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Muito provavelmente você se lembra do caso Mariana Ferrer. As pessoas gostam muito de debater dois pontos: se ela falou a verdade e a reportagem do Intercept falando em “estupro culposo. Como vivemos a apoteose da superficialidade, as pessoas realmente param por aí. Se tiverem visões bem apaixonadas e certezas consolidadas, buscarão quem vê de outra forma para guerrear. E a questão toda acaba aí.

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A discussão existe sobre esses dois pontos já resolvidos. O réu foi absolvido da acusação de estupro feita por Mariana Ferrer. A expressão “estupro culposo” jamais foi usada pelos envolvidos no caso, apenas pela jornalista do Intercept, que errou. Há outra discussão em aberto que pode afetar você, não importa qual a visão que você tenha deste caso. Falamos aqui dos processos pelo uso da expressão estupro culposo.

É de pensar qual o critério utilizado nas decisões e como garantir que nós, cidadãos, tenhamos acesso aos direitos e liberdades que a lei nos dá no papel.

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O primeiro a entrar na Justiça contra a jornalista foi o réu. Ele pedia condenação por injúria e difamação pelo tratamento dado a ele, que foi inocentado. Se a expressão “estupro culposo” macula alguém, é o réu. O uso dela coloca em dúvida a inocência dele e também o caráter. Além de ter sido utilizada de forma no mínimo questionável.

Não foi assim que a juíza Andrea Cristina Rodrigues Studer, da 5ª Vara Federal de Florianópolis, entendeu o caso. Para ela, a jornalista Schirlei Alves não extrapolou os limites da liberdade de imprensa e a discussão é fundamental para o pluralismo de ideias. Ocorre que o promotor do caso e o juiz resolveram entrar com o mesmo processo, alegando injúria e difamação pelo uso do termo “estupro culposo”. No caso, a ideia é que a expressão ofende o trabalho dos dois. O caso caiu com a mesma juíza, Andrea Cristina Rodrigues Studer.

Já deve ter gente muito confortável ao julgar processos de opinião de acordo com a cara do freguês.

Qual foi a decisão? Culpada. Aliás, não só culpada, mas uma das maiores penas já vistas para crimes de opinião. A sentença determina 1 ano de cadeia e multa de R$ 400 mil – que serão destinados para o juiz e o promotor. No caso do réu, é liberdade de imprensa.

O juiz então parece ter se empolgado. Entrou com mais de 200 ações em Florianópolis pedindo indenizações de R$ 15 mil a R$ 30 mil em danos morais a pessoas que usaram a expressão estupro culposo nas redes sociais. Estão na lista personalidades como Ana Hickmann, Marcos Mion, Anitta e Ivete Sangalo. Há casos, como o da atriz Mika Lins, em que o juiz e a decisão sequer foram citados. Ela tuitou apenas a seguinte hashtag “#EstuproCulposoNãoExiste”. O juiz quer ser indenizado por ela por dano moral.

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A advogada dele, Yolanda Garay, explicou a tese no Portal Migalhas, especializado na cobertura jurídica: “Em nenhum momento o doutor se sentiu ofendido pelo uso da hashtag por si só, mas sim pelo contexto em torno da hashtag expressa”. São 200 processos. Ele vai ganhar todos? Já ganhou R$ 30 mil por uma charge publicada no site Poliarquia. Ela mostrava do lado esquerdo uma moça encolhida chorando. Do lado direito, três homens andando e conversando. O diálogo é: “Estupro culposo é quando não há a intenção… de culpar o estuprador!”.

O mais intrigante no caso é que o homem chamado de estuprador não é um estuprador. Ele foi o primeiro a pedir judicialmente injúria e difamação e perdeu. Quando o juiz do caso entra com o mesmo pedido, a mesma juíza do caso anterior dá a vitória a ele. É de pensar qual o critério utilizado nas decisões e como garantir que nós, cidadãos, tenhamos acesso aos direitos e liberdades que a lei nos dá no papel. Falamos muito dos excessos dos tribunais superiores esquecendo dos efeitos nos demais magistrados.

Já deve ter gente muito confortável ao julgar processos de opinião de acordo com a cara do freguês. Quem eu admiro tem razão e quem eu tenho ranço não tem razão em nada. Resta saber o que será da liberdade de expressão caso as coisas continuem andando nesse rumo.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]