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Sede do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Brasília.
Sede do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Brasília.| Foto: Gil Ferreira/Agência CNJ.

Há duas semanas, neste espaço opinativo, tratei de desvios do Judiciário. Volto ao tema. Infelizmente. Minha atenção, mais uma vez, foi despertada por outra excelente matéria assinada por Luiz Vassallo, repórter do jornal O Estado de S.Paulo.

A reportagem investigativa teve, merecidamente, chamada de capa: “Investigação atinge magistrados de megarrecuperações judiciais”. Entre os alvos, estão responsáveis pelos casos Oi e Americanas.

Relembro e contextualizo aqui, amigo leitor, as principais informações de Vassallo. As boas matérias jornalísticas são substantivas. Os adjetivos, frequentemente, são as muletas das narrativas inconsistentes. O texto apresenta fatos. Daí sua força e seu mérito.

A relação de juízes responsáveis por conduzir insolvências bilionárias com advogados e administradores entrou na mira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Ministério Público. O Estadão teve acesso a seis apurações sobre magistrados de Varas de Falência e Recuperação Judicial. Pelas mãos deles passam atualmente processos cujas cifras ultrapassam R$ 90 bilhões. Não é nenhuma brincadeira.

A relação de juízes responsáveis por conduzir insolvências bilionárias com advogados e administradores entrou na mira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Ministério Público

Em ao menos três casos, relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontaram operações suspeitas. Na verdade, nos processos de recuperação judicial e de falência, magistrados nomeiam administradores judiciais, síndicos e mediadores – agentes de confiança destacados para garantir o pagamento das dívidas e a retomada da saúde financeira das empresas. Estes agentes ganham honorários com base no valor das causas, fixado pelos juízes. E é aí que o desvio começa. É a partir da relação entre magistrado e agente privado que têm sido suscitadas várias apurações criminais e disciplinares.

Cito aqui, como exemplo, um caso emblemático mencionado na matéria do Estadão. A Procuradoria-Geral de Justiça do Rio abriu investigações criminais sobre a conduta de três juízes. Os inquéritos foram destinados a apurar ligações suspeitas deles com administradores judiciais e peritos.

Paulo Assed Estefan, da 4.ª Vara Empresarial, entrou no radar do MP do Rio em razão de suposta relação de sua família com o administrador judicial Marcello Macedo, nomeado por ele em processos. A investigação mostrou que a mulher de Macedo foi sócia do filho do magistrado em um restaurante. A cantina italiana, chama D’Amici, fica no bairro do Leme há mais de 20 anos. Advogados e juízes frequentam o local. De acordo com o relatório do Coaf, o administrador judicial movimentou R$ 12 milhões entre 2018 e 2019, o que, segundo o MP, está acima de seus rendimentos declarados. Além disso, segundo o MP-RJ, o escritório de Macedo movimentou R$ 34 milhões, valor acima dos rendimentos declarados da banca.

O relator do processo, desembargador Marcos Alcino de Azevedo Torres, arquivou o caso de ofício, sem ouvir o MP. Ele recuou da decisão em julgamento do Tribunal de Justiça do Rio que decidiu restabelecer a investigação. No recurso apresentado ao desembargador, a Procuradoria-Geral apontou como inexplicável “a relação empresarial ligando membros da família do magistrado e familiares do administrador judicial em atuação perante a Vara Empresarial em que o noticiado (Estefan) é titular”. O juiz é responsável por analisar a recuperação judicial da Americanas, que acumula dívidas de R$ 40 bilhões. Responsável pela recuperação da Oi, de R$ 43,7 bilhões, o juiz da 7.ª Vara Empresarial do Rio, Fernando Viana, também está na mira do MP-RJ. Pois é.

O noticiário, infelizmente, não tem trazido boas notícias para uma população que vê nos juízes sua derradeira esperança. Na verdade, quando o assunto é corrupção, o Brasil está em queda livre. Desanima? Certamente. Otimista por natureza, embora duramente testado nos últimos tempos, ainda acredito na capacidade de reação da sociedade.

O mal não tem a última palavra. Os brasileiros ficaram trancados em casa por causa da pandemia. Mas ela, de algum modo, está sob controle. E, então, senhores representantes do Poder Judiciário e autoridades, apertem os cintos e revisitem as imagens das imensas passeatas da cidadania que sacudiram o país. Não eram inciativas convocadas por partidos políticos. Eram famílias, gente normal, honrada e pacífica, mas cansada do sequestro do seu presente e da condenação do seu futuro.

Os bons magistrados merecem o respeito de todos. Mas aqueles que mancham as suas togas receberão o tratamento que merecem

O combate à corrupção e aos desvios criminosos é uma das demandas mais fortes da sociedade. A corrupção aprisiona a sociedade. A corrupção desvia para o ralo da bandidagem política e togada recursos que podiam ser investidos em saúde, educação, segurança pública etc. A corrupção empurra crianças famintas para a catástrofe da prostituição infantil. O Brasil não vai mais contemporizar.

Cabe a nós, jornalistas e formadores de opinião, assumir o papel de memória da cidadania. Não podemos deixar cair a peteca. Revisitaremos cada escândalo e lançaremos luz naquilo que querem esconder e ocultar.

A radiografia da participação de magistrados em casos de corrupção é um dever. Os bons magistrados merecem o respeito de todos. Mas aqueles que mancham as suas togas receberão o tratamento que merecem. O jornalismo é sempre um contraponto ético.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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