Manifestantes presos em Brasília com base na Lei de Segurança Nacional, na quinta-feira (18).| Foto: Reprodução/Twitter
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O aumento do número de procedimentos investigatórios com base na Lei de Segurança Nacional (LSN) nos últimos dois anos acendeu o alerta em setores da sociedade sobre o risco à liberdade de expressão no Brasil. Advogados, entidades civis, partidos políticos, instituições públicas e cidadãos se mobilizam para garantir o direito de liberdade de expressão.

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O Ministério Público Federal (MPF) deu dez dias, a partir desta sexta-feira (19), para que a Polícia Federal informe quantos inquéritos foram instaurados com base na LSN. O pedido foi feito por meio da Procuradoria da República em Araguaína (TO) após um professor de Palmas ser investigado por ter feito um outdoor em que diz que o presidente não vale ‘um pequi roído’.

Em Brasília, o MP enviou recomendação ao governo do Distrito Federal para que as forças de segurança local não prendam mais manifestantes pacíficos com base na LSN. Na quinta-feira (18), a polícia prendeu cinco pessoas que protestavam contra o presidente Jair Bolsonaro em frente ao Palácio do Planalto.

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Artigo da LSN usado para prender manifestantes contra o governo e também bolsonaristas acusados de atos antidemocráticos. | Foto: Reprodução/LEI Nº 7.170

Em outra frente, a Defensoria Pública da União (DPU) entrou com habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta sexta-feira (19). O órgão pede o fim de “quaisquer medidas de coerção” em manifestações pacíficas e cita um ‘quadro de crescimento vertiginoso’ da prática ‘inconstitucional e ilegal’ para forçar o enquadramento de manifestações políticas na

Segundo a DPU, as ações da PF têm ‘notório viés persecutório de intimidação de opositores ao governo’. O órgão pede ainda que as secretarias estaduais de segurança pública orientem os policiais para que não restrinjam, "de maneira alguma, a liberdade de mera manifestação da opinião política".

No mesmo dia em que a DPU acionou o STF, um grupo de advogados também entrou com outro habeas corpus na Corte em defesa do direito de liberdade de expressão. Os autores da ação, os advogados Felippe Mendonça, Roberto Montanari Custódio, Leonardo David Quintiliano, Paulo Roberto Iotti Vecchiatti, Rafael Leone Guarilha Colli, Jucemar da Silva Morais, Rafael Khalil Coltro, Djefferson Amadeus de Souza e Erica Acosta Plak, afirmam que "críticos(as) do sr. Presidente passaram a sofrer constrangimentos ilegais, de forma sistemática, por utilizarem-se, como livre expressão de crítica – direito fundamental e caro ao Estado Democrático – do termo ‘genocida’ e afins".

A redação atual da LSN é de 1983, período em que o país ainda estava sob a ditadura militar (1964-1985), e foi usada recentemente contra os youtubers Felipe Neto e Rodrigo Grassi, conhecido como Rodrigo Pilha, além de dezenas de manifestantes em Uberlândia, Minas Gerais.

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A LSN também foi citada em decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira, em 16 de fevereiro último, após o parlamentar ter divulgado um vídeo com ameaças e acusações a membros da Corte. Além desse fato, a Lei de Segurança Nacional embasa ações que miram manifestantes pró-governo acusados de praticar atos antidemocráticos e de disseminar fake news.

O youtuber Felipe Neto iria depor na Polícia Civil do Rio na quinta-feira (18), por ter chamado Bolsonaro de ‘genocida’ devido à sua atuação na pandemia de Covid-19, mas a investigação foi suspensa pela juíza Gisele Guida de Faria, da 38ª Vara Criminal do Rio, que viu ‘flagrante ilegalidade’ no inquérito.

Logo após a decisão judicial, Felipe Neto lançou o movimento "Cala a Boca Já Morreu", para garantir a defesa gratuita de pessoas que forem investigadas e ameaçadas por conta de manifestações políticas. O movimento é integrado inicialmente pelos advogados Augusto de Arruda Botelho, Davi Tangerino e Beto Vasconcelos. Em vídeo, o youtuber explicou os objetivos do movimento:

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A LSN estabelece como crime, em seu artigo 26, “caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação. A pena de reclusão prevista é de 1 a 4 anos.

Na prisão do deputado Daniel Silveira, em 16 de fevereiro último, o ministro Moraes afirmou que a conduta do parlamentar se enquadra em artigos da Lei de Segurança Nacional. O ministro citou, entre outros artigos, o 18, que diz que é crime ‘’tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos poderes da União ou dos estados”.

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Em artigo publicado nesta sexta-feira (19), o professor de Ética e Filosofia da Unicamp Roberto Romano diz que “os frutos da LSN são venenosos quando se trata da liberdade cidadã”. “Nela, o Estado deixa de ser um acordo entre brasileiros e se torna o direito de o Executivo impor políticas, formas de pensar, alvos nacionais. Ideada para situações extremas, ela pode gerar o contrário do que promete: a perene insegurança dos poderes e do povo soberano. Se banalizada, tendo em vista proibir críticas ao presidente da República, de remédio heroico ela se degrada à licença para o assassinato da República, vedando qualquer veleidade democrática no Brasil”, escreve Romano.

No STF, o ministro Gilmar Mendes Gilmar é relator de duas ações em tramitação – uma apresentada pelo PSB, outra do PTB – que contestam a LSN. No dia 8 de março, Gilmar deu um prazo de 10 dias para que a Presidência da República e o Congresso Nacional se manifestassem sobre o caso.

Uma das ações pede a supressão de trechos que ofenderiam preceitos constitucionais, como liberdade de expressão. Em outra, é pedido ao tribunal que julgue inconstitucional todo o texto da lei.

No Congresso Nacional há 23 propostas de alteração da LSN. Uma das dificuldades dos congressistas para alterar a lei é encontrar um equilíbrio que garanta integralmente as liberdades previstas na Constituição, mas impeça ataques ao estado democrático de direitos.