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Ministro Dias Toffoli disse que reconhecer o direito ao esquecimento violaria a liberdade de imprensa e de informação, garantidas pela Constituição.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, que já comparou os ministros do STF a “editores de um país inteiro”.| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Na feliz expressão do então vice-presidente da República e atual senador pelo Rio Grande do Sul Hamilton Mourão, o Senado Federal tem de “dar um freio” nos abusos do STF. O homem do interior, o sertanejo, sabe bem o que significa o chamado “freio de arrumação”. A expressão remete aos paus-de-arara, onde o freio repentino serve para ajustar, ou melhor, organizar tudo o que está dentro dele. O freio de arrumação serve para arrumar tudo o que está solto.

Pois bem, amigo leitor, é isso o que o Congresso Nacional, superado um longo período de omissão, decidiu fazer: pôr ordem na insegurança jurídica, na invasão da competência de outros poderes, na politização e no sucessivo desrespeito às normas constitucionais que nascem das canetadas irresponsáveis e autoritárias daqueles que têm o dever de zelar pelo cumprimento da lei.

A destruição da ordem jurídica, que no Brasil de hoje é visível a olho nu, está sendo causada pela conduta de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, que é – ou deveria ser – o principal responsável pela garantia do cumprimento e da estabilidade do ordenamento jurídico e defesa das liberdades, sobretudo da liberdade de expressão.

A liberdade de expressão, garantia maior da Constituição, foi para o ralo do autoritarismo judicial

O problema não é de agora. Vem de longe. Como já escrevi neste espaço opinativo, e reiterei em outras ocasiões, podemos identificar o momento do pontapé inicial que deu origem à crise que corrói a credibilidade da corte suprema: Em agosto de 2020, em uma palestra promovida pelo Observatório de Liberdade de Imprensa do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o ministro Dias Toffoli, então presidente do STF, definiu os membros da corte como “editores de um país inteiro”, em analogia entre o trabalho de um magistrado e o do editor de um órgão de imprensa. “Nós, enquanto corte, somos editores de um país inteiro, de uma nação inteira, de um povo inteiro”. Declaração explícita de autoritarismo. Germe de um autêntico AI-5 do Judiciário.

De lá para cá, em velocidade acelerada, a situação só piorou. O poder subiu à cabeça de alguns. E isso é muito perigoso. É o que se viu com a instauração do assim denominado “inquérito das fake news”. Esse inquérito fora instaurado em 2019 pelo então presidente da corte, Dias Toffoli. Depois da instauração, sem que se fizesse nenhum sorteio do ministro responsável pela condução do inquérito, ele foi atribuído ao ministro Alexandre de Moraes. O que motivou a instauração desse inquérito, é bom lembrar, foi a publicação de uma matéria da revista Crusoé que trazia uma referência ao ministro Dias Toffoli durante a apuração feita na Operação Lava Jato.

Esse inquérito – que ainda tramita até hoje – tem permitido a tomada de uma série de medidas flagrantemente ilegais e inconstitucionais, contra pessoas que nem mesmo são julgadas no STF – o que, por si só, torna abusivas as medidas determinadas por seus ministros. Em crescente contorcionismo da interpretação elástica do artigo 43 do Regimento Interno do STF, tudo foi trazido para o arbitrário inquérito: blogueiros, jornalistas, veículos, partidos políticos, empresários etc. A liberdade de expressão, garantia maior da Constituição, foi para o ralo do autoritarismo judicial.

O Judiciário não pode arrogar-se a função de tutelar os cidadãos dizendo quais críticas a pessoas ou instituições são legítimas ou não: essa foi a principal ideia defendida pelos debatedores do congresso “Liberdade de Expressão: O debate essencial”, sobre os limites ao direito de crítica. O evento foi organizado pela Gazeta do Povo e pelo Ranking dos Políticos, com o apoio do Instituto Liberal, do Instituto dos Advogados do Paraná e da Federação Nacional dos Institutos dos Advogados (Fenia). Vozes influentes no tema da liberdade de expressão do Brasil e do mundo participaram de seis painéis nos dias 28 e 29 de setembro, em Brasília.

O Senado Federal precisa, com serenidade, firmeza e sem casuísmos, dar um freio de arrumação no Supremo Tribunal Federal

A jurista Nadine Strossen, ex-presidente da American Civil Liberties Union (Aclu) e uma das maiores especialistas em liberdade de expressão no mundo, estudou para o evento algumas decisões recentes da corte suprema e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ela se disse especialmente chocada com censuras relacionadas a conteúdos críticos às cortes. “Não só há, na minha opinião, um direito absoluto a criticar políticas de governo, autoridades do governo, como isso é na verdade uma virtude democrática e responsabilidade que devemos cultivar”, afirmou.

O jurista Fernando Toller, professor de Direito Constitucional da Universidade Austral (Argentina), vê em algumas decisões do tribunal eleitoral brasileiro uma visão infantilizada do cidadão e um caráter “antijurídico”. Para Toller, “não se pode admitir que um tribunal se arrogue como garantidor da qualidade do debate. Se em algum momento a liberdade de opinião é necessária, é em um período eleitoral”, afirmou.

Tem razão o senador Hamilton Mourão. O Senado Federal precisa, com serenidade, firmeza e sem casuísmos, dar um freio de arrumação no Supremo Tribunal Federal. A crise de credibilidade do Judiciário é acelerada e preocupante. Seu desprestígio na sociedade precisa ser revertido. O Supremo é essencial para a democracia.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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