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Flávio Dino foi aprovado por 47 senadores para o cargo de ministro do STF.
Flávio Dino foi aprovado por 47 senadores para o cargo de ministro do STF.| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Mais uma vez assistimos a uma “sabatina” do Senado a um candidato a ministro do Supremo Tribunal Federal. Em um país onde nunca se valorizou o estudo e conhecimento, não chega a surpreender – embora, sim, decepcione – o nível das perguntas e respostas, no que parece ser um teatrinho escolar mal ensaiado, e que define o futuro de uma autoridade que efetivamente influencia diretamente na vida da sociedade por décadas.

O agora ministro confirmado do STF e atual titular da pasta da Justiça, o “terrivelmente comunista” Flávio Dino, demonstrou sua visão estratégica em momentos como este. Sabia que enfrentaria uma oposição à sua indicação, mas igualmente tinha consciência de que os votos necessários para sua aprovação, mesmo que apertada, eram certos, tanto na Comissão de Constituição e Justiça quanto no plenário do Senado Federal.

Pôde-se notar o uso mordaz, tanto em falas anteriores quanto na “sabatina” desta semana, da Bíblia. Em citações de trechos para adequar às respostas – uma técnica exegética questionável na teologia cristã ortodoxa, tanto pelo método histórico gramatical quanto até pelo histórico crítico, embora, com conhecimento, citou trechos concatenados em perícope (Antigo Testamento, Novo Testamento e Evangelho) –, na verdade pareceu se divertir quando respondeu ao senador Magno Malta, recomendando que lesse três passagens bíblicas.

O discurso com argumentos religiosos é, definitivamente, uma marca da retórica política atual no Brasil, em qualquer campo ideológico

A primeira foi Êxodo 16, na passagem onde Moisés conta como Deus sustentou o povo de Israel no deserto com o maná que caía do céu, e que cada um deveria recolher a medida de um dia, nem mais nem menos. Na segunda passagem, do Evangelho segundo São Mateus, capítulo 25, versículo 40, Deus declara aos salvos que, ao fazerem o bem “aos pequeninos”, fizeram-no a Ele. A terceira foi de Atos 4, provavelmente pensando no versículo 32, que diz que “ninguém dizia que coisa alguma que possuía era sua própria, mas todas as coisas lhes eram comuns”.

Uma coisa é clara neste processo: o discurso com argumentos religiosos é, definitivamente, uma marca da retórica política atual no Brasil, em qualquer campo ideológico. Isto mostra a incorporação estratégica da linguagem religiosa para dizer a eleitores e apoiadores que sua visão se firma em valores espirituais, ou ao menos tentar comunicar alguma familiaridade. Também mostra que esta é uma linguagem de aproximação com a sociedade – 192 milhões de brasileiros professam fé religiosa, esmagadoramente cristã em suas várias tradições e variantes.

Ainda no campo religioso, ao responder à senadora Damares Alves, o ministro Dino disse que “no nosso sistema de crenças, a infalibilidade não é um atributo humano”, ao ser questionado sobre suas medidas como ministro da Justiça, especialmente quanto à postura nos desdobramentos do 8 de janeiro. Segue citando os Evangelhos, ao dizer que “Jesus Cristo diz: quem nunca errou, que atire a primeira pedra”.

Por fim, a responder sobre a incoerência entre sua trajetória como adepto da teoria comunista e o cristianismo, o ministro fala em “tranquilizar” a senadora por ser “filho da Doutrina Social da Igreja [Católica]”. Diz ser esta sua formação, desde o início dos anos 80. Aqui é que fiquei intrigado. Afinal, o que é mesmo a Doutrina Social da Igreja (DSI)?

Este grande compêndio do Magistério da Igreja Católica, composto modernamente por 19 encíclicas, desde a Rerum Novarum de Leão XIII (publicada em 1891) até a Laudato si’, (de 2015, do papa Francisco), busca nortear a cristandade sobre a dignidade humana e o bem comum na vida em meio à sociedade. E o documento condena, justamente, o tal do “comunismo”.

Seus oito princípios fundamentais são 1. A dignidade da pessoa humana, como criatura à imagem de Deus, e a igual dignidade de todas as pessoas; 2. O respeito à vida humana; 3. O princípio de associação; 4. O princípio da participação; 5. O princípio da solidariedade; 6. O princípio da subsidiariedade; 7. O princípio do bem comum; e 8. O princípio da destinação universal dos bens. Por meio deles, a Igreja funciona como bússola moral para que nunca se perca de vista a verdadeira soberania – do Alto – a estruturar a vida humana.

A Doutrina Social da Igreja não admite o comunismo como uma via possível para a consecução do bem comum, nem como corolário da dignidade humana.

Nesta ordem presente, governantes e governados devem lembrar que a transcendência moral se sustenta na ordem do “servir uns aos outros”, e não “servir-se uns dos outros”. Por isso os princípios se balizam pelos valores universais da verdade, liberdade e justiça.

A DSI não admite o comunismo como uma via possível para a consecução do bem comum, nem como corolário da dignidade humana. São vias irreconciliáveis, justamente porque autoexcludentes. O comunismo impõe o materialismo como fonte, e o fim da história com a revolução proletária; a DSI mostra uma humanidade que suporta o fardo desta dimensão da existência com olhos fitos na Eternidade.

Palavras, amigos, não são apenas palavras. São verdadeiras janelas para a alma. O ministro Dino falou bastante sobre fundamentos morais, e a religião, vimos todos, estava no centro mais uma vez. Agora é acompanhar o que vem por aí em 2024, pois são muitos os casos que passarão por suas mãos envolvendo valores caros à Doutrina Social da Igreja, a Moisés, aos profetas, apóstolos e ao próprio Cristo: quem viver verá.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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