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Crônicas de um Estado laico

Crônicas de um Estado laico

Sua última lição

Uma fala que vale uma vida: ode à liberdade, pelo Papa Francisco

A última fala de um papa Francisco é também sua última lição. Que não a esqueçamos. (Foto: Angelo Carconi/EFE/EPA)

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Nos últimos momentos de vida, o papa Francisco escolheu uma mensagem essencial para a humanidade. Há momentos na história em que as palavras deixam de ser simplesmente palavras e se tornam legados vivos, testemunhos eternos daquilo que importa de verdade.

Em seu último discurso, durante a bênção Urbi et Orbe, o papa Francisco escolheu com profunda consciência as palavras que resumiriam não apenas o sentido da Páscoa, mas também o sentido de uma vida dedicada à dignidade humana: "A paz não é possível sem liberdade religiosa, de pensamento e de expressão".

Não falou sobre política partidária, economia ou poder mundano, mas sobre algo profundamente ligado à própria essência humana. Francisco poderia ter dito muitas coisas, afinal, uma vida como a dele oferece uma perspectiva privilegiada sobre as angústias, esperanças e dilemas humanos. Entretanto, escolheu reafirmar que não há verdadeira humanidade onde falta liberdade para crer e expressar essa crença publicamente.

Por que um papa, em sua derradeira bênção de Páscoa, falaria precisamente sobre esse tema? Essa afirmação, breve e precisa, carrega um significado profundo e universal.

Não é apenas uma frase bonita ou retórica vazia; é um valor fundamental pelo qual vale viver e, como demonstrou Francisco, pelo qual vale também encerrar uma vida

O papa, debilitado fisicamente, escolheu intencionalmente destacar a liberdade religiosa em seu último pronunciamento, como um alerta final sobre a importância deste direito essencial, cada vez mais ameaçado em diversas partes do mundo.

Ele compreendia profundamente que a liberdade religiosa é a guardiã das demais liberdades. Onde essa liberdade é sufocada, nenhuma outra pode florescer plenamente. A liberdade religiosa não é um direito apenas dos religiosos, mas de toda pessoa, porque é o reconhecimento da dignidade integral do ser humano.

Não há verdadeira paz quando as pessoas são silenciadas por causa de sua fé. Não há justiça em um mundo onde crenças são perseguidas ou ideias são censuradas. Francisco entendeu bem que garantir liberdade religiosa significa proteger algo profundamente humano: nossa capacidade de buscar sentido e propósito em nossa existência, e de viver segundo nossas mais íntimas convicções.

Afinal, liberdade religiosa não é apenas um conceito legal ou filosófico. É algo que molda sociedades mais plurais, mais respeitosas e mais livres. Em tempos marcados pela intolerância e polarização, o apelo final do papa Francisco soa como um chamado urgente à consciência global: defender a liberdade de crer é defender nossa própria humanidade.

A fala final de Francisco não foi apenas um recado para cristãos ou religiosos, mas para o mundo inteiro. Ele lembrou que o valor da liberdade religiosa transcende doutrinas e crenças específicas, conectando-se diretamente à capacidade humana de buscar a verdade, viver em harmonia com a consciência e respeitar o outro em suas diferenças.

Como falamos sempre: no ambiente de livre trânsito das ideias e ideais religiosos – a chamada “laicidade”, não é deve ser aquela que reprime ou afasta a religião do espaço público, mas que, ao contrário, reconhece a importância da fé como elemento constitutivo e promotor da cidadania plena.

Assim, ao reafirmar este valor fundamental, Francisco deixou como herança uma defesa profunda e corajosa da dignidade humana, alinhando-se ao que sempre defendemos como o conceito de "laicidade colaborativa", onde o Estado respeita, protege e promove o espaço da expressão religiosa como forma de garantir a plena liberdade de consciência e dignidade do ser humano.

Escolheu como última mensagem justamente o valor que sustenta todos os outros valores: a liberdade de crer ou não crer, de expressar ou guardar silêncio, de praticar ou não uma religião.

Faz parte do testamento espiritual de Francisco e nos lembra que a liberdade religiosa é essencial porque é a base de todas as liberdades, e seu respeito é o caminho para um mundo mais justo, pacífico e humano.

A última fala de um papa é também sua última lição. Que não a esqueçamos.

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Conteúdo editado por: Aline Menezes

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