O ditador chinês, Xi Jinping, e o presidente russo, Vladimir Putin, em encontro dos Brics em Brasília, em 2019| Foto: EFE/André Coelho
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Os setores progressistas estão muito confiantes que, a partir do ano que vem, a aliança dos países emergentes ganhará enorme poder para a integração do que eles chamam de o novo “mundo multipolar”, ou seja, a aliança euroasiática que, junto aos demais países em desenvolvimento, busca antagonizar com o poderio norte-americano. Mas o detalhe é que o contexto global de hoje é completamente distinto do cenário dos anos 2000, quando começaram as primeiras conversas que culminaram na criação dos BRICS formalmente em 2009. Será que os países em desenvolvimento realmente encontrarão um Estados Unidos mais enfraquecido e conseguirão avançar com seus planos de superação da ordem mundial comandada por Washington em direção a um cenário multipolar?

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Talvez a única semelhança que podemos encontrar entre os anos 2000 e o mundo atual é um cenário de guerra. Em 2001, teve início a guerra no Afeganistão. Em 2003, a ofensiva dos EUA contra o Iraque foi realizada. Enquanto isso, hoje temos a Guerra na Ucrânia. Entretanto, é fundamental observar que o que está em jogo no conflito atual é muito mais sério do que acontecia 20 anos atrás. Podemos dizer que, naquela ocasião, tratava-se fundamentalmente de uma disputa por petróleo. Os EUA acreditavam que, assumindo o controle sobre território iraquiano, conquistariam o pleno domínio sobre o mercado mundial dessa importante commodity. Mas não foi o que aconteceu.

Um Estados Unidos mais enfraquecido facilita o plano do mundo multipolar ou o dificulta, uma vez que os olhos de Washington agora não estão rivalizando com o mundo árabe, como nos anos 2000, mas principalmente com Rússia e China, os grandes expoentes dos BRICS?

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Não podemos negar que os conflitos no Afeganistão e, posteriormente, no Iraque, já aconteciam num cenário de declínio do poder norte-americano, principalmente após os eventos de setembro de 2001 em Nova York. Também é necessário reconhecer que, 20 anos depois, o cenário de enfraquecimentos dos EUA se confirmou, sobretudo, em setembro de 2021, com a retirada vergonhosa e caótica dos EUA do território afegão, o que representou uma empreitada de 20 anos totalmente fracassada. Mas a pergunta que fica é: um Estados Unidos mais enfraquecido facilita o plano do mundo multipolar ou o dificulta, uma vez que os olhos de Washington agora não estão rivalizando com o mundo árabe, como nos anos 2000, mas principalmente com Rússia e China, os grandes expoentes dos BRICS?

Esse detalhe parece indicar que o cenário para o ano que vem será infinitamente mais complicado do que o contexto dos anos 2000. O mundo mudou muito nestes últimos 20 anos. Antes, o conflito era contra os “extremistas” do Oriente. O inimigo não era Moscou e muito menos Pequim. Detalhe: observe que sempre é necessário (para o “sistema”) existir o “inimigo da vez”, o “bicho-papão” da ocasião. Um detalhe curioso é que, na verdade, Vladmir Putin até apoiou, na ocasião, a ofensiva contra os “extremistas”, vendo nisso uma medida para frear o avenço desses grupos que também atuavam em regiões de fronteira com a Rússia. Até mesmo Pequim viu com bons olhos aquela iniciativa, uma vez que resolvia a preocupação de com esses mesmos movimentos na região do Xinjiang.

A diferença hoje é que não se trata de uma luta dos EUA contra “extremistas”. Temos hoje um cenário completamente distinto. O mundo está dividido em dois novamente, assim como no contexto da Guerra Fria. De um lado, o Império Norte-americano, enfraquecido sim, mas ainda muito poderoso, apesar de governado por um fantoche, que toma medidas loucas, como, por exemplo, apoiar a desindustrialização da Alemanha e da Europa, talvez como meio de evitar que se tornassem dependentes do gás de Moscou e passassem, em vez disso, a depender completamente dos EUA, pagando uma energia muito mais cara. Do outro lado estão os BRICS, o chamado mundo multipolar, eurasiano, em desenvolvimento, que está dominando o chamado “sul global”. Como mostrei em artigos recentes aqui na Gazeta do Povo, assim como no meu livro À Beira do Abismo, cerca de 87% do planeta já está interligado com o sistema eurasiano e dos BRICS. Na verdade, só a Índia e a China, sozinhas, já somam quase 50% da população global. Do outro lado estão EUA, Canadá e a OTAN, mas que numericamente somam apenas cerca de 13% da população global.

E essa disputa vai se acirrando a cada dia. Principalmente após uma série de ações ocidentais em resposta à ofensiva da Rússia contra a Ucrânia, o que elevou drasticamente o nível de tensão, colocando o mundo, pela primeira depois de décadas, sob o medo de uma Terceira Guerra Mundial. Entre essas ações estão, por exemplo, a destruição dos gasodutos Nord Stream 1 e 2 e a ação que quase derrubou a ponte que dá acesso à Crimeia. Isso tudo leva a disputa a um nível de tensão sem precedentes. Além disso, a Rússia comunicou recentemente que a destruição dos gasodutos teria sido comandada pela inteligência britânica. Isso deve gerar uma resposta dura e assimétrica por parte de Moscou.

Tenho a impressão que, nos anos 2000, quando os Estados Unidos dedicaram suas ofensivas e rivalidades contra o “extremismo” oriental, a Rússia, a China e os emergentes puderam progredir e avançar seus planos de forma mais tranquila, sem uma oposição direta por parte de Washington. Hoje, entretanto, o cenário fica completamente diferente, uma vez que o “bicho-papão” da vez está exatamente entre os mais importantes membros dos BRICS. Por isso, concluo que, apesar de um poderio norte-americano enfraquecido, eles tendem a se comportar como o animal acuado, que geralmente responde de forma violenta, visceral e, por vezes, irracional. Creio que os sonhos do novo mundo multipolar encontrarão dias muito atribulados pela frente. E espero que isso não nos lance na tão temida Terceira Guerra Mundial.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]