não está realmente interessada em política; interessa-se, na verdade, nas próprias emoções, e usa a política como um veículo para se excitar. À medida que a Jovem Pan vai sendo forçada a substituir seus comentaristas, introduz figuras cada vez mais exaltadas, para uma audiência que (digamos assim) começou com o saudável estímulo do café (nos tempos de Fiuza), passou para a cocaína, agora está no crack e daqui a pouco vai para alguma droga mais nova.

Eu não aguentava ouvir Pavinatto. É possível que a Jovem Pan, para manter o público, contrate algum comentarista que vá além: se jogue no chão e esperneie enquanto xinga juízes aos berros. Para minorar os problemas com as autoridades, sugiro ainda que pare de chamar de comentário político e diga que é performance artística.

Conteúdo editado por:Jônatas Dias Lima
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