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Faz já alguns anos que uma família goiana (se não me engano agora, e me engano pacas) entrou na Justiça pedindo o direito de educar os filhos em casa. Mais exatamente, de educar, de instruir e de não terceirizar nenhuma das tarefas. Em outras palavras, queriam que seus petizes não fossem obrigados a ir à escola. Tinham até, se bem me recordo, arranjado um esquema com uma escola católica, que permitia que as crianças fossem fazer prova, mas não cobrava delas presença. Aí, por puro legalismo somado à vontade de abrir caminhos para as próximas famílias, eles entraram na Justiça pedindo que fosse reconhecido o arranjo informal que haviam feito. É claro, óbvio evidente, que seu direito cabal lhes foi negado. Afinal, no delírio que passa por ordenação legal no Brasil, a criança não é dos pais, mas do Estado.

Ora, a criança decididamente não é do Estado. Ela é, primeiro, de Deus; em segundo lugar, dela mesma; e, em terceiro lugar, de seus pais, que tomam por ela as decisões em seu interesse enquanto ela não é capaz de fazê-lo. O Estado, na verdade, lembremos, não existe. Trata-se simplesmente do coletivo de políticos e burocratas escondidos atrás de siglas e leis e interessado, antes de qualquer outra coisa, na manutenção de seus privilégios. Assim, o bem da criança não é nem poderia jamais ser o objetivo do Estado, a não ser que, por uma rara conjunção de acontecimentos, do bem da criança saísse algum bem para os políticos e burocratas que o compõem. É o caso, por exemplo, de alguma criança arrancada dos pais por estar sendo submetida a coisas tão medonhas que seria enorme a grita pública se ela ficasse com eles: pais que estupram ou torturam as crianças, por exemplo. Estes pais são raridade, graças a Deus, porque a imensíssima maioria das pessoas é decente. Não digo perfeita; longe disso. Mas decente. O fato de qualquer um poder entrar numa loja e comprar uma faca não me desperta medo algum de tomar uma facada na rua de um desconhecido, por exemplo, porque sei que é raríssimo o sujeito que quereria me esfaquear. E os poucos que querem – assaltantes, por exemplo – não se prenderiam a detalhes legais, e provavelmente viriam atrás de mim com um revólver ilegal ou coisa parecida. Ou, se estivéssemos na Inglaterra, com uma faca ilegal (lá fizeram um estatuto do desfaqueamento depois que o do desarmamento revelou-se contraproducente. “Mais do mesmo” é o refrão do hino desse pessoal).

Por outro lado, os pais em geral, por serem pessoas normalmente decentes, ao contrário do Estado querem o bem da criança até mais que o próprio bem. É por isso que tantos pais e mães se sacrificam, trabalham longas horas, deixam mesmo de comer para que seus pimpolhos progridam na vida. Coisa muito linda, e coisa que se pode mais ou menos esperar que aconteça em algum grau. Nem que seja o mero sacrifício de noites de sono para amamentar uma criança, não há criação de filhos sem algum sacrifício. E há muita criação com muito sacrifício. É por isso que a criança é “dos pais”. Só deles se pode esperar sacrifícios, e costumeira busca real do bem das crianças.

Esta é a razão natural pela qual a educação da criança é dever precípuo dos pais. Educar (e, até o grau que lhes for possível, instruir – a instrução faz parte da educação, pois esta é a preparação para a vida em sociedade) os filhos é dever e direito dos pais. Já sequestrar as crianças cinco horas por dia não é nem dever nem direito do Estado. Faz sentido que muitos pais queiram educar e instruir os filhos em casa, pela única e simples razão de que eles conseguem. A escola tem enorme utilidade social, pois ela é – ou, antes, deveria ser – aonde se mandam os filhos de pessoas que não têm condições de instruir os filhos. Não haveria senso algum em exigir de pais analfabetos que ensinassem os filhos a ler e escrever, por exemplo. Mas, se os pais sabem ler e escrever, têm uma dose módica de paciência e um tantinho de tempo livre, é muito melhor que a criança o aprenda no colo deles que socada em uma sala de aula superlotada e entregue a uma professora às vezes semianalfabeta, que ganha uma miséria por mês.

O mesmo vai avançando com os anos: há pais – quase todos – que podem ensinar as primeiras letras e a fazer contas. Há outros que podem dar aulas de História ou de catecismo. Há outros ainda que podem ensinar Matemática, Física ou Química, ou mesmo chamar um amigo ou contratar um profissional que o faça. É assim, aliás – com tutores individuais contratados somando-se ao talento dos pais – que sempre foi feita a educação das elites, até que a mania moderna de igualitarismo resolveu garantir que elas ficassem tão mal instruídas quanto as grandes massas tradicionalmente ditas ignaras. Só quando realmente não dá mais, quando os pais nem têm como ensinar nem têm como contratar alguém que ensine em condições ótimas para seu filho, cujo bem é para eles primordial, que poderia passar pela cabeça de alguém, num mundo menos confuso que o nosso, botar a pobre criança num uniforme e aprisioná-la junto a 30 outras crianças exatamente da mesma idade (dentre as quais é quase impossível que haja, aliás, alguma com a mesma capacidade e interesses dela – e é isso que deveria ser critério para juntar crianças numa sala), com as quais é proibida de falar durante quatro horas e meia. Quando, claro, ela finalmente pode falar com a criança que estava ao lado dela, é claro que ela o fará. Evidentemente, em detrimento das crianças de outra classe ou de outra idade. É um adestramento sistemático para procurar o igual e evitar o outro. É um dos mais funestos mecanismos de ensinar o ódio ao diferente que já se foi posto em prática. Em geral na adolescência ele é levado a suas últimas consequências, com a molecada se recusando a falar com quem não ouça a mesma música e não vista as mesmas roupas fora da escola. Os pais, inclusive, em muitos – e tristíssimos – casos.

Do mesmo modo, a criança na escola é obrigada a interromper a sua atenção pelo toque de uma sineta. A aula pode estar maravilhosa (ou péssima), mas ao tocar de uma sineta pavloviana o aluno deve apagar o quadro-negro da mente e passar a tratar de outra coisa, independentemente de ser ou não mais ou menos interessante para ele. A meu ver, este eficientíssimo mecanismo de produção em massa de soldados e operários obedientes, que jamais levam um raciocínio a suas últimas consequências e que pensam o quê, quando e como seu mestre mandar, foi uma das razões pelas quais a televisão – que faz mais ou menos o mesmo, mas mudando o foco a cada poucos segundos por um truque de edição em vez de uma sineta – conseguiu viciar tanta gente tão depressa no fim do século 20.

Já em casa não. Seja com os pais, seja com um tutor escolhido a dedo e contratado por eles, a criança pode ser instruída de maneira muito mais eficiente e inteligente. O que demandaria dois ou três dias inteiros de cinco aulas cada, numa turma de 30 crianças ou adolescentes, pode perfeitamente ser transmitido em 20 minutos por um professor dedicado a um aluno. É por isso que os professores particulares “dão jeito” nas crianças que ficaram para trás na escola, não o contrário: aqueles funcionam, mas esta é só um quebra-galho. Escola massificada é um quebra-galho, um lamentável quebra-galho para pais que não têm condições de instruir em casa os filhos. É exatamente como o triste caso das pobres crianças que só vão à escola para comer merenda. É ótimo que elas tenham merenda na escola, mas é péssimo que elas não tenham comida em casa. O mesmo, ou mais ainda, se dá com a instrução: é ótimo que haja escolas para instruir quem não tem meios de receber instrução dos pais ou de tutores contratados por eles ou trabalhando por caridade ou amizade, mas é péssimo que haja tanta gente que não tenha como instruir os filhos direta ou indiretamente de uma maneira mais eficiente e eficaz que a escola. Escola massificada, com suas turmas de dezenas de alunos, deveria ser um último caso, como a enfermaria do hospital ou o sopão dos mendigos, não algo a que o governo obriga as pessoas a submeter os filhos.

E é neste contexto, de proibição absurda, de centralização obscena, de negação liminar do pátrio poder pelo Estado, de sabotagem deliberada de cada nova geração, que surge como um raio de luz opaca em céu nebuloso o projeto de “regularização” da instrução doméstica (homeschooling). O projeto é uma porcaria, claro. Seria difícil que não o fosse, no momento. Mas ele, contudo, é realmente muito ruim, bem pior do que seria aceitável, cobrando dos pais mais do que se cobra de uma escola. Ora, em primeiro lugar, são as escolas – que não têm incentivo algum a melhorar –  que deveriam ter, elas sim, no mínimo um acompanhamento efetivo por parte de várias instâncias da sociedade, verificando não besteiras como diários de classe e presença de alunos, mas a efetividade da instrução supostamente dada. Afinal, o que não falta hoje é gente analfabeta depois de 12 ou mais anos de escola, ou mesmo analfabeta funcional com título de doutor. Para evidenciar o ridículo da situação, aliás, este é um caso comum entre os ditos estudiosos de… Pedagogia! A escola, hoje em dia, não tem rigorosamente nada que a leve a querer melhorar a instrução que dá, a não ser que esteja competindo nas cabeças dos resultados de Enem e assemelhados. E, neste caso, ela continua tendo incentivos errados, pois o que mede a instrução não é nem pode ser a capacidade de passar em uma prova única ao fim de todo o ciclo de estudos fundamental e médio.

Esperamos que a legislação vá, aos pouquinhos, melhorando. É difícil, mas não impossível. Na medida em que as crianças instruídas em casa comecem a, cada vez mais, dominar absolutamente todas as competições de alunos, prêmios e concursos, sua situação vai chamar mais a atenção. Aos poucos, mais e mais pais instruídos irão dando-se conta de que a instrução de seus filhos é obrigação deles, e assim tirar os filhos das fábricas de salsichas que são as escolas, instruindo-os como as elites sempre fizeram com seus filhos. Aos poucos voltaremos a ter uma elite em instrução – que não tem quase nada a ver com a elite financeira, aliás; é evidente, mas o termo “elite” foi tão mal usado nos últimos anos que vale a pena lembrar –, e o país começará a voltar aos eixos. Afinal, para educar a massa é preciso que haja uma elite instruída; e, com os despautérios que foram feitos na educação brasileira das últimas décadas, hoje as massas são “instruídas” por gente que precisa urgentemente de instrução fundamental remedial. Analfabetos alfabetizando são cegos guiando outros cegos. A saída individual é o estudo individual, coisa tremendamente ajudada pelo surgimento da internet. Já para que o país volte a ter uma elite intelectual, é preciso que a instrução infantil volte a ter ao menos um pequeno número, um pequeno percentual de alunos bem instruídos a cada geração, para que eles transmitam a mais e mais alunos da próxima geração o que aprenderam em casa. É um processo lentíssimo; em menos de duas ou três gerações dificilmente será possível perceber uma diferença. Mas ele já pôde começar agora de forma legal, com a “aprovação” precária e malfeita do direito inalienável dos pais de não apenas instruir em casa seus filhos, mas protegê-los ao tirá-los das escolas autorizadas ou, pior ainda, mantidas pelo Estado.

Afinal, podendo servir um bom prato de comida em casa, quem quereria que os filhos fossem comer ração de bicho na rua?!

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