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Musk
O bilionário sul-africano Elon Musk| Foto: EFE/EPA/ALEXANDER BECHER

A internet está pegando fogo desde Elon Musk fez tuítes sobre os Twitter Files. Muita gente falando muita coisa. Ainda temos capacidade para ouvir? Ainda nos importamos com fatos? Se a resposta às duas perguntas for sim, temos esperança. Se a resposta a qualquer uma delas for não, estamos em maus lençóis.

Dias depois que o circo pegava fogo, resolvi fazer um experimento social nas redes. As pessoas estão preocupadas em manter sua liberdade de expressão nelas. Isso exige que consigam ouvir os outros, compreender e considerem importantes as opiniões que emitem. Mas será que é isso ou muita gente já foi hipnotizada pelo vício de sair xingando todo mundo sem nem ouvir e sem se importar muito com o que está falando?

Lidar com a realidade é algo necessário. No entanto, é bem mais chato do que viver num universo imaginário de games, numa luta do bem absoluto contra o mal absoluto.

Postei um vídeo em que fazia duas argumentações simplistas, desconectadas dos fatos, com forte apelo emocional e recheadas de clichês. Será que adultos conseguem diferenciar isso de opiniões pensadas e sérias? Era um vídeo curto, de um minuto e meio. A legenda já avisava que eram duas narrativas diferentes. Quem se importa com liberdade de expressão e com a própria credibilidade ouviria antes para contraditar depois.

Infelizmente, não foi o que ocorreu. A média de visualização do vídeo é de 29 segundos, menos de um terço. Ou seja, a maioria viu apenas o primeiro pedaço, que era a narrativa simplista de apenas um pólo ideológico. Centenas de pessoas fizeram comentários lotados de certezas sobre o vídeo que sequer viram. É um assunto muito sério para ser tratado de maneira tão infantil. Como sairemos disso? Os únicos que se beneficiam com esse frisson de xingamentos e hipérboles são os menos sérios e os que pretendem calar pessoas.

Existe uma discussão enorme sobre os documentos dos quais se fala. Difícil que pessoas sem concentração nem para ver um vídeo curto tenham efetivamente lido os documentos. E era bom que tivessem esse tipo de dedicação. A questão da liberdade de expressão tem um ponto muito importante a ser observado, o devido processo legal. Isso significa o processo como deve ser, respeitando direitos.

Existe um documento importantíssimo e simples que deveria ser o foco central das discussões, aquele que colocou Elon Musk em um dos inquéritos das “fake news” tocado pelo STF. O documento o descreve como CEO do Twitter e diz que está inserido no inquérito por exercer essa função. A CEO do Twitter é Linda Yaccarino.

Há ainda outras questões pertinentes. Por que ele foi inserido no inquérito? Ele ameaçou desobedecer determinações legais. Desobedeceu? Não. Disse que revelaria documentos em segredo de Justiça. Revelou? Não. Outro ponto é a jurisdição. Ele pode ser processado aqui no Brasil por algo que tuitou em outro país e em inglês? Ou teria de ser processado onde está, se fosse o caso de processo?

No caso de processos contra CEOs de multinacionais, pode ser processado um CEO mundial em qualquer país onde a empresa tem sede? Ou deve ser processado o CEO do país? Suponha uma empresa presente em 100 países, o CEO mundial pode ser processado em todos eles ao mesmo tempo? Ou um país que queira processar o CEO mundial deve fazer isso por mecanismos internacionais no país onde ele reside?

São questões pertinentes e importantíssimas para o Brasil. Infelizmente, o excesso de certezas tem sido a tônica em um assunto onde o que mais salta aos olhos é o número de questões sem resposta.

Vemos times de futebol. Um deles torce para Elon Musk e precisa provar que ele está 100% certo, atacando qualquer um que o questione. O outro torce para Alexandre de Moraes e precisa provar que ele está 100% certo, atacando qualquer um que o questione. É um divórcio da realidade.

Pensando bem, preciso pedir desculpas aos torcedores de futebol. Boa parte deles reconhece quando o time está mal e reclama, às vezes de maneira até contundente e estridente demais. Também reconhece questões reais que precisam ser resolvidas, identificam soluções reais, pressionam por elas e comemoram quando o time volta a ganhar.

Se o time for o Brasil ou for a liberdade de expressão, lidar com a realidade é algo necessário. No entanto, é bem mais chato do que viver num universo imaginário de games, numa luta do bem absoluto contra o mal absoluto. É uma escolha entre o entretenimento e a vida real. Questões da vida real só são resolvidas em contato com a realidade.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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